Com a morte do Papa Francisco, a Igreja Católica inicia uma nova etapa de sua história em meio a grandes tensões internas e profundas transformações globais. O próximo pontífice herdará uma instituição polarizada, marcada por disputas entre conservadores e progressistas, e precisará encontrar caminhos para a reunificação sem abrir mão do legado de abertura deixado por Francisco.
Além disso, terá o desafio de equilibrar a continuidade das reformas internas — como a inclusão de mulheres em cargos de liderança — com a necessidade de manter a credibilidade diante das crescentes denúncias de abusos e da perda de fiéis em regiões tradicionais.
No cenário externo, a missão será igualmente complexa. O novo Papa terá que reafirmar a presença moral católica diante das grandes crises globais, como guerras, migrações forçadas e mudanças climáticas, enquanto responde às pressões para adotar um perfil mais conservador.
Mais do que nunca, o pontífice precisará manter um delicado equilíbrio entre a liderança espiritual e a atuação política, sem perder a capacidade de dialogar com um mundo cada vez mais dividido.
“O Papa é chamado a ser a voz do Evangelho no meio de um mundo que grita por justiça, paz e esperança. Silenciar-se diante disso seria trair a sua missão”, diz Frei David Santos, diretor executivo da EDUCAFRO Brasil.
A seguir, veja os 6 principais desafios do próximo Papa, segundo pesquisadores e membros da Igreja.
Reunificar uma Igreja polarizada
Um dos maiores desafios será sanar as divisões internas que se acirraram durante o pontificado de Francisco. A professora de Antropologia da Religião da Unicamp, Brenda Carranza, explica:
“Me parece que o maior desafio que o futuro Papa vai enfrentar é pacificar internamente a Igreja, no que pode ser entendido como uma polarização entre conservadores e ultraconservadores e progressistas.”
Carranza destaca que a pacificação só poderá ocorrer a partir da eleição de uma figura moderada, capaz de dialogar com as 4 tendências internas do catolicismo:
- Burocrático-diplomática: Representada por perfis administrativos que conhecem profundamente a cúria romana, como o cardeal Pietro Parolin.
- Ultraconservadora: Um grupo forte, alinhado a setores ricos e influentes, que defende uma volta a práticas pré-Concílio Vaticano II.
- Progressista ligada ao legado de Francisco: Com nomes como o cardeal Leonardo Steiner (Manaus) e o cardeal Sérgio da Rocha (Salvador), comprometidos com pautas como a ecologia integral e os direitos indígenas.
- Grupo emergente do mundo asiático: Com destaque para o cardeal Luis Antonio Tagle, das Filipinas, símbolo da expansão do catolicismo na Ásia e do diálogo com a China.
“Essas quatro tendências precisam ser contempladas. O grande desafio será encontrar um perfil que consiga fazer uma média entre forças tão distintas”, diz.
Lidar com a expectativa de um Papa mais conservador
Segundo Vinícius Vieira, professor de Relações Internacionais da FAAP e da FGV, existe uma expectativa de que o próximo Papa adote uma postura mais conservadora.
“Depois de um papado em que houve claras tentativas de reforma e aproximação do povo, podemos esperar uma volta desse pêndulo para um perfil mais conservador, mesmo que o novo Papa venha do Sul global”, afirma Vieira
Vieira observa ainda que a tendência política mundial mais inclinada à direita poderá influenciar o novo pontífice a adotar um tom mais espiritual e menos engajado em debates políticos como meio ambiente e economia.
Reconectar a Igreja com o mundo moderno
A queda no número de fiéis na Europa e nas Américas, aliada ao crescimento do catolicismo na África e na Ásia, também exigirá atenção, de acordo com Paulo Raphael Oliv. Andrade, professor de Filosofia e Teologia da PUC-SP.
“O desafio interno é como anunciar o Evangelho para pessoas que estão menos sensíveis aos apelos espirituais. E isso envolve transmitir a mensagem cristã sem ceder às pressões de diluição ideológica”, afirma.
Para Frei David Santos, diretor executivo da EDUCAFRO Brasil, o diferencial do Papa Francisco foi levar a palavra para todos.
“Francisco pregava o Evangelho para o mundo inteiro, não apenas para os católicos”, afirma. “O próximo Papa terá o desafio de levar e viver os ensinamentos de Cristo, assim como fazer bispos e padres viverem o Evangelho com mais plenitude, atualizando-o para os dias de hoje.”
Continuar reformas como mais mulheres no Vaticano e intolerância aos abusos
As mudanças administrativas promovidas por Francisco, como a maior inclusão de mulheres em postos de liderança no Vaticano, também estarão na mesa do próximo Papa.
“Esse vai ser um desafio delicado. Hoje há espaço para mulheres na administração do Vaticano, e como isso será tratado pela nova liderança será crucial,” conta Vieira.
Além disso, temas como a continuidade das políticas de tolerância zero contra abusos e a renovação da Cúria Romana também exigirão atenção cuidadosa.
Se posicionar frente aos desafios globais: guerras, migrações e mudanças climáticas
Embora exista pressão para que o novo pontífice priorize questões espirituais, ele não poderá se omitir em relação a grandes crises globais, especialmente os conflitos armados.
“Não espere um Papa silencioso em relação a conflitos, principalmente as guerras, porque, como um líder religioso, ele sempre será favorável à paz”, diz Vieira.
Para Carranza, da Unicamp, o futuro pontífice precisará ter capacidade de diálogo internacional.
“O próximo Papa precisará transitar bem em instâncias multilaterais e continuar a tradição de se posicionar frente aos grandes desafios globais, como a migração, os refugiados, as mudanças climáticas e os conflitos armados”, afirma.
O Frei David também lembra que o Papa tem como dever falar abertamente sobre o que está errado no mundo.
“O Papa Francisco falava abertamente quando o presidente Trump cometia um erro ou quando os países europeus estavam fechando suas portas para os imigrantes. Ele apontava para um mundo melhor a partir do evangelho de Jesus Cristo, e é isso que esperamos do próximo Papa”, diz.
Espiritualidade sem neutralidade
Sobre a postura política do futuro Papa, os especialistas são unânimes: é impossível a neutralidade total.
Para Andrade, professor de teologia, um Papa não possui uma postura neutra.
“O Papa deve manter uma postura espiritual, mas jamais neutra. Ele se posiciona sempre com base em valores evangélicos, sem partidarismos, mas com clareza nas questões essenciais”, afirma.
A antropóloga Carranza também defende o mesmo pensamento.
“Todo Papa tem que se posicionar em questões políticas porque ele é chefe de Estado. Se adotar uma postura neutra, sua voz se apaga no cenário internacional”, diz. “Não tem como fugir. Calar ou falar já é uma postura política.”
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