Na primeira reunião de chanceleres do Brics após a ampliação do bloco, agora com 11 países, não conseguiu chegar a uma declaração conjunta, nesta terça-feira (29), mas a presidência brasileira obteve acordo para um comunicado com críticas à guerra tarifária e também a medidas ambientais que afetam diretamente o Brasil.
“Os ministros expressaram sérias preocupações com o aumento de medidas protecionistas unilaterais injustificadas, inconsistentes com as regras da OMC, incluindo o aumento indiscriminado de medidas tarifárias e não tarifárias e o uso abusivo de políticas verdes para fins protecionistas. Eles alertaram que essas medidas causam perturbações na cadeia de suprimentos global e trazem mais incerteza para a economia global”, diz o texto final.
A declaração não cita especificamente os Estados Unidos como responsáveis pela guerra tarifária e nem a União Europeia pelas medidas ambientais. Segundo uma fonte diplomática brasileira, a China, afetada diretamente por tarifas norte-americanas que chegam a 145%, tentou emplacar uma menção direta aos EUA e um texto mais duro, mas não houve acordo nesse sentido.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, disse que houve um consenso entre todos os países “expresso na declaração”. O consenso, no entanto, não se expressou em todos os temas tratados pelos chanceleres, o que impediu que o documento fosse uma declaração conjunta. Uma declaração da presidência está um nível abaixo e acontece quando um ou mais países do grupo não concordam com partes do texto final.
Nesse caso, a disputa surgiu em um ponto considerado essencial para o Brasil, a defesa da reforma do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Há consenso no bloco sobre a necessidade de mudanças, mas a entrada de novos membros no Brics trouxe para dentro do grupo disputas regionais.
Formado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o Brics incluiu em 2023 e 2024 seis novos membros: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Indonésia, Egito, Etiópia e Irã. O acordo alcançado no ano passado pelo bloco para defender Brasil, Índia e África do Sul como candidatos a vagas permanentes em um Conselho reformado caiu por terra, com Egito e Etiópia questionando o que era visto no bloco como uma candidatura natural da África do Sul.
O impasse reflete a nova estrutura do grupo, com novos membros que têm pontos de vista concorrentes em diferentes questões — neste caso, disse a fonte diplomática à Reuters, os países africanos se recusam a aceitar a inclusão da África do Sul como um dos nomes do Brics em um Conselho reformado.
“A expansão tem seus custos. É claro que temos que trabalhar mais para chegar a um consenso. Mas, ao mesmo tempo, um grupo ampliado tem mais poder, mais recursos, mais espaço para cooperação”, disse a fonte diplomática.
O fracasso em se chegar a uma declaração conjunta não era esperado, admitiu a fonte, mas há espaço para trabalhar em um texto de consenso até julho, quando os presidentes dos países do bloco se reúnem para a cúpula dos Brics, também no Rio de Janeiro.
A questão principal, defendem os diplomatas brasileiros, foi abordada, especialmente a que trata das barreiras comerciais “injustificadas” citadas na declaração.
“Medidas unilaterais vêm de vários lados. Acho que sabemos que há uma fonte principal, mas o principal para o Brics é garantir que o sistema de comércio multilateral não se desfaça completamente”, disse a fonte. “Nosso objetivo não é retórico, condenar os Estados Unidos, é simplesmente manter o sistema de comércio multilateral vivo.”
A visão dos diplomatas brasileiros é que a reunião de chanceleres, que prepara o caminho para a declaração presidencial, foi capaz de avançar em temas-chave.
“Estamos trabalhando paras compatibilizar todas as necessidades para declaração final do grupo”, disse Mauro Vieira na entrevista que encerrou a reunião.
Outro ponto da declaração foi a defesa do uso de moedas locais para ampliar o comércio, algo que vem sendo discutido nas cúpulas e se torna mais premente diante das dificuldades do comércio global nesse momento.
Como mostrou a Reuters em fevereiro, o bloco busca maneiras de ampliar o comércio entre os países e diminuir a dependência do dólar, usando moedas locais e outras formas de reduzir os custos das transações.
As medidas não incluem a criação de uma moeda única do bloco, como chegou a circular e acabou tornando o Brics alvo de ameaças de ainda mais tarifas por parte de Trump.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Reunião do Brics no Rio termina sem acordo sobre declaração conjunta no site CNN Brasil.
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