NOVA YORK* – Os investidores dos Estados Unidos querem ampliar sua presença econômica no Brasil em áreas de interesse estratégico. Em conversas recentes com representantes da Confederação Nacional da Indústria (CNI), autoridades e empresários americanos destacaram quatro setores prioritários para novos investimentos no país: minerais críticos, tecnologia de satélites, energia e data centers.
“Eles já colocaram as áreas de interesse: minerais críticos, satélites, energia e data centers“, diz à EXAME Frederico Lamego, superintendente de Relações Internacionais da CNI durante evento da entidade em Nova York nesta semana.
Esse movimento ocorre em meio ao redesenho das cadeias globais de valor, impulsionado pela busca por alternativas dos EUA à dependência da China. Atualmente, o país asiático é responsável por processar mais de 95% da produção global de minerais críticos. Os americanos veem o Brasil como uma oportunidade para diversificar esse suprimento, segundo relatos feitos à CNI.
Além dos recursos naturais, há uma ênfase em infraestrutura digital e energética. O interesse em data centers está diretamente ligado à agenda de energia limpa do Brasil, avalia a CNI, considerada atrativa pelos investidores diante da demanda crescente por soluções sustentáveis.
Investimentos em data centers são vistos como uma possibilidade muito forte.”Ainda mais com a nossa agenda verde de energia”, afirma Léo de Castro, vice-presidente da CNI.
Segundo os executivos, o setor privado americano sinalizou de forma clara o desejo de sair da tradicional pauta — centrada em etanol, aço e alumínio — e ampliar as possibilidades de cooperação. O objetivo agora é abrir uma base mais ampla de negociações e atrair investimentos com transferência de tecnologia.
“A mensagem que os americanos colocaram para a gente é que precisamos sair de uma discussão do etanol, do aço e do alumínio para ampliar uma base de negociação que seja benéfica para os dois lados”, afirma Lamego.
Castro aponta que a agenda da CNI no país é um gesto de “boa vizinhança” para apontar que o país que cooperar em outros níveis. “É um gesto de dizer que a gente quer cooperar, que está trabalhando junto e quer achar caminhos comuns tanto para o trade quanto para o investimento”, diz.
Por muitos anos, ressalta o vice-presidente, o investimento americano foi para a Ásia. “Queremos atrair o investimento americano para o Brasil”, afirma.
Essa atração, avaliam, precisa vir acompanhada de uma agenda de transferência de tecnologia.
Pauta exportadora para os EUA
Para os membros da comitiva da indústria, os americanos parecem interessados em trabalhar com o Brasil. A pauta exportadora para a maior economia do mundo é de particular interesse da CNI, uma vez que é formada pela indústria de base.
“Mais de 50% da pauta exportadora brasileira para os EUA é de produtos semi ou manufaturados. Então, o peso da indústria é maior”, diz Lamego.
Dados da CNI apontam que cada US$ 1 bilhão exportado para os EUA gera 24.000 empregos no Brasil, cifra muito maior do que a mesma comparação das exportações da China.
“Esse é o desafio endereçado para a política industrial: avançarmos na indústria de transformação. Os EUA são um grande mercado importante nosso para indústria de transformação e a China é um grande concorrente na disputa desse mercado também”, diz Castro.
Estratégia do governo Trump
Segundo os relatos de autoridades americanas, a prioridade do país no momento é fechar acordo com Índia, Coreia do Sul, Reino Unido (já feito), Japão e União Europeia, especialmente após o entendimento avançado com os ingleses, que deve ser utilizado como base para outros acordos. Com o bloco europeu a negociação está em estágio menos avançado.
“Se ele consegue estabelecer dois ou três acordos com países do G8, é bem possível que essa regra tenha o efeito dominó”, diz Lamengo. “É uma transformação da ordem econômica mundial para uma ordem que é do multilateralismo para uma ordem na qual o bilateralismo não vai ter uma predominância.”
A impressão é de que o governo Trump foca prioritariamente em sua base, formada por pessoas de classe média baixa com renda estagnada há mais de 20 anos e que não consegue poupar.
Seria uma espécie de agenda rápida, com resultados até setembro deste ano, para agradar essa base diante da aproximação das eleições de meio de mandato (midterm).
Caso os republicanos saiam sem maioria em novembro de 2026, o governo Trump pode passar seus últimos dois anos se esquivando de torpedos da oposição, como investigações sobre as ações tomadas no início do mandato.
Canal direto com os EUA e atração de talentos
A CNI também estuda institucionalizar um canal direto com o Departamento de Comércio dos Estados Unidos. Uma das ideias é por meio da iniciativa Select USA, que atualmente promove oportunidades nos EUA para empresas estrangeiras e o funciona sob o guarda-chuva do departamento de comércio norte-americano
Uma das ideias apresentadas é articular um ponto focal do Select USA dentro da CNI. Esse canal pode funcionar como um local para investimentos do Brasil nos EUA, e no fluxo contrário também.
Empresas como Gerdau, Randon e JBS já mantêm operações relevantes no mercado americano e devem expandir suas atividades neste ano, por exemplo.
A indústria de máquinas e equipamentos — que tem nos Estados Unidos 25% do seu faturamento — também se destaca como potencial beneficiada no novo ciclo de aproximação bilateral.
Paralelamente, a indústria tenta construir também uma agenda de intercâmbio de talentos. Os executivos se reuniram com a comunidade científica brasileira em Massachusetts, onde ficam as universidades Harvard e MIT.
“Precisamos pensar nessa agenda que, hoje, está no mundo, e até pensar num programa de atração de talentos”, disse Lamego.
*O jornalista viajou a convite da Apex Partners
Fonte: Exame