Numa consulta rotineira ao médico, uma mulher pode ter a vida transformada ao fazer um simples exame de sangue. O sistema de saúde, já saturado de diagnósticos tardios, ganha uma nova esperança com a chegada da startup Huna. Fundada em 2021 por Daniella Castro e Vinicius Ribeiro, a empresa integra dados como o do hemograma para identificar padrões de risco ocultos, que indicam a presença de câncer de mama.
“A ideia surgiu da minha experiência no laboratório de Inteligência Artificial da UFMG, onde já trabalhava com dados de saúde. Percebi que exames como glicose e colesterol, quando analisados em conjunto, podem revelar padrões importantes. Isso é o que aplicamos na nossa tecnologia, mas no caso do câncer,” explica Daniella, PhD em IA e CTO da empresa.
Hoje, a Huna analisa testes feitos até um ano antes, mas a ideia é que, num futuro ideal, a tecnologia da Huna se integre diretamente ao processo de triagem de saúde pública e privada, utilizando exames como o hemograma para detectar sinais precoces de câncer e, consequentemente, facilitando a identificação de pacientes com risco.
“O custo do câncer é impagável se diagnosticado tardiamente. Quando conseguimos identificar os casos com antecedência, o tratamento fica mais barato e a sobrevida do paciente aumenta”, diz Ribeiro, CEO da Huna e com mais de 15 anos de experiência com iniciativas de impacto, sendo 8 deles ligados à IA.
A startup, que começou com US$ 850 mil em 2022, recentemente levantou uma extensão de US$ 1,5 milhão em sua rodada de investimentos pré-seed, liderada pela Kortex Ventures. Entre os investidores estão Big_Bets, Niu Ventures e New Ventures Capital, especializada em investimentos de impacto.
Além dos fundos, a Huna atraiu médicos e empreendedores, incluindo Bebeto Nogueira, “olheiro” da Andreessen Horowitz (a16z) no Brasil, que se tornou um investidor-anjo. A gestora já investiu em empresas como Airbnb, Foursquare, Stripe, Instagram, Facebook, Rappi e as brasileiras Loft e NG.Cash.
O que faz a Huna?
A proposta da Huna é simples: usar IA para encontrar assinaturas biológicas no sangue que indiquem risco de câncer de mama. A startup complementa, e não substitui, exames como a mamografia. “A triagem inteligente é nossa principal ferramenta. Ao invés de testar todos aleatoriamente, nossa tecnologia organiza a fila de exames e prioriza os casos com maior risco”, explica Ribeiro.
Vale ressaltar que a Huna não precisa realizar novos exames no paciente para obter os resultados. Ela usa o hemograma mais recente e aplica sua tecnologia sobre esses dados, tornando o processo mais barato e simples do que os métodos convencionais de diagnóstico precoce.
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Em maio de 2024, Daniella Castro, Vinicius Ribeiro e outros doze pesquisadores publicaram os primeiros resultados da Huna na prestigiada revista científica Nature. A equipe analisou hemogramas de quase 400 mil mulheres e identificou 2.861 casos (0,72%) com risco de câncer de mama e outros 979 casos altamente suspeitos.
Desde então, novos testes feitos mostram que, entre 500 mil pacientes, a Huna identificou entre duas a três vezes mais casos de câncer de mama do que o método tradicional, que encontra 1 caso a cada mil. “Nossa tecnologia está ajudando a identificar o câncer em sua fase inicial, o que é crucial para o sucesso do tratamento”, explica Castro.
Outro destaque é a base de dados robusta da Huna, com mais de 5 milhões de pacientes representados nos dados que a empresa usa para treinar seus algoritmos. Isso permite aprimorar os modelos e, em breve, expandir a capacidade de detectar outros tipos de câncer, como colo de útero, próstata e colorretal. “A grande vantagem do sangue é que ele é acessível e de fácil obtenção”, diz Ribeiro.
Modelo de negócio
A Huna quer ser uma “one-stop-shop” para a detecção precoce de câncer, transformando exames simples em ferramentas de triagem inteligente. “Queremos ser um provedor de inteligência para o sistema de saúde, não apenas oferecer um software”, explica Vinicius Ribeiro. “Nosso foco é integrar nossa tecnologia em diferentes etapas da triagem, desde operadoras de saúde até prefeituras com recursos limitados”.
Além dos testes realizados com grandes operadoras de saúde, como as cooperativas Unimed, a Huna também se destaca pelo impacto no setor público. Recentemente, a empresa realizou um piloto com a Secretaria de Saúde de um grande município no Nordeste, analisando os dados de 100 mil pacientes.
“A resposta foi impressionante. Conseguimos identificar de forma eficiente os pacientes com maior risco e ajudar a priorizar quem deve ser examinado com mais urgência. Essa integração com o sistema público é uma das partes mais gratificantes do nosso trabalho“, conclui Ribeiro.
Fonte: Exame