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Sem Cristina Kirchner, política argentina recalibra forças

Sem Cristina Kirchner, política argentina recalibra forças

A sentença da Corte Suprema de Justiça da Argentina que confirmou a condenação da ex-presidente Cristina Kirchner a seis anos de prisão — em seu caso, por ter 72 anos, domiciliar — deverá radicalizar o cenário político e eleitoral do país, num ano em que o governo do presidente Javier Milei enfrentará eleições legislativas decisivas para seu futuro. Essa radicalização, apontaram analistas locais, deverá ser muito forte em matéria discursiva, com peronistas e kirchneristas lançando uma campanha para denunciar uma suposta perseguição política. Já o governo Milei, que celebrou o destino de Cristina, deverá endurecer sua posição antikirchnerista, com novas estratégias.

Sem Cristina em campo, a expectativa é de que peronistas e kirchneristas resolvam suas diferenças e atuem unidos contra o governo, que, por sua vez, deverá recalibrar sua narrativa antikirchnerista. A ex-presidente não será uma rival nas urnas, mas, sim, uma figura que o kirchnerismo já transformou em mártir e usará intensivamente nas campanhas de seus candidatos.

A épica de kirchneristas e peronistas se somará ao desgaste da sociedade em relação ao ajuste econômico implementado por Milei, que no primeiro trimestre do ano chegou a perder em torno de dez pontos percentuais de apoio, caindo para cerca de 45%, mas conseguiu recuperar parte dessa perda após selar um acordo com o Fundo Monetário Internacional ( FMI). A grande sorte do presidente, diz o analista Diego Reynoso, professor da Universidade San Andrés, “é que a metade da Argentina que está contra o presidente está profundamente fragmentada e sem lideranças”.

“O partido governista A Liberdade Avança (LLA, na sigla em espanhol) continua sendo favorito para todos os pleitos previstos nos próximos meses. O kirchnerismo já lançou uma campanha de vitimização de Cristina e buscará criar algo similar ao que aconteceu com Lula no Brasil, mas não está claro se isso terá impacto eleitoral”, explica Reynoso.

Para o analista, “tampouco está claro como Milei se posicionará agora que Cristina estará presa”.

“Quando venceu a eleição para vereadores na capital federal, o governo usou o discurso de ser o verdadeiro rival do kirchnerismo. Mas e agora, com Cristina presa? Isso precisará ser reavaliado”, aponta.

Líder inquestionável

Funcionários importantes do governo argentino, entre eles a ministra da Segurança, Patricia Bullrich, admitiram que Cristina continuará tendo peso político, embora não participe em eleições.

“Cristina sempre terá um papel político, talvez mais forte do que sendo candidata — declarou Bullrich, eterna rival da ex-presidente.”

Mas ainda existem muitas dúvidas no país sobre o futuro de Cristina — e de Milei sem a ex-presidente como sua principal adversária. Os dois lados em disputa devem radicalizar seus discursos, mas essa atitude, admitem analistas locais, poderia aumentar ainda mais o nível de abstenção que tem sido registrado em eleições locais, em torno de 50%. Menos eleitores participando dos pleitos legislativos poderia prejudicar os dois lados. Quem sairá perdendo mais é uma grande dúvida que paira sobre o país.

O que fará o kirchnerismo está claro: instalar uma campanha de vitimização da ex-presidente e de todo o seu movimento político. Cristina passará a ser uma líder que internamente ninguém se atreverá a questionar, o que dará mais coesão ao kirchnerismo. O problema de peronistas e kirchneristas é que os votos perdidos nos últimos anos, em grande medida pelo fracasso de seus governos, são difíceis de recuperar. A aposta é atacar o ajuste de Milei, sobretudo em saúde e educação.

De fato, existe um esgotamento social em relação à serra elétrica do presidente, no entanto, asseguram analistas locais, Milei ainda tem entre 45% e 49% de aprovação.

“Num cenário mais radicalizado, veremos como a sociedade, que vem apoiando Milei de forma ainda expressiva, vai reagir”, diz Carlos Fara, diretor da Fara e Associados.

Para ele, “o governo deverá prestar mais atenção a esse esgotamento social”.

“Milei está bem posicionado para as eleições, mas surgem novos desafios pela frente. É preciso recalibrar e ter cautela”, aponta Fara.

O fator Cristina continua sendo importante do ponto de vista político e também econômico. Se o kirchnerismo unido ao peronismo conseguir ressurgir das cinzas e fazer uma boa eleição legislativa em outubro, as dúvidas de investidores, organismos internacionais e setor privado voltarão a surgir e poderiam complicar o futuro de Milei. A ex-presidente estará presa, mas não muda, e promete se tornar a chefe de campanha do principal movimento opositor ao governo. Os demais partidos críticos de Milei não têm a força de peronistas e kirchneristas juntos, liderados por Cristina.

Busca de nova estratégia

A ex-presidente poderá atuar nas redes sociais, enviar mensagens a seguidores e organizar a tropa peronista e kirchnerista de casa. Sua centralidade na campanha é dada como certa, e Milei deverá armar uma nova estratégia contra ela. Dizer que quer acabar politicamente com Cristina não funcionará mais.

“O peronismo vai jogar com a imagem da perseguição política, mas vejo difícil que isso renda votos. Vejo mais riscos para o presidente a médio e longo prazo”, afirma Ignácio Labaqui, da Universidade Católica Argentina, acrescentando: “Se a situação econômica se estabilizar e o peronismo e o kirchnerismo se reorganizarem, Milei poderá ter problemas no futuro. As pessoas começarão a ter outras prioridades, a ser mais exigentes, e os adversários do presidente poderão ganhar força”.

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Fonte: InfoMoney

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