“Disse que estamos mudando a face do Oriente Médio e agora digo que estamos mudando a face do mundo. Estamos caminhando para uma grande vitória.
Uma semana após lançar o maior ataque de Israel contra o Irã da História, o premier Benjamin Netanyahu exaltava confiança em uma entrevista à Rádio Kan, e à sua maneira não disse inverdades.
Desde o início da operação militar contra a Faixa de Gaza, em resposta ao ataque do Hamas em outubro de 2023, Netanyahu remodelou as estruturas do Oriente Médio, onde a guerra ao Irã é a fase final de um processo mais amplo do que uma resposta ao maior ataque terrorista sofrido por Israel.

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— Ninguém precisa ser fã do regime iraniano, do Hezbollah ou do Hamas, para perceber que essa atividade [militar] é incrivelmente desestabilizadora para a ordem e a segurança regionais — afirmou ao portal France24 H. A. Hellyer, pesquisador do Instituto Real Unido para Estudos de Defesa e Segurança.
O primeiro baque foi sentido pelos palestinos antes mesmo dos bombardeios em Gaza. O retorno de Netanyahu ao poder em 2022 parecia um golpe definitivo nos planos para um Estado palestino. Mas o ataque do Hamas, que deixou quase 1,2 mil mortos em território israelense, levou a uma guerra brutal, na qual Gaza foi devastada, e abriu caminho para a expansão das colônias judaicas — ilegais pelas leis internacionais — na Cisjordânia.
Com Donald Trump na Casa Branca, Netanyahu ganhou um incentivo para seguir na mesma rota, e o presidente americano chegou a sugerir que toda a população de Gaza fosse realocada — um crime de guerra —, e que o enclave fosse transformado em um condomínio para milionários. Uma “Riviera do Oriente Médio”.
Primeiro passo
A guerra em Gaza era, como apontou ao GLOBO o professor do curso de Relações Internacionais da ESPM, Gunther Rudzit, a etapa inicial da estratégia definitiva de Netanyahu. Ao atacar o Hamas, um grupo financiado por Teerã, os israelenses também atingiam um dos braços do chamado Eixo da Resistência, uma aliança regional formada por milícias e grupos em Gaza, Líbano, Iraque e Iêmen e liderada pelos iranianos.
— Foi um planejamento que foi se desenvolvendo ao longo do conflito em Gaza — afirmou Rudzit.
Além do Hamas, que teve sua liderança política e militar dizimada, Israel lançou, no ano passado, uma ofensiva de grande porte contra o Hezbollah no Líbano, com mísseis, drones e uma sabotagem de equipamentos de comunicação — pagers e walkie-talkies — que deixou dezenas de vítimas. Tal como o comando do Hamas, os líderes do grupo xiita, incluindo Hassan Nasrallah, foram mortos.
Hoje, o Hezbollah tenta recuperar sua força política e recalibrar suas capacidades: a organização apoia Teerã na guerra com Israel, mas não parece disposta a ajudar militarmente, diante da própria fragilidade e da oposição da sociedade local a um novo conflito.
Na vizinha Síria, o Eixo da Resistência não foi apenas enfraquecido, mas ceifado. Desde outubro de 2023, o país, então comandado por Bashar al-Assad, era usado pela Guarda Revolucionária iraniana como base operacional,e sofria bombardeios constantes — em um deles, em abril do ano passado, Israel atingiu o consulado iraniano em Damasco, ação respondida com o lançamento de centenas de mísseis do Irã contra o Estado judeu.
Os bombardeios, somados a um processo de fragilização interna por culpa do próprio regime, levaram à queda de Assad, substituído por um governo com um passado jihadista, e que está sendo cobrado pela falta de condenações à ofensiva contra Teerã. Recentemente, foi revelado que representantes de Síria e Israel estão em contato sobre uma potencial normalização de laços, por enquanto negada oficialmente.
O ataque direto contra o Irã, considerado por Rudzit a “fase final da guerra”, começou a ser ensaiado no ano passado, com a troca de mísseis em abril e em outubro, quando os iranianos atacaram Israel em retaliação aos assassinatos de Nasrallah e do chefe político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã. O planejamento, como revelaram integrantes do governo israelense, levou oito meses, e apostou na fragilidade das defesas aéreas iranianas e em um Eixo da Resistência menos eficaz.
— É cedo ainda para avaliarmos os impactos, não sabemos direito o que vai efetivamente acontecer nesses ataques israelenses — diz Rudzit. — Mas houve uma mudança do equilíbrio de poder na região radicalmente, isso já houve. O Irã nunca esteve tão fraco desde a Revolução Islâmica de 1979.
Mudança de regime
Nos primeiros momentos da guerra, o discurso de Israel era voltado à destruição do programa nuclear iraniano, acusado de ter fins militares. Mas conforme as bombas caíam, o comando militar de Teerã era eliminado, e alvos como bases e instalações usadas para ataques contra Israel eram destruídos, o tom mudou: agora, Netanyahu via como real a chance de eliminar o regime dos aiatolás, comparado por ele à Alemanha nazista.
— Eu acho que Israel vê a oportunidade de causar um dano maior ao Irã e eventualmente levar ao colapso do regime, e antes buscou neutralizar as ameaças mais imediatas — afirmou ao GLOBO Paulo Velasco, professor de Relações Internacionais da Uerj, apontando ainda para os riscos ao regime já existentes antes da guerra. — A insatisfação de uma parcela da população iraniana, combinada às ações militares, eventualmente com a participação direta dos Estados Unidos, pode levar ao colapso do do regime.
A guerra com o Irã também serviu para que Netanyahu afastasse os olhos de Israel e do mundo de Gaza, da questão dos reféns e de seus problemas pessoais, e os voltasse para um velho “pária” internacional.
”Pelo menos a curto prazo, os ataques resultaram em uma vitória política significativa para o primeiro-ministro.”, afirmou, em artigo, Ksenia Svetlova, pesquisadora associada do centro de estudos Chatham House, citando o apoio interno à guerra e o suporte, mesmo que parcial, dos europeus.
Mas a queda de uma das forças políticas e militares no Oriente Médio traz seus riscos. Forças aliadas no Iraque e Iêmen, que integram o Eixo da Resistência, prometeram agir caso os EUA decidam entrar na guerra, espalhando o conflito por toda a região, e um novo governo em Teerã não necessariamente será menos agressivo. Um cenário que as monarquias do Golfo, que traçavam um caminho rumo à pacificação regional, parecem querer evitar.
Dias antes do início da guerra em Gaza, o ministro do Turismo de Israel, Haim Katz, foi o primeiro integrante de um Gabinete israelense a viajar à Arábia Saudita, um passo marcante no processo de normalização entre os dois países.
Contudo, as conversas foram suspensas após a invasão do enclave, e os sauditas condenam os ataques ao Irã. Outras monarquias do Golfo Pérsico, incluindo as que já têm laços com os israelenses, seguiram na mesma linha.
— Temos visto não apenas um discurso mais crítico dessas monarquias em relação a Israel, mas também uma relação melhor com o Irã — diz Velasco. — Elas estão se juntando ao Irã no rechaço a Israel e aos excessos de Netanyahu.
Riad, assim como seus aliados, não quer um Irã fortalecido militarmente e com armas nucleares, mas entende que a queda do regime não necessariamente seria uma boa notícia para o Golfo Pérsico. Ainda mais no atual contexto pós-guerra em Gaza, em que várias peças foram movimentadas.
— É um Oriente Médio bem diferente daquele que a gente habituou. A região sempre foi marcada por tensões e conflitos, mas agora é um cenário de instabilidade, de queda de atores e enfraquecimento de forças já estabelecidas e com projeção — opina Velasco. — E acho que esse será um novo normal.
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Fonte: InfoMoney