Um juiz federal do estado americano do Texas declarou que a invocação feita pelo governo de Donald Trump de uma lei do Século XVIII para acelerar a deportação de imigrantes é “ilegal” e “excede o escopo” original do texto. A decisão foi a primeira a considerar que a interpretação da Casa Branca para a chamada Lei do Inimigo Estrangeiro é irregular e, embora se aplique a casos específicos, poderá influenciar outros processos.
Na decisão de 36 páginas, o juiz Fernando Rodriguez Jr., indicado por Trump em seu primeiro mandato, questiona uma das principais alegações do governo para invocar a Lei do Inimigo Estrangeiro: a de que a presença da organização criminosa venezuelana Tren de Aragua nos EUA é uma forma de “incursão predatória”.
Para ele, Trump ainda não demonstrou que o grupo criminoso realiza uma invasão do território americano que justifique a aplicação da lei, de 1789, cuja intenção original era facilitar a expulsão de cidadãos de nações hostis em tempos de guerra.
Em março, quando a Casa Branca a invocou como um mecanismo para acelerar as deportações, especialmente rumo a El Salvador, o presidente disse que o Tren de Aragua era um “Estado criminoso híbrido” e que “prejudicou vidas” nos EUA, mas Rodriguez afirmou, em sua decisão, que não há provas de que a organização tenha feito isso através de um “ataque armado organizado”.
Sem esses critérios atendidos, o juiz considerou que a invocação foi ilegal. Ele não emitiu opinião sobre as alegações do governo de que os deportados fariam parte do Tren de Aragua ou de outra organização criminosa, o MS-13, surgida na Califórnia nos anos 1980.
“O presidente não pode declarar sumariamente que uma nação ou governo estrangeiro ameaçou ou perpetrou uma invasão ou incursão predatória nos Estados Unidos, seguido pela identificação dos inimigos estrangeiros sujeitos à detenção ou remoção”, escreveu Rodriguez. “A invocação da LIA (Lei do Inimigo Estrangeiro) pelo presidente através de proclamação excede o escopo do estatuto e, como resultado, é ilegal.”
Embora se aplique apenas aos imigrantes venezuelanos detidos com base na Lei do Inimigo Estrangeiro no Distrito Sul do Texas — que inclui cidades como Brownsville, Laredo e Houston — as palavras do magistrado podem influenciar outros casos semelhantes que correm em tribunais de outros estados americanos.
Até o momento, deportações com base na Lei do Inimigo Estrangeiro foram barradas de forma pontual, temporária e emergencial, sem uma análise de fato da aplicação da legislação. Mas Rodriguez, primeiro juiz latino a ser indicado por Trump, foi além ao apontar as inconsistências jurídicas, e ao questionar as alegações do Departamento de Justiça de que o uso da lei não poderia ser analisado pelos tribunais em casos de imigração.
“Permitir que o presidente defina unilateralmente as condições em que pode invocar a LIA e, em seguida, declarar sumariamente que essas condições existem removeria todas as limitações à autoridade do Poder Executivo sob a LIA e retiraria dos tribunais seu papel tradicional de interpretar estatutos do Congresso para determinar se um funcionário do governo excedeu o escopo do estatuto”, escreveu. “A Lei não respalda tal posição”.
Dentro do plano do governo Trump para acelerar de forma poucas vezes vista o ritmo de deportações que inclui pessoas em situação regular no país e até cidadãos americanos detidos de maneira irregular, a Lei do Inimigo Estrangeiro foi considerada uma forma de acelerar processos de expulsão e limitar o acesso dos imigrantes à Justiça.
No mês passado, a Suprema Corte determinou limites à legislação de 1798: na ocasião, os magistrados afirmaram que os detidos “devem receber notificação após a data desta ordem de que estão sujeitos à remoção sob a lei”, e que “a notificação deve ser feita dentro de um prazo razoável e de forma a permitir que eles efetivamente busquem habeas corpus no foro competente antes que tal remoção ocorra”.
A Casa Branca e o Departamento de Justiça ainda não se pronunciaram. A União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que questiona a invocação da Lei do Inimigo Estrangeiro em tribunais de oito estados, elogiou a decisão desta quinta-feira.
— Esta decisão reconheceu corretamente que o presidente não pode simplesmente declarar que houve uma invasão e invocar uma autoridade de guerra em tempos de paz — disse Lee Gelernt, o principal advogado da ACLU nos casos, ao New York Times. — Como o tribunal reconheceu, o Congresso nunca pretendeu que esta lei fosse usada dessa maneira.
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