Após sofrer a maior derrota no Congresso durante o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, na semana passada, o governo manteve a estratégia de adotar a retórica do confronto e recebeu recados do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). Sem uma alternativa negociada para compensar a derrubada do decreto que elevou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), Motta avisou reservadamente que não aceitaria a judicialização do caso. Nas redes sociais, também negou ter traído o Palácio do Planalto ao pautar a proposta.

Governo decide entrar com ação contra decisão do Congresso que derrubou alta do IOF
Líderes da Câmara disseram que não foram consultados ou avisados da iniciativa

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Em vídeo publicado ontem nas redes sociais, o parlamentar reiterou que já havia feito alertas sobre o assunto:
“Capitão que vê o barco indo em direção ao iceberg e não avisa não é leal, é cúmplice. E nós avisamos ao governo que essa matéria do IOF teria muita dificuldade de ser aprovada no Parlamento.”
A decisão do Congresso de derrubar o decreto que aumentava as alíquotas do IOF agravou a crise fiscal e piorou a situação política entre Executivo e Parlamento. Motta voltou a dizer que não atende a projetos políticos individuais:
“Presidente de qualquer Poder não pode servir a um partido, tem que servir ao seu país.”
Impasse e congelamento
O Ministério da Fazenda calculava uma receita de R$ 10 bilhões neste ano com a medida, e o dobro disso no ano que vem. Para 2025, a receita é considerada necessária para evitar um congelamento ainda maior nos gastos, hoje em R$ 31,3 bilhões.
O projeto que derrubou a alta do IOF foi aprovado por ampla margem na Câmara, com 383 votos favoráveis e 98 contrários. Já no Senado a votação foi simbólica, sem o registro nominal.
Como informou a colunista do GLOBO Bela Megale, Motta deu um recado duro a auxiliares de Lula sobre as consequências de entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a decisão do Congresso.
Motta destacou que o gesto será visto como um enfrentamento claro e só levará o Congresso a querer dobrar a aposta nos embates com Planalto. A leitura da judicialização do caso, segundo ele, será que “o governo abriu mão de governar com os parlamentares e agora busca governar com o STF.”
A falta de base no Congresso e a crescente insatisfação de parlamentares com o governo Lula são apontadas por Motta como fatores que podem levar à ingovernabilidade, caso o Planalto não consiga mudar sua relação com os congressistas. Para o presidente da Câmara, judicializar o IOF é aumentar a aposta no enfrentamento sem colocar no radar as possíveis consequências.
Responsável: Moraes será relator de ação do PSOL que pede anulação de decisão do Congresso sobre o IOF
Embora o governo ainda não tenha dado esse passo, o PSOL já ingressou com uma ação neste sentido, que ficará sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes.
Ontem, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo seguirá fazendo “justiça social” e que não adianta “gritar”. Durante o evento de lançamento do Plano Safra para a Agricultura Familiar, no Palácio do Planalto, Haddad falou das políticas sociais do governo, como o reajuste da tabela do Imposto de Renda, e o projeto do governo que visa isentar quem recebe até R$ 5 mil.
“Vamos continuar fazendo justiça social. Pode gritar, pode falar, vai chegar o momento de debate, mas temos que continuar fazendo justiça social e não podemos nos intimidar”, disse Haddad.
Ele voltou a criticar o “andar de cima”:
“Estão falando de aumento de imposto por quê? Porque estamos fechando brechas? Fazendo o andar de cima pagar? Nós vamos continuar fechando todas as brechas”, afirmou. “Isso não é aumento de imposto, é o mínimo de respeito com o trabalhador que paga as contas em dia.”
Na mesma cerimônia, Lula afirmou que o caminho para tornar o país mais justo começa pela tributação:
“Nós queremos fazer deste país um país justo. E ele começa a ser justo pela tributação e depois pela repartição. É por isso que estamos isentando o Imposto de Renda até R$ 5 mil e trabalhando para que o gás chegue mais barato à casa das pessoas.”
Em conversas com integrantes do governo, Motta se queixou de que o Planalto ignorou as medidas positivas que ele pautou e que foram aprovadas no mesmo dia da derrubada do IOF. Como a medida provisória (MP) que autoriza o uso de até R$ 15 bilhões do Fundo Social do pré-sal para habitação popular e que permite ao governo leiloar óleo e gás excedente, com potencial de arrecadar até R$ 20 bilhões.
Enquanto parte do governo mantém a narrativa de embate com o Congresso, a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, costura a retomada do diálogo com lideranças da Câmara. Alguns dos integrantes do Centrão já começam a ceder, falam em “virar a página”. Para eles, é momento de olhar para frente, desde que o governo se comprometa com mais medidas de ajuste fiscal e não insista no aumento de impostos.
‘Virar a página’
Nas redes, o governo vem apostando no discurso de “nós contra eles” e em defesa dos mais pobres. Nos bastidores, porém, o Planalto vem correndo atrás do prejuízo nos últimos dias.
“O governo tem que entender que nem sempre seremos convergentes. Essa narrativa de ir para o confronto não ajuda. Temos que virar a página e sentar com o governo. Quero conversar com a Gleisi nesta semana”, afirmou o líder do União Brasil, Pedro Lucas Fernandes (MA).
Na noite de ontem, Motta participou de um jantar na casa do ex-governador de São Paulo João Doria. Além de empresários, estavam presentes o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), o presidente do PSD, Gilberto Kassab, e o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. Nas redes sociais, Doria postou que “o empresariado aplaude” a postura do presidente da Câmara.
Motta, por sua vez, disse que “a polarização existe”, mas defendeu um caminho de diálogo:
“A Câmara tem uma responsabilidade muito grande, representando o povo brasileiro nessa pluralidade.”
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Fonte: InfoMoney