O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o bilionário dono da Tesla, Elon Musk, trocaram ataques nas redes sociais, dias após o empresário ter deixado o governo americano.
O principal motivo da briga foi um um abrangente projeto de lei apoiado por Donald Trump sobre impostos, cortes de gastos, energia e a fronteira.
A medida foi adotada pela Câmara por um voto, mas agora tem um futuro incerto no Senado, por mais que seja controlado pelo Partido Republicano.
O projeto estende cortes de impostos de 2017, adotados no primeiro mandato de Trump. O Escritório de Orçamento do Congresso, que é apartidário, afirmou que isso acrescentaria US$ 3,8 trilhões à dívida de US$ 36,2 trilhões do governo federal.
Musk, que foi um dos principais apoiadores de Trump na disputa presidencial de 2024, foi convidado para assumir a agência de eficiência governamental (DOGE, na sigla em inglês) com a promessa de fazer cortes profundos nos gastos da máquina pública.
Nas últimas semanas, ele criticou o projeto de Trump, pontuando em uma entrevista que está “decepcionado” com a agenda. O empresário ressaltou que o projeto aumentaria “o déficit orçamentário” e prejudicaria o trabalho que da equipe que ele comandou enquanto esteve no governo.
As críticas de Elon Musk chegaram ao ápice no dia 3 de maio, quando ele disse pelas redes sociais que a proposta apoiada por Trump é uma “abominação nojenta” e que o Congresso levaria o país “à falência”.
Trump havia chamado a proposta enviada ao Congresso de “Grande e Belo Projeto de Lei”. Mas o dono da Tesla publicou nas redes que ele é, na verdade, o “Grande e Feio Projeto de Lei”, alegando que sua implementação aumentaria o déficit do país em US$ 2,5 trilhões.
Alguns funcionários da Casa Branca e vários republicanos importantes tentaram atribuir as críticas de Musk à revogação planejada pela legislação de certos subsídios para veículos elétricos — e ao impacto que isso teria em sua própria empresa em dificuldades, a Tesla.
Mas um estrategista republicano que trabalhou em estreita colaboração com o bilionário da tecnologia minimizou a situação, dizendo à CNN que Musk estava genuinamente preocupado com as projeções de quanto o projeto de lei aumentaria o déficit – o raciocínio que Musk citou publicamente em diversas ocasiões.
Outras pessoas que conhecem Musk concordaram que sua oposição ao projeto não se refere apenas aos créditos para veículos elétricos ou aos subsídios para energia solar, observando que ele vê o projeto como um “tapa na cara” do que ele estava tentando realizar com o Departamento de Eficiência Governamental.
Mas, afinal, o que prevê o projeto de lei?
O pacote da Câmara prevê a permanente aplicação de praticamente todos os cortes de imposto de renda de pessoa física previstos na Lei de Cortes de Impostos de 2017.
O projeto também concederia alívio fiscal temporário a certos idosos e trabalhadores que recebem gorjetas e horas extras, algo prometido por Trump durante a campanha eleitoral no ano passado.
Além disso, restauraria temporariamente dois incentivos fiscais da TCJA para empresas, incluindo a possibilidade de deduzir imediatamente os custos de pesquisa, desenvolvimento e equipamentos.
Para ajudar a compensar o custo do alívio fiscal, o projeto de lei da Câmara promulgaria cortes históricos no Medicaid e no vale-alimentação, dois dos principais programas de segurança social do país.
O pacote instituiria requisitos de trabalho no Medicaid , que fornece seguro saúde para americanos de baixa renda, e expandiria o mandato de trabalho no programa de vale-alimentação, conhecido como Programa de Assistência Nutricional Suplementar, ou SNAP.
Essas disposições resultariam na perda de acesso de milhões de pessoas à cobertura de saúde e à assistência nutricional , de acordo com projeções preliminares do Escritório de Orçamento do Congresso (CBO) divulgadas anteriormente.
O projeto de lei também aumentaria os gastos em defesa, segurança de fronteira e imigração, que estão entre as principais prioridades de Trump.
Grandes cortes de gastos, maiores cortes de impostos
O abrangente pacote de cortes de impostos e gastos dos republicanos da Câmara adicionaria US$ 2,4 trilhões ao déficit na próxima década, de acordo com a análise do CBO, que é apartidário.
Além disso, quase 11 milhões de pessoas a mais ficariam sem seguro em 2034, em grande parte devido aos cortes históricos do pacote para o Medicaid, descobriu o CBO.
O pacote da Câmara cortaria cerca de US$ 1,3 trilhão em gastos ao longo de uma década, segundo o CBO. Mas a legislação reduziria a receita em quase US$ 3,7 trilhões.
“Ficamos com a conta que, apesar de todas essas escolhas difíceis, ainda está aumentando drasticamente a dívida”, disse Marc Goldwein, diretor sênior de políticas do Comitê para um Orçamento Federal Responsável.
Análises independentes mostram que o alívio fiscal do pacote beneficiaria desproporcionalmente as famílias de renda mais alta, com impacto ainda mais pronunciado se os cortes de gastos forem considerados.
Aqueles nas faixas de renda mais baixa teriam sua receita reduzida, após a dedução de impostos e de certos benefícios governamentais, enquanto os que ganham mais teriam um aumento de renda, de acordo com a estimativa do Modelo Orçamentário da Penn Wharton para o projeto de lei final da Câmara.
Cerca de 10,9 milhões de pessoas ficariam sem seguro saúde em 2034, segundo estimativas do CBO. Isso inclui 7,8 milhões de americanos que perderiam o plano de saúde devido às disposições do Medicaid e cerca de 1,4 milhão de pessoas sem cidadania verificada ou status imigratório satisfatório, que não seriam cobertas em 2034 por programas de saúde financiados apenas com verbas estaduais.
Outros perderiam a cobertura devido às medidas do Affordable Care Act (Lei de Assistência Médica Acessível) no projeto de lei, incluindo a redução do período de inscrições, a restrição de períodos especiais de inscrição durante o ano e o aumento dos requisitos de verificação para subsídios de prêmios, entre outros.
“Esta seria a maior reversão já vista no apoio federal à assistência médica”, postou Larry Levitt, vice-presidente executivo de política de saúde da organização apartidária KFF, no X.
Além disso, o projeto de lei da Câmara não estenderia os subsídios aprimorados do Affordable Care Act, que os democratas do Congresso e o governo Biden implementaram em 2021. Os subsídios reforçados devem expirar no final do ano.
Permitir que o aumento expire, combinado com a implementação de uma regra do Obamacare proposta pelo governo Trump, aumentaria o número de americanos sem seguro em mais 5,1 milhões em 2034, de acordo com uma análise separada do CBO conduzida para os democratas do Congresso e divulgada na quarta-feira (4).
Argumento do crescimento econômico e cortes de custos
Autoridades da Casa Branca defendem suas projeções com a visão de que o projeto de lei desencadeará um aumento duradouro na atividade econômica que, aliado à agenda econômica mais ampla, superará as previsões econômicas.
Isso, por sua vez, aumentaria as receitas fiscais federais e preencheria a maior parte do buraco criado pela perda de US$ 3,7 trilhões em receitas para o governo, projetada para 10 anos, ao mesmo tempo em que as tarifas de Trump impulsionariam um aumento drástico na receita não incluída em nenhuma pontuação orçamentária vinculada ao projeto de lei.
Os US$ 1,3 trilhão em cortes obrigatórios de gastos ao longo de uma década marcariam o ponto de partida que as autoridades da Casa Branca levarão para a iminente batalha de gastos no Capitólio.
A lógica da Casa Branca está vinculada a uma combinação de projeções que colidem diretamente com as visões consensuais econômicas.
Preocupação com a dívida
A mensagem da Casa Branca também é direcionada a um público que tem muito mais influência sobre a agenda econômica de Trump do que qualquer político: investidores em títulos, que têm ficado cada vez mais nervosos nos últimos meses.
A crescente preocupação com os níveis estratosféricos da dívida americana levou ao rebaixamento da classificação de crédito da Moody’s no mês passado , o que ajudou a desencadear outra onda de turbulência no maior e mais líquido mercado de títulos do mundo.
Os investidores já haviam sinalizado desconforto com as tarifas expansivas do “Dia da Libertação” de Trump em abril, mas, à medida que a Câmara se aproximava da votação do projeto de lei no mês passado, os investidores em títulos mais uma vez ficaram nervosos.
Isso sinalizou a disposição dos investidores em títulos de considerar se os alertas de décadas sobre um iminente, mas teórico, colapso fiscal dos EUA podem estar se aproximando da realidade.
“Vocês vão ver uma ruptura no mercado de títulos, ok?”, disse o CEO do JPMorgan, Jamie Dimon, durante um debate em 30 de maio no Fórum Econômico Nacional Reagan, na Califórnia.
Autoridades da Casa Branca descartam esse pior cenário. Insistem que o governo não está abalado pela alta nos custos dos empréstimos de longo prazo nos EUA ou pelos últimos meses tumultuados no mercado de títulos do Tesouro americano.
Elas afiram que as flutuações do mercado de títulos não estão atreladas às realidades que sustentam a maior economia do mundo.
“Conheço Jamie há muito tempo, e durante toda a sua carreira ele fez previsões como esta”, disse o secretário do Tesouro, Scott Bessent, no programa Face the Nation, da CBS. “Felizmente, nenhuma delas se concretizou.”
Buscando investidores em títulos
Autoridades da Casa Branca estão cientes de que precisam defender seus argumentos agressivamente para investidores de títulos preocupados — e fazê-lo bem.
Essa realidade, mais do que qualquer outra coisa, levanta a questão de por que as autoridades insistem em declarar que o projeto de lei não aumentará os déficits em nem um dólar ao longo de 10 anos. As principais premissas que sustentam essa projeção seriam:
1) As tarifas produzirão trilhões de dólares em receita sem prejudicar o crescimento econômico dos EUA.
2) Os tribunais permitem que a ampla agenda desregulamentadora da Casa Branca, incluindo os cortes do DOGE, prossiga.
3) O investimento empresarial aumenta, mesmo depois que os incentivos fiscais corporativos antecipados expirarem em alguns anos.
4) Os cortes de gastos atrasados permanecerão em vigor por um período de quatro anos e os republicanos garantirão grandes cortes de gastos discricionários que exigirão apoio democrata.
Há variáveis, muitas delas fora do controle de Trump, nas afirmações.
Isso ressalta a ligação entre o primeiro e o segundo mandatos de Trump. Os assessores de Trump continuam animados pela crença inabalável de que os especialistas econômicos estavam errados no primeiro mandato de Trump.
Eles apostam que esse é o caso novamente, com a agenda econômica de Trump em jogo.
O desabafo de Musk nas redes sociais não ajudou. Mas não há nenhuma discussão sobre qualquer mudança significativa de rumo na Casa Branca em relação ao projeto.
“Nada mudou em nossa visão de mundo”, disse Russell Vought, diretor de orçamento da Casa Branca, aos repórteres do lado de fora da Ala Oeste, algumas horas após a postagem de Musk na terça-feira.
Com informações de
e da CNN Internacional.
Fonte: CNN Brasil