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Não há previsão de crise hídrica grave em SP, mas cautela é essencial, diz presidente da SP Águas

Transformar uma autarquia de mais de 70 anos em uma agência reguladora moderna e que atenda os anceios do Estado, do contribuiente e do setor privado. Esse é o desafio de Camila Viana, diretora-presidente da SP Águas, agência reguladora de recursos hidrícos do estado de São Paulo.

Criada no ano passado por um projeto de lei enviado pela gestão Tarcísio de Freitas, a agência foi gestada na esteira do avanço da agenda de concessões do governador, que prometeu como contrapartida fortalecer agências reguladoras.

“Com a criação da SP Águas, houve a transformação de uma autarquia de mais de 70 anos em uma agência reguladora dedicada aos recursos hídricos. Isso traz uma blindagem técnica e independência muito forte, com mandato fixo de cinco anos para os dirigentes, atravessando gestões governamentais”, diz Viana em entrevista exclusiva à EXAME no novo – e moderno – escritório da agência, localizado no centro da capital.

Entre os desafios de Viana, além de uma mudança de cultura de um orgão com mais de 900 funcionários, está o de criar a agenda regulatória 2025–2026 com foco na fiscalização, para evitar uso clandestino da água, e o monitoramento, para prevenir crises hidrícas, como a de 2014, e enchentes, como as recentes que ocorreram nos últimos meses. Com 13 ações distribuídas em seis eixos temáticos, a agenda está em fase de consulta pública.

“Fiscalização é um ponto chave, especialmente diante dos extremos climáticos que aumentam a escassez ou o risco de enchentes. Não podemos tolerar o uso clandestino da água”, diz.

Sobre a situação hídrica do estado neste ano, a presidente diz que São Paulo não corre risco de uma crise grave, mas que as chuvas abaixo da média história exigem “cautela” e “monitoramento”.

“Não há expectativa de crise hídrica grave para este ano, mas o monitoramento e a cautela seguem essenciais, já que as chuvas estão abaixo da média histórica”, afirma.

Em março, o governo anunciou R$ 11,6 milhões na ampliação da fiscalização da agência e outros R$ 6,2 para modernização da Sala de Situação São Paulo. 

Outro foco da gestão de Viana é renovar a outorga – atorização de uso dos recursos hídricos – do Sistema Cantareira, principal manancial que abastece a Região Metropolitana de São Paulo. A renovação é colocada como essencial para garantir a legalidade da captação de água e preservar o equilíbrio entre abastecimento humano, uso industrial e preservação ambiental.

O orgão substitui o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), que além de regular o setor também era responsável por executar obras. A expectativa, segundo Viana, é que a parte de obras e serviços seja migrada de forma gradual nos próximos anos para o departamento de infraestrutura do estado para que a SP Águas vire uma “agência puro sangue”.

Procuradora do Estado, a presidente da agência atuava como subsecretária de recursos hídricos e saneamento no ano passado e participou ativamente das discussões da lei aprovada pelos deputados estaduais no ano passado. Viana afirma que a sua “grande missão” para os próximos cinco anos será entregar uma agência que una “expertise técnica e filtro regulatório”.

“Espero entregar uma agência reguladora consolidada, com cultura regulatória incorporada, servidores capacitados e estrutura única, unificando expertise técnica e filtro regulatório. O processo é longo, ainda convivemos com atividades transitórias herdadas do antigo departamento, que demandam muito tempo e recursos”, diz.

Leia a entrevista completa de Camila Viana, diretora-presidente da SP Águas:

Por que a SP Águas foi criada e quais são os seus principais desafios para ess agência recém criada?

Este governo aposta em concessões e parcerias com a iniciativa privada, e consequentemente no fortalecimento da regulação por meio das agências reguladoras. O estado já tinha duas agências, a ARTESP, que atua forte em rodovias e mobilidade, e a ARSESP, voltada para saneamento e gás. Com a criação da SP Águas, houve a transformação de uma autarquia de mais de 70 anos em uma agência reguladora dedicada aos recursos hídricos. Isso traz uma blindagem técnica e independência muito forte, com mandato fixo de cinco anos para os dirigentes, atravessando gestões governamentais. A agência tem autonomia técnica e administrativa, o que permite atuar com estabilidade regulatória, essencial para o setor.

E o que isso significa na prática, em termos institucionais e de atuação?

Na institucional, passamos de uma autarquia comum, com superintendente indicado pelo governador, para uma agência reguladora com colegiado e mandato fixo. Isso garante maior estabilidade e independência técnica. Na frente temática, a SP Águas vai focar na regulação dos recursos hídricos, estudando e fortalecendo o instrumento da outorga, que confere o direito de uso da água. O objetivo é garantir o uso racional e o equilíbrio entre usos múltiplos — abastecimento humano, indústria, agricultura, geração de energia.

Quais são os outros pontos chaves?

Fiscalização é um ponto chave, especialmente diante dos extremos climáticos que aumentam a escassez ou o risco de enchentes. Não podemos tolerar o uso clandestino da água. Temos também a sala de situação, que monitora dados hidrológicos e pluviométricos para antecipar eventos extremos e apoiar decisões, dialogando com agências de saneamento para observar a prestação de serviços. Atuamos em regulação, fiscalização e monitoramento, além de funções herdadas, como obras de macrodrenagem, que deverão migrar para um departamento específico de infraestrutura.

Em termos de recursos humanos e investimentos, como está a estrutura da agência? Vocês expandiram o quadro em relação ao antigo departamento? 

Estamos em fase de reestruturação. A estrutura das agências reguladoras é diferente da autarquia anterior, com cargos mais especializados e bem remunerados, incluindo secretariado executivo e assessoria de qualidade regulatória. Ainda não temos o quadro definitivo. Está previsto concurso público para 190 cargos, que nos dará clareza no médio prazo. O antigo departamento tinha cerca de 900 funcionários, mas não será uma comparação direta, pois as funções migrarão.

E qual o volume de investimento para fiscalização previsto?

Sobre investimento, temos R$ 6,2 milhões contratados para a sala de situação, e no total cerca de R$ 11,6 milhões previstos para apoio à fiscalização, que inclui sistemas de outorga, georreferenciamento de barragens, transporte para fiscais, entre outros. Também há parcerias para alertas em conjunto com a Defesa Civil.

Como vocês estão monitorando e se preparando para a questão da escassez hídrica? E como é a comunicação com as empresas de saneamento e a população?

Estamos preparando um protocolo de escassez hídrica, que será submetido a consulta pública em maio. Esse protocolo define medidas a serem tomadas em diferentes níveis de estiagem, não apenas em cenários extremos, e orienta a atuação da agência e parceiros. O sistema da região metropolitana é resiliente, com investimentos que criaram redundância entre reservatórios para compensar áreas com baixa pluviometria. Mas há necessidade de sensibilizar a população para o uso racional da água, especialmente com o aumento recente do consumo. Fora da área da Sabesp, a secretaria tem promovido a universalização do saneamento, com adesão de 215 municípios focada na redução de perdas na rede. Não há expectativa de crise hídrica grave para este ano, mas o monitoramento e a cautela seguem essenciais, já que as chuvas estão abaixo da média histórica.

E quanto à questão das enchentes, como a agência atua para mitigar esses impactos? O que já está sendo preparado para os municípios?

Divido em duas frentes: obras e regulação. As obras de drenagem, piscinões e desassoreamento estão em andamento e ajudarão a mitigar enchentes. No âmbito regulatório, nossa agenda está em consulta pública e prevê protocolos operacionais para atuação em extremos climáticos. Estamos ampliando os pontos de monitoramento de extravasamento dos rios para identificar cheias e apoiar a Defesa Civil. Reconhecemos que há pontos cegos e que o trabalho está em construção. É um tema complexo que envolve uso e ocupação do solo, macrodrenagem estadual e microdrenagem municipal. Temos apoiado os municípios na elaboração de planos de drenagem e as prefeituras têm demonstrado crescente sensibilidade ao tema, dada a frequência dos extremos climáticos.

Como você avalia a evolução da preparação do Estado para esses desafios nos últimos anos?

Vejo uma gestão mais presente e focada no tema, que já criou ações importantes como o “São Paulo Sempre Alerta”, e busca fortalecer essa política para torná-la perene. É necessário internalizar o componente climática nas decisões.

Sobre segurança de barragens, o que vocês pretendem avançar em regulação e fiscalização?

Estamos criando uma área específica para segurança de barragens e temos duas ações prioritárias na agenda regulatória: aperfeiçoar normas de classificação e fiscalização, incluindo penalidades. A agência terá uma área documental para analisar planos de segurança e uma área operacional para fiscalização in loco, com apoio das unidades regionais da SPEV. O investimento em tecnologia visa aumentar eficiência e produtividade na fiscalização. Utilizaremos inteligência georreferenciada para priorizar ações, evitando fiscalizações desnecessárias e ampliando o uso de tecnologia para monitorar usos múltiplos.

Falando em tecnologia, vocês estão usando IA ou outras tecnologias para apoiar as operações?

Sim, temos investido em sistemas de georreferenciamento, monitoramento em tempo real e integração de dados, buscando maior eficiência e inteligência na fiscalização.

Para implementar essas ações, vocês dependem de aprovações legislativas ou conseguem resolver internamente?

A maior parte das ações, mais de 90%, pode ser feita internamente, dentro da agência. Algumas, como alteração de penalidades, podem demandar atos infralegais, mas buscamos manter o domínio dos processos para garantir efetividade.

Como vocês estão articulando para que a agenda regulatória saia do papel? O que será mais complexo de implementar?

Prioritariamente, queremos editar a deliberação de análise de impacto regulatório no segundo semestre de 2025, pois é base para outras ações. A renovação da outorga do Cantareira e a revisão das portarias de outorgas também são urgentes. Investimentos e monitoramento serão contínuos ao longo dos dois anos da agenda. Segurança de barragens é sensível e exige cuidado, com curva de aprendizado e produção de normativos consistentes. Uniformizar a fiscalização será um desafio maior, pois demanda uma atuação integrada e manual de boas práticas para que haja coerência regional.

No eixo de cobrança pelo uso, como isso impacta o consumidor final, especialmente em áreas rurais?

A outorga confere o direito de uso da água e a cobrança é o preço público pago pelo uso. Já existe para usuários urbanos e industriais, mas não para o rural, que é um desafio devido à diversidade dos produtores. Essa cobrança visa valorizar a água, incentivar o uso racional e garantir que os recursos arrecadados sejam reinvestidos na própria bacia para saneamento, drenagem e monitoramento. É fundamental dialogar com os usuários para construir consenso e transparência sobre o destino dos recursos.

Mesmo não sendo responsabilidade direta da SP Águas, como é o diálogo com as concessionárias de saneamento, como a Sabesp, para melhorar o atendimento e a gestão dos recursos?

A SP Águas regula a disponibilidade hídrica, enquanto a ARSESP regula os serviços de saneamento. Há forte interface com Sabesp e outras empresas, pois o uso racional e o monitoramento dos mananciais impactam diretamente a operação das concessões. Dialogamos com concessionárias e comitês para alinhar ações de uso racional, antecipar problemas e apoiar decisões em casos de eventuais restrições. Essa colaboração é fundamental para garantir sustentabilidade hídrica e qualidade do serviço.

Como você vê o fortalecimento da agência nos próximos cinco anos? O que espera entregar?

Espero entregar uma agência reguladora consolidada, com cultura regulatória incorporada, servidores capacitados e estrutura única, unificando expertise técnica e filtro regulatório. O processo é longo, ainda convivemos com atividades transitórias herdadas do antigo departamento, que demandam muito tempo e recursos. A transição das obras para o departamento de infraestrutura será fundamental para termos uma agência “puro sangue”, focada exclusivamente na regulação. O processo começa ainda este ano, com avaliação cuidadosa para evitar descontinuidade nas obras. A expectativa é que a transferência ocorra no curto a médio prazo.

Fonte: Exame

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