Em meio a um cenário global marcado por guerras, inflação e incertezas políticas, Cláudio Andrade, sócio fundador da gestora Polo Capital, acredita que é preciso olhar além dos ruídos e identificar os sinais realmente relevantes para o investidor de longo prazo. Para ele, a guerra comercial entre Estados Unidos e China é o evento mais importante da atualidade — não por seus contornos imediatos, mas pelas transformações estruturais que provoca nas duas maiores economias do planeta.
“Daqui a 10 anos, quando olharmos para trás, vamos ver que o mais importante era essa encruzilhada entre as dinâmicas internas dos EUA e da China, e não conflitos como o do Oriente Médio”, afirmou Andrade, durante sua participação no programa Stock Pickers, comandado pelo especialista da XP, Lucas Colazzo. Segundo o gestor, temas como a escalada entre Israel e Irã ou o risco do petróleo subir para US$ 110 o barril não alteram significativamente a trajetória global da economia, ao contrário do que ocorreu na década de 1970.
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Reequilíbrio da China
Na visão de Andrade, o principal desafio da China é reequilibrar sua economia. Atualmente, o país asiático tem 40% do seu PIB sustentado por investimentos, contra apenas 40% de consumo privado — uma distorção quando comparada à média global de 60% de consumo. “Nos EUA, esse número chega a 70%. Já na China, é como se o investimento continuasse inflando, mesmo com uma infraestrutura que já é de primeiro mundo”, disse.
Esse excesso de investimento traz retornos cada vez menores, segundo o gestor. “Construir a quarta faixa de uma estrada não gera o mesmo impacto que construir uma estrada do zero. O efeito marginal é muito pequeno”, explicou. Ele traçou ainda um paralelo com o Japão dos anos 70, que também teve que reequilibrar sua economia — processo que levou cerca de 40 anos.
Essa transição, no entanto, será lenta, sobretudo porque o presidente Xi Jinping, segundo Andrade, não dá sinais de priorizar o consumo interno. Em 2021, o líder chinês chegou a criticar o estado de bem-estar social e usou a América Latina como exemplo do que não fazer, ao associar programas de transferência de renda à criação de uma sociedade “preguiçosa”.
Exportação e guerra comercial
Diante das dificuldades para crescer via consumo, a China vem apostando fortemente nas exportações. Andrade observou que a presença de carros chineses no Brasil, por exemplo, aumentou exponencialmente na última década, impulsionada por preços competitivos e subsídios do governo. “A inflação na China é quase zero. Isso mostra um problema de demanda interna e um excesso de oferta. O governo está tentando resolver isso com exportações”, disse.
O foco chinês em aumentar sua presença nos mercados globais, porém, esbarra na resistência de países como os Estados Unidos — e é aí que o embate comercial ganha destaque. “A China está copiando o modelo que o Japão adotou décadas atrás: usar mão de obra barata para crescer via exportação. Mas os EUA não querem mais isso”, comentou Andrade, citando as pressões sobre o Japão nos anos 80, que resultaram na valorização do iene e no início da estagnação econômica japonesa.
Segundo ele, a China já estuda profundamente o que aconteceu com o Japão nesse período e tenta evitar os mesmos erros. “Eles não querem apreciar a moeda. Sabem que isso derruba o crescimento. Mas uma possibilidade real é o crescimento chinês cair de 5% para zero”, afirmou, minimizando o risco de uma crise social como consequência. “Assim como no Japão, isso pode ser uma transição pacífica”, disse.
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Fonte: InfoMoney