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Indústria farmacêutica da Europa se prepara para dificuldades com ameaça de tarifas de Trump

Insulina, tratamentos cardíacos e antibióticos têm circulado livremente entre muitos países há décadas, isentos de tarifas para tornar os medicamentos mais acessíveis. Mas isso pode mudar em breve. Há meses, o presidente Donald Trump vem prometendo impor tarifas mais altas sobre produtos farmacêuticos como parte de seu plano para reorganizar o sistema comercial global e trazer de volta para os Estados Unidos indústrias-chave de manufatura. Por ora, remédios e outros produtos farmacêuticos ficaram de fora das tarifas de Trump.

Neste mês, ele afirmou que tarifas sobre medicamentos podem ser implementadas no “futuro não muito distante”. Se isso acontecer, a medida terá consequências sérias — e altamente incertas — para medicamentos produzidos na União Europeia.

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Produtos farmacêuticos e químicos são a principal exportação do bloco para os Estados Unidos. Entre eles estão o sucesso de vendas para perda de peso Ozempic, tratamentos contra o câncer, medicamentos cardiovasculares e vacinas contra a gripe. A maioria são medicamentos de marca que geram grandes lucros no mercado americano, conhecido por seus altos preços e enorme base de consumidores.

— Esses são produtos essenciais que mantêm as pessoas vivas — disse Léa Auffret, responsável pelos assuntos internacionais da BEUC, a Organização Europeia de Consumidores. — Colocá-los no centro de uma guerra comercial é extremamente preocupante.

Reação europeia às tarifas de Trump

As empresas europeias podem reagir às tarifas de Trump de várias maneiras. Algumas farmacêuticas, tentando escapar das tarifas, já anunciaram planos de aumentar a produção nos Estados Unidos, conforme deseja Trump. Outras podem decidir transferir a produção para lá posteriormente.

Algumas empresas parecem dispostas a manter suas operações atuais, mas podem aumentar os preços para compensar as tarifas, elevando os custos para os pacientes. E preços mais altos podem afetar não apenas os consumidores americanos, mas também pacientes europeus.


PARA TER CONTEXTO:


Algumas empresas já começaram a defender que a Europa crie condições mais favoráveis para seus negócios, eliminando certas regras que mantêm os preços dos medicamentos baixos.

Ou pode haver uma solução intermediária: as empresas poderiam transferir seus lucros financeiros para os Estados Unidos para fins contábeis, evitando as taxas de importação, enquanto mantêm suas fábricas físicas no exterior para escapar dos altos custos de mudança e da dificuldade de montar novas cadeias de suprimento.

O grupo de Auffret já alertou autoridades europeias que não devem retaliar com tarifas sobre medicamentos americanos: uma resposta olho por olho traria um custo sério demais para os consumidores europeus.

Mas o setor farmacêutico é complicado. Acordos com companhias de seguros e agências governamentais podem dificultar a rápida alteração de preços de medicamentos de marca, enquanto regulamentações governamentais tornam a mudança de produção um desafio e um compromisso de longo prazo. O resultado é que ninguém pode prever com confiança o desfecho.

— Não tarifamos produtos farmacêuticos há muito tempo — disse Brad W. Setser, economista do Conselho de Relações Exteriores que estudou de perto as regras fiscais que incentivam a produção no exterior.

Suspensão: até quando?

Mesmo enquanto Trump suspende suas chamadas tarifas “recíprocas” em favor de uma taxa geral de 10% durante o período de pausa, ele manteve algumas tarifas específicas por setor e deixou claro que os chips de computador e os produtos farmacêuticos seriam os próximos. Os Estados Unidos iniciaram recentemente investigações sobre ambos os setores, um primeiro passo para a aplicação de tarifas.

Muitos especialistas da indústria esperam que as novas tarifas possam ser de 25%, em linha com as aplicadas ao aço, alumínio e automóveis.

Irlanda: farmacêuticos são 80% das exportações aos EUA

Para os países no centro da indústria farmacêutica europeia, as possíveis tarifas são particularmente preocupantes. Isso é especialmente verdadeiro para a Irlanda, onde os produtos farmacêuticos representam 80% de todas as exportações para os Estados Unidos.

Muitas empresas farmacêuticas originalmente se mudaram para a Irlanda por causa das baixas taxas de imposto corporativo. Mas o país também trabalhou para desenvolver sua indústria farmacêutica e oferece acesso a uma força de trabalho altamente qualificada.

Nos últimos anos, o setor cresceu rapidamente. Mais de 90 empresas farmacêuticas estão atualmente estabelecidas na Irlanda, de acordo com a Agência de Investimento Estrangeiro Direto do país, e muitas das maiores farmacêuticas americanas têm operações lá.

No ano passado, a indústria farmacêutica irlandesa exportou 58 bilhões de euros (cerca de 66 bilhões de dólares) em produtos farmacêuticos e químicos para os Estados Unidos.

“Os irlandeses são espertos, sim, muito espertos”, disse Trump em março, enquanto o primeiro-ministro irlandês Micheál Martin visitava a Casa Branca. “Vocês levaram nossas empresas farmacêuticas e outras companhias”, afirmou.

“Esta bela ilha de 5 milhões de pessoas tem toda a indústria farmacêutica dos EUA em suas mãos.”

Agora, as tarifas podem começar a corroer os benefícios de produzir lá — o que é exatamente o objetivo de Trump.

— Nos EUA, não fabricamos mais nossos próprios medicamentos — disse Trump na semana passada a partir do Salão Oval, acrescentando que “as empresas farmacêuticas estão na Irlanda.”

As empresas já estão se preparando. Estatísticas sugerem que muitas têm corrido para exportar seus produtos farmacêuticos da Irlanda para o mercado americano antes que as tarifas sejam aplicadas.

E a Irlanda não é o único país afetado. Alemanha, Bélgica, Dinamarca e Eslovênia também são grandes exportadores.

— É uma questão enorme para a Europa — disse Penny Naas, que lidera um programa de competitividade no think tank German Marshall Fund e trabalha há muito tempo em políticas públicas e assuntos corporativos europeus.

Transferência de investimentos para os EUA

Indústria farmacêutica da Europa se prepara para dificuldades com ameaça de tarifas de Trump

Ursula Von der Leyen destacou que a UE responderá ‘unida’ às tarifas americanas (Frederik Florin/AFP)

Líderes europeus vêm buscando diálogo tanto com autoridades dos EUA quanto com a indústria. Além da recente visita do primeiro-ministro irlandês ao Salão Oval, o ministro das Relações Exteriores da Irlanda viajou a Washington para se reunir com a secretária de Comércio.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, reuniu-se em Bruxelas com a Federação Europeia de Indústrias e Associações Farmacêuticas, o grupo de lobby que representa os maiores fabricantes de medicamentos da Europa.

A indústria está aproveitando o momento para pressionar por demandas antigas, como a redução da burocracia.

O grupo de lobby farmacêutico europeu disse a von der Leyen que as empresas poderiam transferir a produção ou os investimentos para os Estados Unidos para limitar sua exposição às tarifas de Trump, especialmente em um momento em que aprovações mais rápidas e acesso facilitado a capital tornam os EUA mais atraentes.

Pelo menos 18 membros do grupo, que inclui Bayer, Pfizer e Merck, planejam investir cerca de 165 bilhões de euros na UE nos próximos cinco anos. A federação alertou que até metade desse valor poderia ser redirecionado para os EUA. E não está sozinha nessa previsão.

— A indústria farmacêutica precisa de condições mais atraentes para produzir na Europa —disse Dorothee Brakmann, diretora da Pharma Deutschland, a maior associação de empresas farmacêuticas da Alemanha.

Esses alertas parecem ter fundamento. Algumas empresas já começaram a anunciar planos para investir mais nos Estados Unidos; a Roche, por exemplo, anunciou na semana passada um plano de investimento de US$ 50 bilhões no mercado americano, o mais recente de uma série de anúncios semelhantes.

Em um artigo publicado na semana passada, os CEOs da Novartis e da Sanofi sugeriram que reduzir a regulamentação não seria suficiente para conter a fuga de investimentos. Eles argumentaram que “os controles de preços e as medidas de austeridade da Europa reduzem a atratividade de seus mercados” e que o bloco deveria abrir caminho para preços mais altos.

Executivos da indústria também alertaram que tarifas sobre o setor poderiam prejudicar cadeias de suprimento, limitar o acesso de pacientes a medicamentos e desestimular a pesquisa e desenvolvimento.

“Existe um motivo” para as tarifas sobre medicamentos serem fixadas em zero, disse Joaquin Duato, CEO da Johnson & Johnson, durante uma recente teleconferência de resultados:

— É porque tarifas podem causar interrupções na cadeia de suprimentos, levando a escassez de medicamentos.

Von der Leyen enfatizou preocupações semelhantes, alertando que tarifas sobre o setor farmacêutico representam riscos para “cadeias de suprimento globalmente interconectadas e para a disponibilidade de medicamentos tanto para pacientes europeus quanto americanos”.

As tarifas farmacêuticas também apresentam outro perigo para a UE. O bloco vem tentando fortalecer sua capacidade de fabricar medicamentos genéricos — produtos medicamente essenciais, mas muito menos lucrativos do que os de marca —, cuja produção é frequentemente baseada na Ásia.

Mas, se tarifas dos EUA fizerem com que fabricantes de genéricos na China e na Índia procurem novos mercados fora da América, isso pode levar a uma enxurrada de pílulas mais baratas do que o habitual entrando na Europa.

Isso tornaria ainda mais difícil para a UE estabelecer uma base de produção doméstica de genéricos, ao mesmo tempo em que as tarifas atraem a produção de medicamentos de marca para os Estados Unidos.

— Achamos que é provável que isso leve a um aumento dos investimentos nos EUA— disse Diederik Stadig, economista setorial do ING.— A Comissão Europeia precisa estar atenta.

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