Israel afirmou nesta terça-feira, 20, que a pressão externa não mudará seu rumo na guerra contra o grupo terrorista Hamas na Faixa de Gaza. A declaração foi feita após o Reino Unido anunciar que suspenderá as negociações de um acordo de livre comércio com o Estado judeu por causa do conflito no enclave palestino e impor novas sanções a colonos na Cisjordânia ocupada.
O governo britânico também informou que convocou a embaixadora israelense, Tzipi Hotovely, para expressar sua oposição à expansão das atividades militares em Gaza. Pouco depois, a chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, anunciou que o bloco revisará seu acordo de associação com Israel por causa da situação humanitária do enclave.
“Se, por uma obsessão anti-Israel e por considerações políticas internas, o governo britânico está disposto a prejudicar a economia britânica, isso é uma prerrogativa dele”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Oren Marmorstein, em comunicado à AFP. “A pressão externa não desviará Israel de seu caminho na defesa de sua existência e segurança contra inimigos que buscam a sua destruição.”
Mais cedo, o Reino Unido afirmou que, embora seu governo “continue comprometido com o acordo comercial vigente, não é possível avançar nas discussões sobre um acordo atualizado com um governo (…) que está levando a cabo políticas flagrantes na Cisjordânia e em Gaza”. O Ministério das Relações Exteriores britânico também mencionou as sanções contra colonos israelenses por atos de violência na Cisjordânia, indicando que as medidas “são consequência de um aumento dramático” dessas ocorrências, com a ONU registrando “mais de 1,8 mil ataques de colonos contra comunidades palestinas desde janeiro de 2024”.
As ações fazem parte da crescente pressão internacional contra Israel, já que sua mais recente incursão em Gaza ameaça piorar uma crise humanitária causada por um bloqueio anterior de ajuda alimentar. Ainda nesta terça-feira, a principal diplomata da Suécia afirmou que o país nórdico trabalhará dentro da União Europeia (UE) para pressionar por sanções contra alguns ministros israelenses devido ao tratamento dispensado aos civis palestinos em Gaza.
— Como não vemos uma melhora clara para os civis em Gaza, precisamos elevar o tom. Portanto, agora também vamos pressionar por sanções da UE contra ministros israelenses individualmente — disse a ministra das Relações Exteriores do país, Maria Malmer Stenergard, acrescentando que os funcionários visados serão objeto de discussões. — As sanções deverão atingir ministros que promovem políticas de assentamentos ilegais e que se opõem a uma futura solução de dois Estados.
Stenergard reforçou que a Suécia é uma “amiga de Israel”, mas destacou que, em todos os contatos de seu país com o Estado judeu, as autoridades suecas exigiram o maior acesso de palestinos a itens humanitários — e criticaram o fato de que “esse acesso não foi garantido”. Ela declarou que a Suécia está preocupada com a forma como “o governo israelense continua a escalar a situação, tanto em termos de declarações quanto de ações”.
Pressão internacional
Na segunda-feira, 22 países, incluindo a Austrália, Alemanha e nações europeias exigiram que Israel “permita a retomada total da ajuda a Gaza”. E, em nota conjunta, os líderes de Canadá, França e Reino Unido pediram o fim das “ações escandalosas” do Estado judeu no enclave. Eles ainda prometeram responder com “medidas concretas” caso o país não cesse sua ofensiva militar e não desbloqueie a ajuda humanitária.
“Israel sofreu um ataque terrível em 7 de outubro [de 2023]. Sempre apoiamos o direito de Israel de defender os israelenses contra o terrorismo, mas essa escalada é completamente desproporcional”, diz a nota assinada pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e pelos primeiros-ministros Mark Carney, do Canadá, e Keir Starmer, do Reino Unido. Os três condenaram a “linguagem odiosa usada por membros do governo israelense” e alertaram que o deslocamento forçado contínuo de civis viola o direito humanitário internacional.
Como resposta, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou ainda na segunda-feira que a declaração conjunta representava um “enorme prêmio” para o Hamas na guerra. Em nota divulgada por seu Gabinete, o premier disse que, “ao pedir que Israel encerre uma guerra defensiva” por sua sobrevivência e ao “exigir a criação de um Estado palestino, os líderes de Londres, Ottawa e Paris estão oferecendo um prêmio pelo ataque genocida a Israel em 7 de outubro, ao mesmo tempo em que convidam a repetição de tais atrocidades”.
Netanyahu também declarou que “todos os líderes europeus” deveriam seguir o exemplo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no apoio a Israel. O primeiro-ministro disse que a guerra poderia “acabar amanhã” se os reféns restantes “forem libertados, o Hamas depuser as armas, seus líderes assassinos forem exilados e Gaza for desmilitarizada”. Ele ainda afirmou que Israel “não aceitará menos que isso” e classificou o conflito como “uma guerra da civilização contra a barbárie”.
Ajuda humanitária
Já nesta terça-feira, Starmer, o premier britânico, reforçou sua condenação à “situação horrível em Gaza, onde o nível de sofrimento é totalmente intolerável”. Em declaração na tribuna do Parlamento, ele mais uma vez disse estar “horrorizado” com a escalada por parte do Estado judeu, reiterando seu “apelo por um cessar-fogo como única forma de libertar os reféns”. Ele também reforçou sua oposição aos assentamentos na Cisjordânia, além de sua exigência de “ampliar a assistência humanitária para Gaza”.
— O recente anúncio de que Israel permitirá [a entrada de] uma quantidade básica de alimentos para Gaza é totalmente inadequado. Precisamos coordenar nossa resposta porque esta guerra já dura tempo demais — disse ele. — Não podemos permitir que o povo de Gaza morra de fome, e o secretário de Relações Exteriores [britânico, David Lammy,] virá ao Parlamento em breve para detalhar a nossa resposta. Temos sido claros de que o Reino Unido nunca desistirá da solução de dois Estados, com um Estado palestino de Israel vivendo lado a lado em paz.
Também nesta terça, o subsecretário-geral para Assistência Humanitária da ONU, Tom Fletcher, afirmou que 14 mil bebês podem morrer nas próximas 48 horas na Faixa de Gaza se carregamentos de ajuda humanitária não chegarem rapidamente à população civil. No mesmo dia, o governo israelense disse ter autorizado a entrada de 100 caminhões com insumos básicos no enclave — ainda aquém dos 300 estimados pela ONU como número ideal para atender às necessidades da população, embora muito superior do que os cinco que conseguiram entrar na segunda-feira.
— Deixe-me descrever o que tem nesses caminhões: é comida para bebês. Nutrição para bebês. Existem 14 mil bebês que vão morrer nas próximas 48 horas se não conseguirmos alcançá-los. Não é comida que o Hamas vá roubar — afirmou Fletcher à Rádio 4 da BBC, em referência à acusação de Israel de que o grupo terrorista desvia ajuda. — Quero salvar o máximo possível desses 14 mil bebês nas próximas 48 horas.
Nenhum carregamento de ajuda humanitária entrava em Gaza desde 2 de março, pouco antes de Israel retomar os ataques contra o enclave palestino após a breve trégua no começo do ano para troca de reféns por prisioneiros. Desde então, organizações internacionais que atuam na região chamaram a atenção para o risco de escassez de água, comida, combustível e medicamentos — um cerco que, segundo o chefe da agência da ONU para os refugiados palestinos, Philippe Lazzarini, poderia ser interrompido com “vontade política”.
— Acho que já estamos sem palavras para tentar descrever o inferno e o horror pelos quais as pessoas estão passando. É algo definitivamente além da imaginação. Mas o pior de tudo isso é que estamos diante de uma situação em que, se houver vontade política, a guerra pode parar, o cerco imposto a Gaza pode ser suspenso — disse.
Fonte: Exame