Por Guilherme Sacamone*
Nos últimos anos, as stablecoins deixaram de ser um conceito técnico do universo cripto para se tornarem uma ferramenta cotidiana de milhares de brasileiros. Em um país historicamente marcado pela volatilidade cambial, essas moedas digitais estáveis vêm oferecendo um caminho prático e acessível para proteção patrimonial e liberdade financeira.
Esse crescimento natural, no entanto, despertou o interesse — e a preocupação — das autoridades reguladoras. Agora, o Brasil pode estar diante de uma decisão crítica que pode moldar o futuro do setor.
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A proposta apresentada pelo Banco Central na Consulta Pública nº 111/2024 sugere que instituições autorizadas pelo próprio BC como Prestadoras de Serviços de Ativos Virtuais (“PSAV”) não poderiam permitir que seus usuários transferissem suas stablecoins para carteiras privadas. Na prática, isso significa obrigar que brasileiros armazenem seus próprios ativos digitais nas PSAVs — um ataque direto à autocustódia.
Essa proposta representa muito mais do que um detalhe técnico. Ela ameaça um dos princípios fundadores do ecossistema cripto: o direito do indivíduo de armazenar, movimentar e proteger seus próprios fundos sem a necessidade de intermediários. Foi justamente esse conceito — de soberania — que deu origem ao Bitcoin e às tecnologias subsequentes. Ignorar isso é ignorar a razão pela qual todos nós estamos aqui.
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É claro que o avanço regulatório tem seu mérito. O objetivo fundamental do Banco Central de proteger os usuários é legítimo. O Brasil já foi palco de diversos esquemas fraudulentos envolvendo criptoativos, e muitos investidores foram prejudicados por promessas falsas e má custódia. Mas o caminho para a proteção não pode ser a proibição da autonomia.
O ecossistema evoluiu: hoje há mais informação, mais maturidade, mais projetos sérios e mais ferramentas para identificar riscos do que nunca.
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O desafio, portanto, não é se devemos regular, mas como regular. Temos diante de nós a oportunidade de criar um marco equilibrado, que proteja os menos experientes sem punir os mais conscientes; que ofereça segurança sem sufocar a inovação; que incentive o desenvolvimento local sem empurrar a indústria para o exterior.
Esse é um setor, por natureza, global, descentralizado e sem fronteiras, de modo que se o Brasil adotar um modelo regulatório excessivamente restritivo, na prática, irá afastar desenvolvedores, desincentivar a inovação nacional e empurrar usuários para plataformas internacionais que operam à margem da regulação, sem suporte, sem proteção, sem contribuição e sem responsabilidade no Brasil.
Entende-se, novamente, a preocupação legítima do regulador em acompanhar o fluxo de capitais internacionais, coibir transações ilícitas com stablecoins e prevenir a lavagem de dinheiro e outros crimes adjacentes. No entanto, é importante que a regulação não seja moldada por casos excepcionais, mas sim por princípios que equilibrem segurança e liberdade.
Há caminhos mais proporcionais e eficazes para se atingir esses objetivos — como a adoção de controles reforçados para transações acima de determinado valor, a análise de risco das carteiras de destino ou a utilização de sistemas de monitoramento.
Mais do que sufocar o setor, corremos o risco de abrir mão da arrecadação gerada por essa indústria, do desenvolvimento de tecnologias locais e da criação de empregos qualificados. Estaremos transferindo valor, capital intelectual e receita tributária para fora — por pura miopia regulatória.
O debate, entretanto, ainda está em aberto. É essencial que as vozes dos usuários, dos especialistas e dos agentes sérios do mercado sejam ouvidas. A escolha que o Brasil fará não é apenas sobre como tratar stablecoins — é sobre que tipo de relação deseja construir com a nova economia digital.
Stablecoins são mais do que instrumentos estáveis: são um vetor de autonomia em um sistema que sempre favoreceu os intermediários. E proibir a autocustódia é, simbolicamente, o equivalente a tentar erguer um muro em pleno oceano — uma tentativa inútil de conter o que não pode ser contido, que apenas nos isola do mundo e nos afasta do futuro.
*Guilherme Sacamone é Country Manager da OKX no Brasil, uma das principais exchanges globais de criptomoedas e empresas de tecnologia on-chain. Com vasta experiência em desenvolvimento de negócios, já trabalhou em empresas como Meta e Crypto.com.
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Fonte: Exame