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Presidente do IBP defende que setor de petróleo deve ser aliado da transição energética

“A transição energética não significa abandonar o petróleo de uma vez, ainda vamos precisar dele por décadas. O setor terá um papel importante na descarbonização. Nós somos parte da solução”, disse em entrevista exclusiva à EXAME, Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP).

Ex-diplomata brasileiro com mais de 30 anos de experiência em relações governamentais e temas relacionados à indústria, o executivo também foi diretor de relacionamento institucional e sustentabilidade da Petrobras e desde maio de 2022, está à frente do IBP, principal organização do setor.

Enquanto o mundo mira a expansão de renováveis e o abandono dos combustíveis fósseis, Roberto é incisivo ao defender que a transição não é um confronto de setores e sim um processo gradual de “evolução” — e que irá depender da indústria petrolífera.

“Vamos precisar do petróleo por muitos anos ainda, seja para as petroquímicas, produção de fertilizantes, ou para atender a demanda crescente de energia ao fornecer fontes mais limpas e eficientes”, destacou.

“Não se trata de uma corrida de 100 metros, mas sim uma maratona”, reiterou.

Demanda energética cresce

Um estudo recente realizado pela consultoria Catavento em parceria com o IBP e o Instituto Clima e Sociedade (ICs) reforça o papel do petróleo e gás na transição energética, ressaltando que a coexistência dessas fontes com energias renováveis é fundamental para atender ao aumento projetado de 24% no consumo global de energia até 2050.

No Brasil, onde as emissões desta indústria representam 13% do total nacional, estão previstos investimentos de US$ 173 bilhões (R$ 865 bilhões) entre 2024 e 2033, que devem gerar cerca de 400 mil empregos e US$ 55 bilhões anuais (R$ 275 bilhões) em participações governamentais, segundo a análise.

Além disso, são identificados cinco sistemas essenciais para a descarbonização global: redução de emissões de metano, eliminação da queima não emergencial, eletrificação de instalações, implementação de tecnologias de captura de carbono e expansão do uso de hidrogênio de baixa emissão em refinarias. 

Brasil na liderança

Segundo Ardenghy, o setor pode ser um aliado importante na economia verde, oferecendo soluções e tecnologias como o hidrogênio, a captura e reinjeção de carbono e energia eólica offshore com plataformas em alto-mar.

Neste cenário, o presidente destaca a liderança do Brasil na tecnologia de produção de petróleo, especialmente em águas profundas, e a necessidade de explorar novas reservas para garantir sua segurança energética. “Precisamos de uma narrativa mais equilibrada, o setor faz parte da solução e não pode ser visto como vilão”, complementou.

Rumo à Conferência de Mudanças Climáticas da ONU (COP30) em Belém do Pará, em novembro deste ano, Roberto diz que esta indústria pode contribuir com um financiamento robusto, já que têm os recursos necessários para o combate à crise climática. 

A seguir, confira a entrevista completa

Pergunta: Como o setor de petróleo e gás faz parte da transição energética e evoluiu nos últimos anos? 

Roberto Ardenghy: Há duas ideias principais quando falamos sobre transição energética. Primeiro, não é uma disputa entre setores — como Flamengo e Fluminense. Não existem ganhadores e perdedores. O que veremos é um empilhamento de soluções, algumas mais carbonizadas, outras menos.

Algumas são novas e outras são soluções já existentes em outros setores. Aqui no IBP, preferimos usar o conceito de evolução energética, pois acreditamos que as energias evoluem, e até o carvão está se aprimorando. Tudo isso é impulsionado pela inovação e tecnologia.

O segundo ponto é que isso não é uma corrida de 100 metros, é uma maratona. A transição vai ocorrer de forma gradual e organizada, porque senão traria consequências graves, como a falta de segurança energética e a geração de pobreza energética para muitos países.

E o terceiro ponto importante é que cada país, e até mesmo cada região do Brasil, terá sua própria transição energética.

O que se aplica à Alemanha, Noruega, Rússia, China ou Índia, nem sempre é válido para o Brasil, Argentina ou Estados Unidos. Isso torna o processo muito complexo.

Criamos uma sociedade sustentada no petróleo, gás e carvão ao longo dos últimos 250 anos, desde a Revolução Industrial. Não podemos substituir do dia para a noite, pois muitas das fontes alternativas não têm a mesma eficiência, disponibilidade e segurança que o petróleo e gás, especialmente em países como China e Índia, onde o carvão ainda representa grande parte da matriz energética.

Pergunta: No caso do petróleo e carvão, como podem ser aliados na descarbonização?

Roberto Ardenghy: O setor de petróleo e gás tem grande expertise em várias tecnologias. Por exemplo, o hidrogênio, que é utilizado nas refinarias há mais de 100 anos.

Embora seja um hidrogênio “marrom” (gerado a partir de fontes fósseis), o setor tem grande capacidade em sua produção, transporte e armazenamento.

Também temos experiência na produção de energia eólica offshore, captura e reinjeção de CO2 e até geotermia, que não envolve a exploração de petróleo, mas sim a busca por fontes de calor subterrâneas. Ou seja, o setor pode contribuir significativamente para as energias renováveis.

Vale lembrar que o petróleo ainda representa 80% da energia consumida no mundo. O Brasil, por exemplo, depende do petróleo para 43% de sua matriz energética.

Mesmo com o crescimento das renováveis, o petróleo continuará sendo necessário, especialmente para a indústria petroquímica e a produção de fertilizantes.

O Brasil é líder em tecnologia, especialmente em águas profundas, e devemos manter nossa posição de destaque nesse setor, sempre com foco na descarbonização.

Pergunta: Mas tem como substituir o hidrogênio marrom do petróleo pelo verde?

Roberto Ardenghy: O hidrogênio verde ainda está sem escala. Ele é produzido a partir de fontes renováveis, como energia solar e eólica. O grande desafio é o custo da energia.

Se não encontrarmos uma fonte de energia renovável com preço competitivo, o hidrogênio verde não será uma alternativa viável frente aos outros.

No Brasil, temos uma grande oportunidade de usar a energia eólica offshore para alimentar refinarias e produzir biocombustíveis e hidrogênio verde de forma mais competitiva.

Pergunta: O que mais o setor de petróleo e gás pode fazer para contribuir com a transição para uma economia de baixo carbono? 

Roberto Ardenghy: O Brasil tem uma condição privilegiada, com grande produção de óleo vegetal. Podemos transformar nossas refinarias em biorrefinarias, utilizando óleo de soja, por exemplo, para produzir diesel verde e, eventualmente, SAF (combustível sustentável de aviação).

A Petrobras já começou testes na refinaria Repar, no Paraná, e pretende expandir isso para outras. Além disso, estamos desenvolvendo a “tecnologia HISEP”, que permite reduzir o consumo de energia nas plataformas offshore, diminuindo significativamente as emissões de CO2.

Pergunta: Como você avalia a exploração de petróleo na Foz do Amazonas?

Roberto Ardenghy: O estudo da EPE mostra que, até 2033, o petróleo do pré-sal entrará em fase de amadurecimento, o que significa uma redução na produção.

Precisamos explorar novas reservas, como a Foz do Amazonas, ou o Brasil começará a importar petróleo.

A exploração nessa região tem um caráter exploratório, e pode ser que não encontremos nada lá. Porém, é uma possibilidade que devemos avaliar, pois, sem novas reservas, o Brasil ficará dependente de importações.

Pergunta: Mas você acredita que a exploração de petróleo da Foz do Amazonas é realmente essencial, mesmo com todos os possíveis impactos ambientais? 

Roberto Ardenghy: Sim, precisamos buscar novas reservas. A produção do pré-sal não será suficiente a longo prazo, e o Brasil corre o risco de começar a importar petróleo, o que não é desejável. A demanda global por energia continua crescendo, e o país deve se posicionar para atender a essa demanda de maneira sustentável.

Pergunta: Qual o posicionamento do IBAMA no processo de exploração da foz do Amazonas?

Roberto Ardenghy: O licenciamento ambiental é um processo com vários requisitos. A Petrobras cumpriu todos, até construiu um hospital veterinário na comunidade de Oiapoque. Estamos aguardando a decisão final. O Ibama deve verificar se há novas exigências, mas não vejo mais obstáculos.

Entrevistador: E quanto tempo leva essa decisão?

Roberto Ardenghy: Não é possível prever, pois depende do Ibama, mas todos os requisitos foram cumpridos. A Petrobras tem muita experiência e segurança.

Pergunta: O que o setor de petróleo e gás levará à COP30, em Belém do Pará?

Roberto Ardenghy: Vamos levar três temas: primeiro, a criação de um fundo específico para combater as emissões derivadas do uso inadequado da terra no Brasil — que responde por 48,3% das emissões.

Segundo, o trabalho de transição energética, com uma análise sobre os países mais preparados para avançar nesse processo. E terceiro, as tecnologias, mostrando que o petróleo descarbonizado será essencial para a transição energética global.

A indústria de petróleo tem recursos para ajudar a financiar a transição energética.

No caso do fundo, o setor é capaz de prover o financiamento climático de 1,3 trilhão de dólares. As empresas de petróleo podem ser uma das principais fontes e poderiam contribuir no processo.

Pergunta: Como as políticas internacionais, como as do novo governo Trump, afetam o setor de energia?

Roberto Ardenghy: O Brasil tem uma posição confortável. Somos exportadores de petróleo até para os Estados Unidos, que é o terceiro maior mercado. Não há impacto direto, pois o Brasil foi exceção na tarifa de 10% sobre petróleo. Vamos continuar vendendo normalmente.

Pergunta: E em relação ao etanol?

Roberto Ardenghy: Também exportamos etanol para os EUA, mas em volumes menores. O impacto é mínimo.

Pergunta: Qual é o papel do setor de petróleo para o agronegócio?

Roberto Ardenghy: O agro depende do petróleo, principalmente para fertilizantes. A produção de diesel, por exemplo, está diretamente ligada ao calendário agrícola.

Pergunta: Para finalizar, quais são os maiores desafios do setor de petróleo e gás?

Roberto Ardenghy: O maior desafio é a narrativa. Precisamos explicar a transição energética de forma clara, especialmente para quem demoniza o setor.

O debate sobre o petróleo precisa ser mais equilibrado. No IBP, criamos o site “Além da Superfície” para promover um entendimento técnico sobre esses temas. O mundo está muito polarizado, e as pessoas veem tudo como “bom ou ruim”. Ao final, quem vai entender as vantagens disso tudo é a sociedade.

O planeta hoje consome muita energia, e a tendência é que a demanda aumente com o crescimento econômico. As tecnologias precisam avançar, mas o consumo energético continuará crescendo.

O papel das empresas de petróleo é crucial para a transição energética. Elas precisam ser parte da solução, não vistas apenas como parte do problema.

Fonte: Exame

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