“Sempre tive um ótimo relacionamento com Vladimir Putin, da Rússia, mas algo aconteceu com ele. Ele ficou completamente LOUCO!”, escreveu, no domingo, o presidente dos EUA, Donald Trump, em sua rede social. Horas antes, a Rússia havia lançado um dos maiores ataques com drones contra a Ucrânia desde o início da guerra: foram 367 drones e mísseis, que deixaram 13 mortos. Na mensagem, ele ainda afirma que Putin quer conquistar “toda a Ucrânia”, e que se isso acontecer, levaria “à queda da Rússia”.
Alguns líderes, como o presidente francês, Emmanuel Macron, viram na postagem no Truth Social traços de uma epifania trumpista sobre o conflito que se arrasta desde fevereiro de 2022: a jornalistas, disse esperar que a “indignação” leve a Casa Branca a adotar medidas como “um pacote de sanções completamente diferente e muito mais massivo.
Para os russos, soou como mais do mesmo, e como uma oportunidade para debochar, ao estilo da diplomacia local, do líder da maior potência militar do planeta.
— O início do processo de negociação, para o qual o lado americano tem se esforçado muito, é uma conquista muito importante — disse aos jornalistas o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. — É claro que, ao mesmo tempo, este é um momento muito importante, que está associado a uma sobrecarga emocional para absolutamente todos e a reações emocionais.
Desde seu retorno à Casa Branca, essa foi a sexta vez em que Trump reclama da demora para a resolução de uma guerra que, mesmo antes de ser eleito, ele prometia acabar em até 24 horas. Em março, por exemplo, ele disse estar “muito bravo” e “puto” com a recusa de Putin em aceitar um cessar-fogo incondicional de 30 dias.
— Os dois estão vivendo um uma dinâmica de relativo estresse. Trump espera que Putin dê um passo adiante, e o Putin não dá. E isso de vez em quando acaba levando a esses momentos, como o comentário de Trump no Truth Social — disse ao GLOBO Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). — O próprio Trump já deu a entender que a paz passa obrigatoriamente pela renúncia por parte da Ucrânia dos territórios ocupados pela Rússia. Então, isso vai ao encontro do que do que o Putin pensa.
No mês passado, disse que “não estava nada feliz” com os novos ataques russos contra Kiev, e fez um pedido: ”Vladimir, PARE”. No domingo, pouco antes de publicar suas queixas no Truth Social, confidenciou a repórteres que “não sabia o que diabo aconteceu com Putin”.
A resposta à indagação é simples: nada aconteceu com Putin. Ele mantém, com algumas adequações, os mesmos objetivos do dia em que lançou a maior operação militar em solo europeu desde a Segunda Guerra Mundial, como barrar a entrada da Ucrânia na Otan e torná-la um país neutro, manter as áreas conquistadas e obter um novo governo (mais afável) em Kiev.
— Putin ganha tempo e se aproveita de uma certa boa vontade de Trump, sabendo que Trump o respeita e o admira. Então, quando o Trump, chama Putin de “louco”, Putin dá risada porque sabe que isso não influencia na relação entre ambos — diz Velasco, se referindo às numerosas declarações elogiosas ao líder russo feitas por Trump.
Trump tampouco parece ter mudado. As críticas a Putin mais uma vez acompanharam ameaças vagas de sanções, como querem seus aliados europeus, sem qualquer indício de que se tornarão reais. A impaciência, demonstrada na publicação no Truth Social, também é dirigida ao líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, com quem nutre uma relação marcada mais pelos baixos do que pelos altos. E o pouco apreço ao papel dos EUA na segurança coletiva europeia é um lembrete sombrio ao continente de que o apoio de Washington não é mais 100% garantido.
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Se há algo diferente agora é a constatação pública de que os russos entendem que o risco de uma retaliação da Casa Branca à ofensiva na Ucrânia é próximo a zero. Ao sugerir que o líder americano sofre de uma “sobrecarga emocional”, o Kremlin diz ao mundo que o vê não como uma ameaça a seus planos na Ucrânia, mas sim como um “tigre de papel” — ameaçador, porém inofensivo —, de quem tentará extrair a maior quantidade possível de vantagens, não apenas no campo de batalha.
— Putin tem uma posição confortável nessa negociação, mesmo a guerra sendo custosa para Rússia, com todas as sanções — opina Velasco. — Putin não está desesperado, e acha que tendo em vista a necessidade que o Trump tem de contar com sua boa vontade para encerrar o conflito, ele acha que pode barganhar alguma vantagem a mais.
Um risco que surgiu nos últimos dias foi um projeto no Senado dos EUA, apoiado pelos dois partidos, que prevê sanções a Moscou, mas ainda não se sabe a posição de Trump.
Mas há um fator que precisa ser levado em conta: a imprevisibilidade do governo Trump 2.0. No Oriente Médio, o líder americano tomou decisões, como negociar com o Hamas e os houthis do Iêmen, sem consultar Israel. O tarifaço global abalou os pilares econômicos mundiais, mas também viu idas e vindas de Washington. Se Trump perceber que Putin não tem mais nada a lhe oferecer, ou se vir vantagens em sanções mais agressivas contra Moscou, uma reviravolta estaria apenas a um post no Truth Social de distância.
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Fonte: InfoMoney