A domesticação de cães e gatos causou transformações impressionantes nas características dessas espécies.
Um estudo recente conduzido pela bióloga evolucionista Abby Grace Drake e seus colegas revela uma curiosa semelhança entre raças distantes como os gatos persas e os pugs, que compartilham uma estrutura craniana surpreendentemente parecida.
A pesquisa, que analisou 1.810 crânios de felinos, canídeos e seus parentes selvagens, ilustra como a seleção humana pode gerar características semelhantes em espécies que, à primeira vista, não têm nada em comum.
A divergência, um processo evolutivo natural, normalmente leva organismos com ancestrais comuns a se tornarem cada vez mais diferentes ao longo do tempo. No entanto, em casos como o dos cães e gatos domésticos, ocorre a convergência evolutiva — um fenômeno onde espécies não relacionadas desenvolvem características semelhantes devido a pressões ambientais ou, como nesse caso, à intervenção humana.
O estudo demonstrou que a domesticação ampliou a diversidade nas formas dos crânios das espécies, mas também convergiu algumas raças de cães e gatos para um mesmo padrão de faces achatadas ou alongadas. Essa tendência pode ser vista tanto nos cães de focinho curto, como os pugs, quanto nas raças de gatos persas, que possuem um crânio bastante similar, apesar de sua origem evolutiva distinta.
De acordo com os pesquisadores, a seleção seletiva feita pelos humanos para realçar certas características, como o focinho achatado ou a cabeça arredondada, tem levado a um número crescente de raças que compartilham características físicas semelhantes, independentemente de sua separação evolutiva.
Embora isso tenha criado novos tipos de animais de estimação com apelo visual, também trouxe graves problemas de saúde.
Impactos na saúde dos animais de estimação
A preferência humana por animais com características infantis, como olhos grandes e focinhos achatados, pode ser explicada pelo fato de que, assim como os bebês humanos, esses traços instigam uma resposta protetora.
O fenômeno é conhecido como “releasers sociais”, que são sinais visuais que estimulam os instintos de cuidado dos adultos, um mecanismo evoluído para garantir que filhotes humanos, que nascem dependentes de cuidados, sejam amparados.
No entanto, essa busca por características fofas e juvenis resultou em uma série de complicações de saúde para esses animais.
Problemas respiratórios, condições neurológicas e dificuldades de parto estão entre as questões mais comuns observadas em raças que passaram por modificações extremas, como os gatos persas e os pugs.
De acordo com o comitê de Bem-Estar Animal do Reino Unido, esses problemas não são apenas uma preocupação estética, mas um desafio real para a qualidade de vida dos animais.
O relatório divulgado em 2024 sugere que raças com problemas hereditários graves não devem mais ser usadas para reprodução e pede regulamentações mais rigorosas sobre criadores, para evitar que essas condições prejudiciais sejam perpetuadas. A insistência humana em selecionar características físicas pode, assim, levar a uma saúde debilitada para milhões de animais de estimação.
O dilema da evolução artificial
Ao longo de sua história evolutiva, cães e gatos divergiram significativamente de seus ancestrais selvagens. No entanto, a intervenção humana acelerou o processo de seleção, levando até mesmo espécies distantes a se tornarem semelhantes em características físicas.
Isso demonstra como a artificialidade da seleção pode rapidamente desfazer milhões de anos de evolução natural, criando animais que são, ao mesmo tempo, mais vulneráveis.
Em sua busca por companheiros com características que se assemelham aos bebês humanos, a sociedade talvez tenha inadvertidamente selecionado para os animais de estimação características que, em última análise, prejudicam sua saúde.
A pesquisa de Drake e seus colegas serve como um lembrete de que, como especiadores de outras formas de vida, os seres humanos têm um papel poderosíssimo e, por vezes, prejudicial na direção em que as espécies evoluem.
Fonte: Exame