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O que falta para o Brasil ser uma potência militar? Especialistas explicam

Imagine um cenário em que o Brasil, com seu território continental, recursos naturais estratégicos e a maior população da América Latina, decide se tornar uma potência militar.

Seus caças patrulham o Atlântico Sul, seu submarino de propulsão nuclear garante dissuasão estratégica, e sua indústria bélica exporta produtos de defesa com elevada densidade tecnológica para países vizinhos. Soa como ficção? Para especialistas, esse projeto é possível, mas está longe de ser realidade.

A Índia, por exemplo, era até os anos 1990 um país dependente de importações de armas. Hoje, é o 4º maior gastador militar do mundo (US$ 72 bilhões em 2023, segundo o SIPRI), domina a produção de mísseis nucleares e até exporta drones para potências como os EUA.

Como ela chegou lá? Com uma estratégia clara: priorizou defesa como política de Estado, não de governo. Enquanto isso, o Brasil – que já teve a 6ª maior indústria bélica do mundo nos anos 1980 – hoje importa até armas leves e não tem sequer um sistema de defesa aérea de média e alta altitudes.

A seguir, nesta reportagem, investigamos:

  • O que define uma potência militar – e por que o Brasil não se encaixa nesse perfil.
  • Os erros históricos que nos deixaram para trás (e lições da Índia e Turquia).
  • O que falta em tecnologia, orçamento e estratégia para virarmos uma potência regional.
  • As consequências de continuar negligenciando a defesa (da Amazônia ao pré-sal).

O que é uma potência militar? (e por que o Brasil não é uma)

O que falta para o Brasil ser uma potência militar? Especialistas explicam
Os EUA são reconhecidos como a maior potência militar do mundo (Imagem: Rawpixel.com / Shutterstock)

Uma potência militar é um país com capacidade estratégica para projetar poder em escala global ou regional, sustentado por:

  • Forças Armadas bem equipadas (tecnologia avançada, frota moderna, poder nuclear ou convencional significativo).
  • Indústria bélica autossuficiente (produção própria de armas, veículos e sistemas de defesa).
  • Influência geopolítica (alianças estratégicas, participação em conflitos ou missões de paz).
  • Orçamento robusto (investimento contínuo em defesa, geralmente acima de 2% do PIB, em que parcela significativa dos gastos são em investimento e não em pessoal).

Ser uma referência militar pode assegurar o poder de dissuadir conflitos, mas também é importante para a soberania ao proteger território e recursos naturais. Além disso, aumenta a influência política do país para garantir voz em negociações internacionais.

Uma potência militar não se define apenas pelo tamanho de suas forças armadas ou pelo volume de armas em seus arsenais. Trata-se de um país com capacidade estratégica para projetar poder, defender seus interesses e influenciar o cenário geopolítico – seja regional ou globalmente.

Como um país se torna uma potência militar?

Para ser considerado uma potência militar, mesmo que regional, um país precisa dominar quatro pilares, segundo Augusto Teixeira, coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional da UFPB. São eles:

  1. Capacidade tecnológica e industrial
    • Produção própria de armamentos (não dependência de importações).
    • Domínio de tecnologias críticas (nuclear, cibernética, espacial).
    • Exemplo: a Índia desenvolveu mísseis nucleares e aviões de combate como o Tejas, reduzindo a dependência de fornecedores estrangeiros.
  1. Doutrina e estratégia clara
    • Definição de prioridades (dissuasão nuclear? proteção de fronteiras? projeção de poder?).
    • Alinhamento entre Forças Armadas, política externa e indústria.
  1. Orçamento sustentável
    • Investimento contínuo (mínimo de 2% do PIB, padrão OTAN).
    • Dado: o Brasil gasta 1,1% do PIB em defesa, enquanto a Turquia investe 1,9%.
  1. Influência geopolítica
    • Alianças estratégicas (como a Índia tem com EUA e Rússia).
    • Participação em conflitos ou missões de paz (para ganhar experiência e prestígio).
Modelo Sukhoi Su-30MKI da Força Aérea Indiana
Sukhoi Su-30MKI da Força Aérea indiana (Imagem: Jean Herng / Shutterstock)

Onde o Brasil está neste cenário?

Segundo dados oficiais, o Brasil falha em todos os critérios, conforme vamos detalhar a seguir.

Industrialização

  • A IMBEL (Indústria de Material Bélico do Brasil) não produz sequer 30% do armamento usado pelo Exército, segundo relatório do Ministério da Defesa (2022).
  • Enquanto a Índia fabrica 90% de seus fuzis, o Brasil ainda importa modelos como o Austrian STG-77.

Tecnologia crítica

  • Zero sistemas de defesa aérea de média a alta altitude (como o S-400 russo ou o Patriot americano).
  • O projeto de submarino nuclear (PROSUB), iniciado em 2008, só ficará pronto em 2040, segundo a Marinha.

Orçamento

  • O Brasil gasta 1,1% do PIB com defesa (R$ 112 bilhões em 2024). Países como a Índia investem 2,5%. E a maior parte da composição desse gasto, no caso brasileiro, é destinada ao pagamento de pessoal da ativa e da reserva.

Sandro Teixeira Moita, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), também reforça a importância desses tópicos para a construção de uma potência militar. “Sem esses pilares, seremos eternamente um ‘gigante adormecido’ na defesa”, alerta.

Leia mais:

Lições da Índia e Turquia: como países em desenvolvimento viraram potências

Para entender o contexto militar do Brasil, é necessário comparar país com outros que estejam também em desenvolvimento. Por isso, vamos olhar para a Índia, nossa companheira nos BRICs, a Turquia e também para nossos vizinhos na América Latina.

Caso 1: Índia – de importador a exportador

A Índia é o melhor exemplo de como um país em desenvolvimento pode virar potência. Em 20 anos, saiu da dependência russa para fabricar mísseis nucleares e drones. Hoje, é o 4º maior gastador militar do mundo.

Veja a virada que o país deu:

  • Década de 1990: sofria sanções por testes nucleares e dependia de armas russas.
  • Virada estratégica: criou a DRDO (Organização de Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa) e priorizou tecnologia dual (civil-militar).
  • Resultado:
    • Domina o ciclo completo de mísseis nucleares Agni-V (alcance de 5.000 km).
    • Exporta drones até para os EUA.

Caso 2: Turquia – sanções viraram oportunidade

  • 2017: EUA barra venda de mísseis Patriot.
  • Resposta: desenvolveu o HISAR (defesa aérea) e Bayraktar TB2 (drone usado na Ucrânia).
  • Resultado: hoje é 7º maior exportador global de armas.
 O Bayraktar TB2 é um veículo aéreo de combate não tripulado (UCAV) de média altitude e longa duração (MALE), capaz de realizar operações de voo autônomas ou controladas remotamente
Bayraktar TB2, veículo aéreo de combate não tripulado (UCAV) de média altitude e longa duração (MALE), capaz de realizar operações de voo autônomas ou controladas remotamente (Imagem: Bilal Kocabas / Shutterstock)

“O exemplo da Turquia mostra que, em 20 anos, um país pode transformar sua base industrial de defesa com decisão estratégica. Eles substituíram equipamentos importados por produção nacional – hoje exportam drones usados na Ucrânia. O Brasil tem capacidade, mas falta continuidade de Estado, não de governo”, explica Sandro Teixeira Moita.

Exemplos na América Latina (ou a falta deles)

Nenhum país latino-americano é hoje uma potência militar global, mas alguns têm destaque regional.

Apesar de ter o maior orçamento da região (US$ 20,2 bi em 2023), o Brasil falta investir em defesa aérea de média a alta altitude e indústria bélica autônoma.

A Argentina, por exemplo, já foi relevante pela Guerra das Malvinas, em 1982, mas hoje sofre com orçamento encolhido.

Outra vizinha nossa, a Venezuela, comprou sistemas S-300VM (defesa aérea russa), mas é mais uma potência ideológica em decadência (aliada de Cuba e Irã) do que militar.

Forças Armadas do Chile
Forças da Escola de Infantaria de diferentes ramos das Forças Armadas Chilenas e Carabineros participando das comemorações em Santiago, no Chile, em 19 de setembro de 2023. Imagem: Klopping / Shutterstock

Na América Latina, o país que mais se destaca em termos de volume de investimentos é o Chile. O país se tornou um exemplo de eficiência, pois gasta 1,7% do PIB em defesa (acima da média regional).

Além disso, possui sistemas modernos, como caças de última geração F-16 Block 50, tanques Leopard 2A4 e mísseis Spike (Israel). Por fim, tem Planejamento Baseado em Capacidades (PBC), modelo adotado da OTAN.

“O Chile prioriza qualidade sobre quantidade, com forças profissionais e equipamentos de ponta”, explica Augusto Teixeira.

Por que o Chile se destaca?

Segundo dados de 2023 do Banco Mundial, o PIB do Chile é significativamente menor do que o Brasil: US$ 335,5 bilhões frente a US$ 2,174 trilhões. Ainda assim, os chilenos focam na compra estratégica de equipamentos modernos, mesmo com orçamento limitado. Outro diferencial é a integração das Forças Armadas: Exército, Marinha e Aeronáutica.

Por exemplo: enquanto o Brasil luta para seguir os cronogramas do PROSUB, em particular do submarino de propulsão nuclear, o Chile já opera submarinos Scorpène (franco-espanhois) desde 2005.

Imagem mostra mapa da América do Sul com pin vermelho fixado no Brasil, que teria condições de se tornar uma potência militar no continente
É preciso definir se queremos proteger a Amazônia, o Atlântico Sul, ou ter capacidade de projeção (Imagem: hyotographics / Shutterstock)

“Ser potência militar não é sobre ter o maior exército, mas sobre ter as ferramentas para proteger seus interesses sem depender de outros”, resume Sandro Teixeira Moita. O Brasil tem potencial, mas falta vontade política e continuidade – como mostra a estagnação do PROSUB e a ausência de defesa aérea estratégica.

Conheça um pouco sobre o histórico militar brasileiro

Imagem mostra gravura feita por Angelo Agostini sobre a Batalha de Riachuelo na Guerra do Paraguai
Gravura feita por Angelo Agostini sobre a Batalha de Riachuelo na Guerra do Paraguai
(Imagem: Creative Commons)

Será que o Brasil já foi uma potência militar? Nosso país já teve momentos de destaque militar, mas nunca se consolidou como uma potência bélica de longo prazo. Sua trajetória é marcada por avanços e retrocessos, dependendo do contexto político e econômico de cada época. Veja alguns exemplos com a análise de Sandro Teixeira Moita.

1. Guerra do Paraguai (1864–1870)

  • Ponto alto: o Brasil liderou a Tríplice Aliança e venceu o conflito, projetando poder regional.
  • Lições aprendidas:
    • Dependência de importações (o Exército comprou armas europeias a preços abusivos).
    • Criação de arsenais nacionais (como a Fábrica de Estrela, no Rio Grande do Sul).

Pagamos caro por depender de importações em meio ao conflito. A lição foi criar arsenais nacionais, como o Exército fez com fábricas de munição”, explica o professor da ECEME.

Sandro Teixeira Moita

2. Segunda Guerra Mundial (1942–1945)

  • Força Expedicionária Brasileira (FEB): 25 mil soldados enviados à Itália.
  • Modernização pós-guerra: EUA forneceu equipamentos, mas o Brasil não manteve a indústria bélica.

A aliança com os EUA modernizou nossas Forças Armadas. Mas após a guerra, perdemos o ritmo por falta de planejamento de longo prazo.

Sandro Teixeira Moita

3. Regime Militar (1964–1985)

Boom industrial-militar:

  • Engesa (blindados como o EE-9 Cascavel).
  • Avibras (foguetes e mísseis).
  • Embraer (aviões como o Tucano).

Era o Brasil uma potência?

  • Sim, em capacidade regional: tinha a 6ª maior indústria bélica do mundo.
  • Não, em projeção global: faltavam tecnologias estratégicas (nuclear, defesa aérea).

Tínhamos a 6ª maior indústria bélica do mundo (Engesa, Avibras). A desindustrialização nos tornou clientes, não produtores.

Sandro Teixeira Moita

É preciso ser autoritário para ser potência?

A história mostra que não. Enquanto alguns regimes autoritários investem pesado em defesa (como Coreia do Norte e Venezuela), democracias também podem ser potências militares.

11 de maio de 2025 - 01:52
A Embraer Defesa é um caso de sucesso brasileiro, mas isolado (Imagem: Embraer/Divulgação)

No caso do Brasil:

  • A ditadura acelerou a indústria bélica, mas sucateou setores civis.
  • Hoje, o desafio é avançar em defesa sem abrir mão da democracia – como fazem Índia e Coreia do Sul.

O que ficou para trás?

  • Anos 1990: fim da Guerra Fria e desmonte da indústria (a Engesa faliu em 1993).
  • Século XXI: retomada tímida (PROSUB, Gripen), com planos fortemente dependentes das vontades das Forças Singulares.

“O Brasil já teve capacidade, mas perdeu por descontinuidade. Potências não são feitas de projetos de governo, mas de políticas de Estado”, enfatiza Augusto Teixeira.

O que falta para o Brasil ser uma potência militar?

O Brasil tem potencial para se tornar uma potência militar regional, mas esbarra em desafios estruturais que vão além de simplesmente aumentar gastos com defesa. Especialistas apontam os quatro eixos críticos que precisam ser superados.

Vitória da Conquista, Bahia / Brasil - Cerca de Maio de 2019: Oficial aeronáutico brasileiro acompanhando pouso em aeronave militar no aeroporto Glauber Rocha em Vitória da Conquista, Bahia.
Aeronave militar no aeroporto Glauber Rocha/ Imagem Shutterstock/ Foto colaborador Brastok

Vamos analisar detalhadamente cada um dos pilares que falamos anteriormente.

1. Investir em capacidade tecnológica e industrial

No pilar autonomia tecnológica e industrial, o Brasil ainda importa 70% de seu material bélico, desde fuzis até sistemas de defesa aérea. Não há sistemas de média e alta altitudes (como os S-400 russos ou Patriot americanos).

Além disso, o submarino nuclear (PROSUB) sofre com atrasos crônicos: o projeto iniciado em 2008 só deve ficar pronto em 2040. Ainda em drones e ciberdefesa, temos a dependência de tecnologia estrangeira.

Solução possível:

  • Retomar projetos nacionais, como os mísseis AV-TM 300 (Exército) e satélites de defesa.
  • Parcerias estratégicas (por exemplo, com a Índia, para co-produção de armamentos).
Paisagem com mísseis apontados para o céu
Imagem: Hamara / Shutterstock

2. Orçamento sustentável (e bem aplicado)

Segundo dados oficiais do Ministério da Defesa, divulgados em 2024:

  • O Brasil gasta 1,1% do PIB em defesa (R$ 112 bilhões por ano).
  • 85% desse valor vai para folha salarial, sobrando pouco para investimentos.

Esse valor pode parecer alto, mas quando comparamos com potências emergentes, temos:

“Não adianta aumentar o orçamento se não houver planejamento. O PROSUB é um exemplo: dinheiro foi cortado, prazos se estenderam, e hoje estamos décadas atrás do que poderíamos estar”, alerta Sandro Teixeira Moita.

Prosub - Submarino Riachuelo
Prosub – Submarino Riachuelo. Imagem: Marinha do Brasil / Divulgação

3. Doutrina militar clara (e alinhada com a política externa)

Problema atual:

  • As Forças Armadas atuam de forma fragmentada (Exército, Marinha e Aeronáutica têm prioridades distintas). Há necessidade de um Ministério da Defesa mais forte para coordenar os níveis político e estratégico.
  • Não há uma estratégia unificada para ameaças como:
    • Amazônia (garimpo ilegal e espionagem estrangeira).
    • Atlântico Sul (proteção do pré-sal e rotas marítimas).

O que falta:

  • Um Plano de Defesa Nacional revisado e implementado, problema do ciclo de produção, avaliação e publicação das Políticas e Estratégias Nacionais de Defesa (o último, de 2020, nunca saiu do papel).
  • Integração com o Ministério das Relações Exteriores para alinhar defesa e diplomacia.
As Forças Armadas atuam de forma fragmentada (Exército, Marinha e Aeronáutica têm prioridades distintas).
As Forças Armadas atuam de forma fragmentada (Exército, Marinha e Aeronáutica têm prioridades distintas). Imagem: Layse Ventura via ChatGPT / Olhar Digital

4. Vontade política e consciência social

Por que o tema é negligenciado?

  • Na política: Defesa não dá votos.
  • Na sociedade: há um mito de que “o Brasil não tem inimigos”.

Realidade:

  • A Guerra na Ucrânia mostrou como conflitos distantes afetam economia e segurança.
  • A Amazônia é cobiçada por potências estrangeiras (EUA, China e países da União Europeia).
Drones de combate com picapes Landtrek e militares ucranianos ao fundo
Drones de combate com picapes Landtrek e militares ucranianos ao fundo (Imagem: Divulgação)

Solução:

  • Educação estratégica: incluir defesa em debates públicos.
  • Pressão por continuidade: transformar projetos como o PROSUB em política de Estado, não de governo.

E se o Brasil virasse uma potência militar? Impactos e riscos

Se o Brasil superasse seus desafios e se tornasse uma potência militar regional, quais seriam as consequências? Especialistas apontam oportunidades estratégicas, mas também riscos graves que precisam ser ponderados.

Impactos positivos

1. Soberania fortalecida

Um dos impactos positivos mais evidentes seria o fortalecimento da soberania nacional. Com capacidades militares robustas, o Brasil poderia exercer um controle mais efetivo sobre suas vastas fronteiras e recursos naturais estratégicos.

“Um Brasil militarmente forte poderia monitorar a Amazônia com satélites e drones, combatendo garimpo ilegal e espionagem estrangeira”, afirma Augusto Teixeira, coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Estratégicos e Segurança Internacional da UFPB.

Atualmente, a dependência de sistemas estrangeiros é notória, com 73% do desmatamento sendo detectado por tecnologias de fora, segundo dados do INPE, evidenciando a necessidade de autonomia nesse monitoramento.

Aérea de garimpo ilegal na Amazônia revela desmatamento intenso, solo exposto e rio contaminado por mercúrio. A presença de tratores e estradas improvisadas evidencia a atividade predatória na região.
Aérea de garimpo ilegal na Amazônia revela desmatamento intenso, solo exposto e rio contaminado por mercúrio. A presença de tratores e estradas improvisadas evidencia a atividade predatória na região. Imagem: PARALAXIS / Shutterstock

2. Desenvolvimento tecnológico

Além da proteção territorial, o desenvolvimento tecnológico associado à indústria de defesa representaria outro benefício substancial. A criação de uma indústria dual, que atende tanto às necessidades militares quanto civis, poderia impulsionar a inovação em diversos setores.

Projetos complexos como o submarino de propulsão nuclear (PROSUB), apesar dos atrasos, já demonstram esse potencial ao gerar avanços em áreas como a medicina nuclear. Sandro Teixeira Moita, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), reforça essa visão: “A Embraer nasceu de tecnologia militar. Poderíamos replicar isso em ciberdefesa e satélites”.

3. Influência geopolítica

Essa capacidade fortalecida também se traduziria em maior influência geopolítica. Um Brasil mais assertivo militarmente poderia assumir um papel de liderança em missões de paz, como fez no Haiti com a MINUSTAH, porém com maior credibilidade e capacidade de intervenção.

Brasil participou da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti)
Brasil participou da MINUSTAH (Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti). Imagem: Agência Brasil / Divulgação

A projeção de poder militar, como lembra Augusto Teixeira, é frequentemente utilizada por nações como a Índia como um trunfo para buscar maior representatividade em fóruns internacionais, como um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Riscos e desafios

No entanto, a jornada rumo ao status de potência militar não está isenta de riscos e desafios consideráveis.

1. Custos sociais

Um dos principais pontos de tensão reside nos custos sociais inerentes a um investimento massivo em defesa. Elevar os gastos militares para o patamar de 2% do PIB, similar ao da Índia, implicaria um acréscimo orçamentário anual na casa dos R$ 80 bilhões.

IA educação
Imagem: Deemerwha studio/ Shutterstock

Esse montante equivale a cerca de 50% do orçamento destinado à educação em 2024, levantando um dilema sobre as prioridades nacionais. “Não podemos negligenciar saúde e educação, mas também não podemos ignorar a defesa. É um equilíbrio delicado”, pondera Sandro Teixeira Moita.

2. Tensões regionais

Outro ponto de atenção seria o potencial aumento das tensões regionais. Um rearmamento significativo do Brasil poderia gerar desconfiança entre os países vizinhos, alterando o equilíbrio de poder na América do Sul.

A Argentina, por exemplo, já manifesta reservas em relação ao programa nuclear brasileiro. “Um Brasil armado poderia ser visto como ameaça, não como estabilizador”, alerta Augusto Teixeira, destacando a necessidade de uma diplomacia habilidosa para mitigar possíveis conflitos.

3. Risco de autoritarismo

Finalmente, existe o risco, embora não inevitável, de um fortalecimento do autoritarismo associado à militarização da política. Embora exemplos como a Índia demonstrem que potências militares podem ser democracias vibrantes, a história brasileira e a de outras nações exigem vigilância.

“Potências militares não precisam ser ditaduras (veja a Índia), mas é preciso vigilância democrática”, adverte Sandro Teixeira Moita.

Domo de ferro
Enquanto Israel tem o Domo de Ferro, o Brasil tem um vazio preocupante na defesa antiaéra (Imagem: Oren Ravid / Shutterstock)

A realidade atual, contudo, expõe um preocupante vazio estratégico, particularmente na defesa antiaérea. Conforme detalha Augusto Teixeira, o Brasil carece de um sistema integrado de defesa de média e alta altitudes, limitando-se a capacidades de baixa altitude, como os radares Saber M60 e os mísseis portáteis Igla-S.

Essa lacuna deixa o país vulnerável a ameaças modernas, incluindo ataques aéreos convencionais, mísseis balísticos – para os quais não há sistemas interceptadores como o S-400 russo ou o Patriot americano – e drones de alta performance, como os modelos iranianos recentemente utilizados em conflitos no Oriente Médio.

Uma comparação com nações em desenvolvimento que investiram nessa área evidencia o atraso brasileiro. A Índia, por exemplo, opera uma defesa aérea multicamadas, combinando sistemas como o S-400, Akash e Barak-8. A Turquia, mesmo enfrentando sanções, desenvolveu seus próprios sistemas HISAR e adquiriu o S-400, demonstrando uma clara priorização estratégica que falta ao Brasil.

E por que o Brasil não investe?

Diversos fatores contribuem para essa deficiência brasileira. A falta de priorização estratégica é um deles; a Estratégia Nacional de Defesa de 2020 menciona a defesa aérea, mas carece de projetos concretos, refletindo um histórico de descontinuidade e entraves burocráticos – a versão de 2016, por exemplo, levou quatro anos para ser validada, e a de 2020, dois anos para homologação.

O foco histórico em operações de paz e segurança interna relegou a preparação para conflitos convencionais a segundo plano. Soma-se a isso a dependência tecnológica estrangeira, com tentativas frustradas de aquisição de sistemas como o NASAMS (Noruega e EUA), e um orçamento cronicamente insuficiente para investimentos robustos, como ressalta Sandro Teixeira Moita: “Defesa não é gasto, é investimento em soberania. Mas precisa ser feito com responsabilidade”.

Por fim, a percepção de ausência de ameaças iminentes, o argumento recorrente de que “não temos inimigos declarados”, mascara vulnerabilidades reais diante de um cenário geopolítico instável, onde:

  • A Venezuela modernizou sua defesa aérea com sistemas S-300VM.
  • Um conflito na Guiana Essequiba ou tensões com Argentina poderiam expor a vulnerabilidade brasileira.

As consequências dessa vulnerabilidade em um cenário de conflito seriam graves. Sem uma defesa aérea em camadas, alvos estratégicos de alto valor, como os poços de petróleo do pré-sal, centros de comando e controle em Brasília, e infraestruturas críticas como hidrelétricas e portos, ficariam perigosamente expostos.

Sandro Teixeira Moita ilustra a gravidade da situação com um exemplo prático: um ataque de míssil contra a Refinaria de Paulínia (SP), o maior complexo do tipo na América Latina, não encontraria capacidade de interceptação por parte das defesas brasileiras.

O que fazer? Soluções possíveis

Diante desse quadro, algumas soluções se apresentam como caminhos possíveis. Parcerias estratégicas com nações como a Índia ou países europeus poderiam viabilizar a aquisição ou coprodução de sistemas comprovados, como:

  • comprar ou coproduzir sistemas Akash ou Barak-8 com a Índia;
  • adquirir MICA VL ou NASAMS com a França e os Estados Unidos.

O desenvolvimento nacional, retomando projetos como os da AVIBRAS de mísseis antiaéreos (como o MANSUP) representa outra via crucial.

A integração eficaz de sistemas de alerta antecipado, utilizando satélites e radares, como o futuro Satélite Geoestacionário de Defesa (2025), é igualmente fundamental.

Além disso, uma maior pressão política e social, talvez vinculando projetos de defesa a mecanismos legais como a Lei de Licitações, poderia garantir a prioridade e a continuidade necessárias – assim como fez a Turquia com o HISAR.

Modelo de submarino com propulsão nuclear, o SN-BR
O desenvolvimento do submarino com propulsão nuclear brasileiro, o SN-BR é um projeto complexo e de longo prazo, considerado crucial para a soberania e a defesa do país no século XXI (Imagem: Marinha do Brasil)

Um caminho possível, mas não fácil

O Brasil tem condições de se tornar uma potência militar, mas o processo exigirá:

  1. Planejamento de longo prazo (20+ anos), como fez a Índia.
  2. Investimentos inteligentes: priorizar tecnologia (por exemplo, defesa aérea e cibernética) em vez de apenas aumentar tropas.
  3. Diplomacia equilibrada: evitar provocar vizinhos e manter alianças estratégicas (EUA, UE e BRICS).

O futuro está nas mãos dos próximos governos e da sociedade, que precisa pressionar por essas mudanças.

Com informações de: SIPRI (Stockholm International Peace Research Institute) – 2023; Marinha do Brasil; INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

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Fonte: Olhar Digital

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