Quatro anos depois da sua última aquisição, a 3G Capital voltou ao jogo com a compra da fabricante de tênis Skechers, num negócio de US$ 9 bilhões que delineia o ‘novo’ perfil da gestora fundada por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.
Depois de negócios multibilionários no setor de alimentos, como a fusão da Kraft com a Heinz, em 2015, e a tentativa frustrada de compra da gigante Unilever dois anos depois, o foco parece ter mudado.
No radar, estão transações ainda relevantes em líderes de mercado em outras searas do setor de consumo global. Adicione ao cardápio empresas de controle familiar listadas em bolsa e com fundadores de idade avançada já não tão afeitos à vida de empresa listada.
São ingredientes em comum em relação às suas duas últimas investidas: a Skechers e a fabricante de cortinas e persianas holandesa Hunter Douglas, adquirida em 2021, por US$ 7 bilhões.
Fundada em 1919, a companhia ainda era comandada pelo filho do fundador, Ralph Sonnenberg, à época com 88 anos.
Na Skechers, a 3G volta para seu DNA de marcas mais conhecidas do público, especialmente o americano. E repete a fórmula da empresa familiar: a companhia é liderada pelo fundador Robert Greenberg, de 84 anos, que vai permanecer no comando, junto com seu filho Michael.
Praticamente no profile, Greenberg nunca comandou a empresa como uma empresa listada: ele não participava de calls de resultados e chegou a processar a American Airlines quando a companhia aérea publicou sua fotografia em na revista de bordo.
Da recuperação ao crescimento
O perfil de negócios em dificuldade, que precisam de um choque de gestão com famoso ‘orçamento base zero’ da companhia, também parecer ter ficado para trás.
A fórmula, que foi bastante bem sucedida na formação da Ambev e em seguida da AB Inbev, até funcionou por alguns anos da Kraft Heinz.
Progressivamente, no entanto, a companhia foi sendo desafiada em meio à queda na demanda por alimentos industrializados e pelo avanço de novas marcas que fazem mais apelo à saúde e à alimentação natural.
A aquisição feita de forma espetacular acabou no ano passado em uma saída francesa. Desde 2021, a 3G foi se desfazendo de sua participação, até zerá-la completamente sem alarde, em abril de 2024.
“A Skechers não é uma tese de recuperação”, faz questão de frisar uma fonte próxima à gestora. O negócio vem crescendo em ritmo intenso, especialmente nos últimos 10 anos e não dá sinais de fraqueza.
Desde a década de 90, a companhia multiplicou suas vendas de aproximadamente US$ 100 milhões para a projeção de US$ 10 bilhões até 2026, impulsionada por uma presença global robusta, com cerca de 5.300 lojas próprias e franqueadas em todo o mundo.
A companhia cresceu na contramão das concorrentes Nike e Adidas e até mesmo das novatas ON e Hoka, que tem apostado especialmente em performance.
Num mundo com hábitos de consumo em constante transformação, diferentemente da Kraft Heinz, a Skechers está com o pé fincado num território bem definido.
“Ela tem um território bem definido e, por isso, também, um posicionamento resiliente. A marca até tem produtos de corrida, mas seu foco é ser extremamente confortável”, diz o mesmo interlocutor.
Modelos como a linha Go Walk e os tênis slip-on são exemplos dessa abordagem voltada para o bem-estar e a funcionalidade.
O público-alvo da Skechers são as crianças e as pessoas acima de 40 anos, além do público feminino, segmentos em que ela é líder de mercado nos Estados Unidos. Terceira maior fabricante de calçados do mundo, a companhia vende cerca de 300 milhões de pares ao ano.
Seu preço médio também é uma vantagem competitiva, especialmente em meio às tarifas impostas pelo governo americano. Assim como a outras grandes fabricantes, a Skechers também mantém suas linhas de produção no mercado asiático, como China e sudeste asiático.
Mas, enquanto as concorrentes vendem a cerca de US$ 150 o par, o preço médio da Skechers é de US$ 60, o que abre mais espaço para repasse de preços num cenário de custos maiores.
Parceria para o longo prazo
A família já havia se aproximado há meses do time da 3G Capital, comandado pelo co-fundador Alex Behring e por Daniel Schwartz.
O perfil de longo prazo, sem pressão para saída, além da experiência da gestora no setor de consumo foram fatores decisivos para fechar a transação.
“Acreditamos que essa parceria vai dar suporte ao nosso time talentoso para atender as necessidades dos consumidores e permitindo o crescimento de longo prazo da companhia”, afirmou Greenberg em comunicado.
De trator nos custo, o 3G passou a ser visto pelos alvos como um parceiro no desenvolvimento dos negócios.
“Como uma empresa privada, a Hunter Douglas vai ter a oportunidade de avançar e expandir nossos negócios ao mesmo tempo em que preserva a cultura familiar”, disse Sonnenberg na época da aquisição da companhia.
É um contraste impressionante em relação ao que levou a Unilever à rechaçar de bate-pronto a oferta da multibilionária da Kraft Heinz: o temor de que o estilo ‘mãos de tesoura’ pudesse danificar as marcas.
Na Skechers, a 3G vai deter 80% da empresa e os fundadores manterão uma fatia no negócio. Ao que tudo indica, o 3G está sendo visto agora com uma postura mais paz-e-amor.
Fonte: Exame