Imagine um paredão de água atravessando o Atlântico para engolir a costa brasileira. Foi esse o pesadelo encenado pela Netflix na série Inferno em La Palma. O enredo é baseado em um estudo de 2001, que sugeria que o colapso do vulcão Cumbre Vieja, na Espanha, poderia gerar um megatsunami capaz de atingir o Brasil.
A hipótese ganhou visibilidade com a ficção, mas não se sustenta diante das evidências científicas mais recentes. Ao longo das últimas duas décadas, pesquisadores coletaram novos dados sobre a geologia da região e aprimoraram os modelos de simulação de tsunamis.
Em entrevista ao Olhar Digital, a geóloga Alice Westin Teixeira, do Instituto de Geociências da USP, desmonta o mito do tsunami na costa brasileira com dados atualizados e explica por que estamos de fora do roteiro de tragédias geológicas globais.
O tsunami da Netflix não passa de ficção — e a ciência prova isso
Modelos mais avançados e dados coletados nas últimas décadas mostram que o Cumbre Vieja dificilmente entraria em colapso da forma explosiva imaginada em 2001. Em vez de uma massa gigantesca de terra deslizando de uma só vez para o mar, os deslizamentos na região ocorrem de forma gradual, com fragmentos pequenos e em velocidades bem menores.

Essas descobertas colocam o chamado “megatsunami do Atlântico” no campo da ficção. Como destaca um artigo do site The Conversation, a hipótese original foi superestimada. Nenhum dos mais de 17 eventos vulcânicos registrados nas Ilhas Canárias desde o século XV gerou ondas capazes de cruzar o oceano.
O texto foi escrito pelas especialistas Hannah Little (Universidade de Liverpool), Janine Krippner (Universidade de Waikato) e Katy Chamberlain (Universidade de Liverpool).
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Além disso, o Brasil está longe das zonas sísmicas mais perigosas do planeta. “Hoje sabemos que esse tipo de tsunami é extremamente improvável”, reforça Alice Westin. Segundo a geóloga, sem o choque entre placas tectônicas, megaterremotos e ondas gigantes simplesmente não fazem parte da nossa realidade geológica.
Por que o Brasil é um dos lugares mais seguros do mundo contra desastres naturais
Ao contrário de países como Japão, Indonésia ou Chile, o Brasil está localizado sobre uma placa tectônica estável, distante dos limites onde ocorrem os grandes choques geológicos. Isso significa que aqui não há o acúmulo de tensão necessário para provocar terremotos devastadores — e, por consequência, tsunamis de grande escala.

Embora pequenos tremores sejam registrados ocasionalmente no Brasil, eles são fracos e raramente provocam danos. Quando há algum transtorno, o problema costuma estar na vulnerabilidade das construções. Como explica Alice Westin, os abalos sentidos por aqui são leves demais para causar estragos em estruturas bem planejadas.
A mesma lógica vale para ondas gigantes. Sem falhas geológicas ativas sob o mar próximo à costa, não há energia suficiente acumulada para empurrar colunas de água rumo ao continente. Em tempos de desinformação viral, a ciência segue sendo a âncora mais firme contra o pânico — e, felizmente, ela está do lado do Brasil nessa história.
Você pode acompanhar a entrevista na íntegra!
O tsunami que atingiu o Brasil
No dia 1º de novembro de 1755, um tsunami atingiu o litoral do Nordeste brasileiro, destruindo algumas habitações. Duas pessoas desapareceram. O maremoto teve origem em um terremoto ocorrido em Lisboa.
O tema foi abordado pela Rede Sismográfica Brasileira em um vídeo com o professor aposentado do Instituto de Geociências e ex-chefe do Observatório Sismológico da UnB, José Alberto Vivas Veloso, autor do livro Tremeu a Europa e o Brasil também.
#TsunamiNoBrasil 🌊
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No dia 1o de novembro de 1755, um #tsunami atingiu o litoral do Nordeste brasileiro, destruindo habitações modestas e desaparecendo com duas pessoas. O #maremoto nasceu do #TerremotodeLisboa, que hoje cumpre o seu 265 aniversário. pic.twitter.com/RLTW53NfpL— Rede Sismográfica Brasileira (@RSBR_Oficial) November 1, 2020
O trabalho serviu como ponto de partida para uma pesquisa da UERJ, em parceria com cientistas portugueses, que buscou — e encontrou — evidências físicas da chegada desse tsunami. Até então, o fenômeno era conhecido apenas por meio de registros artísticos e documentos históricos, como livros, cartas e pinturas da época.
As ondas não foram muito altas, variando entre 1 e 2 metros, mas o volume de água foi significativo, alcançando até 4 quilômetros de distância da linha da costa.
As informações indicam que o terremoto de 1755 foi o maior já registrado na Europa, atingindo 8,7 graus na escala Richter. Lisboa foi devastada, assim como grande parte do sul da Espanha e do Marrocos.
Poucos registros oficiais foram preservados, mas estima-se que entre 20 mil e 30 mil pessoas tenham morrido — embora algumas fontes apontem para até 100 mil mortes. A tragédia marcou o início da era moderna nos estudos sismológicos.
Sobre o Brasil, a geóloga Alice Westin Teixeira explica: “não há possibilidade de tragédia no Brasil como essas que vemos em outros países. Vamos supor que aconteça um terremoto em Lisboa daquela magnitude. É muito improvável que isso aconteça e que chegue aqui no Brasil (um tsunami). E, mesmo que chegue, é improvável que cause um tragédia. A tragédia é praticamente impossível”.
O post Tsunami já atingiu o Brasil. Pode acontecer de novo? apareceu primeiro em Olhar Digital.
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