“Quero comunicar que, após reflexão, decidi deixar a liderança do Pro. Vou deixar de me preocupar com a política.”
Isso não foi dito pelo ex-presidente da Argentina, Mauricio Macri, mas sim por uma imagem dele gerada por inteligência artificial (IA). Foi mais um vídeo falso criado por um usuário libertário da rede social X e publicado na madrugada desta terça-feira por alguém identificado como “GordoEdicion”. Para tentar burlar os controles da rede de Elon Musk, escreveu um “esclarecimento” pouco elogioso, avisando que era um meme gerado por IA.
Os usuários libertários, seguidores da linha política do presidente Javier Milei, não se deixaram intimidar por denúncias judiciais e continuaram a publicar vídeos gerados com IA para prejudicar Macri. Milei e a Casa Rosada endossaram um vídeo prévio, publicado pouco antes das eleições regionais de Buenos Aires, no domingo. Agora, não está claro se a cúpula do governo seguirá apoiando esse modus operandi, ou se, por questões políticas, pedirá uma pausa estratégica.
O que ficou evidente foi que ninguém ficou escandalizado no entorno de Milei, e não houve grande preocupação com a ação movida pelo Pro na Justiça Eleitoral. Pelo contrário: o presidente disse que Macri “está gordo”, e que “não entende” como funciona a militância na arena digital.
Seu estrategista, Santiago Caputo, foi um dos que amplificou o alcance do primeiro vídeo de Macri no sábado, que anunciava a suposta desistência da candidata do Pro, Silvia Lospennato, horas antes da abertura das urnas. Ela ficou em terceiro lugar na votação.
Na Casa Rosada, ninguém se arrependeu, e alguns aliados de Milei dizem que ele foi vítima de uma “campanha suja” em sua trajetória até a Presidência. O presidente alega que foi atacado antes, citando a contratação pelo Pro de um consultor político espanhol identificado como o autor de uma “campanha de medo” contra ele.
O “fenômeno Milei” não pode ser explicado sem as redes sociais. Seus aliados digitais se veem como defensores da pureza do projeto e frequentam as plataformas muito antes do triunfo do Liberdade Avança. Há ainda que se notar que esse é um mecanismo que passou a ser comandado por pessoas que ganharam escritórios na Casa Rosada depois da vitória do libertário.
Caputo é o chefe do sistema, e antes de ser consultor de Milei (ou sequer conhecê-lo) era um usuário ativo do Twitter e, depois, do X, com contas anônimas usadas para criticar políticos com mensagens agressivas. Oficialmente um assessor do presidente, ele é o responsável pela estratégia de comunicação do governo e do partido de Milei. E tem a liberdade para determinar as linhas narrativas nas redes sociais libertárias.
Por isso, quando a conta associada a ele no X, “MileiEmperador” (algo que ele nunca reconheceu), publicou o primeiro video de Macri feito com IA, todos entenderam que era uma ação com o aval da cúpula do governo.
Abaixo de Caputo nem todos são iguais: alguns são “chefes” da estratégia das redes sociais. Outros trabalham na equipe digital dentro da Casa Rosada. Existem os “líderes de opinião” ou celebridades que, contando com um vasto número de seguidores, são chamados de “amigos da casa”. E há outras contas anônimas que replicam essas mensagens de forma incessante.
Agustín Romo, usuário ultraliberal do X e chefe da bancada do Liberdade Avança na Legislatura de Buenos Aires, é o diretor de comunicação do partido. Ele tem contato com muitas contas libertárias na rede, com capacidade de montar uma agenda de discussões. Com ele trabalha o diretor-geral de Comunicação Digital, Juan Pablo Carreira, escondido por trás do nome de usuário “John Doe” no X.
Oficialmente, Carreira está subordinado a Manuel Adorni, o porta-voz de Milei que foi eleito nas eleições regionais de domingo. De seu departamento saem os comunicados oficiais na conta da Presidência, assim como as linhas argumentativas que se espalham pelas redes de forma rápida.
Há uma outra equipe formalmente ligada à Casa Rosada e que circula pelo escritório de Caputo e de outros integrantes da equipe de comunicação — entre eles há alguns dos “amplificadores oficiais” libertários, todos identificados com uma cruz adornada colocada em suas lapelas e conhecidos como “As Forças do Céu”.
Já Daniel Parisini, amigo íntimo de Romo, é chamado de “ministro do X, mas não tem um cargo formal no governo e tampouco necessita de um. Ele é mais útil como formador de opinião e celebridade do YouTube, onde todas as noites apresenta um programa chamado “A Missa”. Ele é o principal representante das “Forças do Céu”, e diariamente se consulta com Caputo. Ele foi um dos que divulgaram o vídeo falso na véspera da eleição.
Por fim, há os “amigos da casa”, que têm um grande número de seguidores e que têm contato com a cúpula do governo. Um deles, Franco Buoniconto, conhecido como “El Buni”, foi um dos primeiros a divulgar o vídeo manipulado de Macri e aparece na denúncia feita pelo Pro ao lado de outros nove usuários pró-Milei. Em setembro do ano passado, ele esteve com Caputo na Casa Rosada.
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Fonte: InfoMoney