Hernán Kazah é um dos nomes mais influentes no ecossistema de tecnologia e venture capital da América Latina.
Um dos fundadores do Mercado Livre e da Kaszek Ventures, Kazah é uma figura central na transformação digital da região, tanto como empreendedor quanto investidor.
Com uma trajetória marcada pela criação do Mercado Livre, que se consolidou como o maior e-commerce da América Latina, Kazah continua sua carreira ao fundar a Kaszek Ventures, um dos fundos de venture capital mais proeminentes da região.
A Kaszek já levantou mais de US$ 3 bilhões e investiu em mais de 120 startups, incluindo nomes de destaque como Nubank, QuintoAndar, Loggi e Creditas.
Com uma visão estratégica apurada e experiência adquirida ao longo de anos em empresas de tecnologia, Kazah tem demonstrado um olhar atento para os movimentos do mercado e as mudanças no cenário global.
Nesta terça-feira, 29 de abril, ele se apresenta no Web Summit 2025, no Rio de Janeiro, para compartilhar suas reflexões sobre o futuro do venture capital, as oportunidades trazidas pela inteligência artificial (IA) e o papel da América Latina no ecossistema global de inovação.
No primeiro dia do evento, Kazah falou à EXAME sobre um dos pontos centrais de seu discurso atual, sobre a realidade de duas histórias diferentes no mercado de venture capital: uma de desafios para empresas ainda em busca de um bom modelo de negócios e outra, mais promissora, para empresas que já conquistaram o tão desejado Product Market Fit.
Ele também discute a ascensão da inteligência artificial como uma revolução tecnológica e aponta como a América Latina pode, sim, ser protagonista dessa transformação, especialmente na camada de aplicativos e soluções especializadas.
Nesta entrevista, Kazah fala sobre as tendências que estão moldando o futuro do mercado de tecnologia, o impacto da guerra tarifária entre os Estados Unidos e a China na América Latina e as oportunidades que surgem para empresas da região.
Ele também compartilha sua visão sobre como as empresas locais podem aproveitar sua vantagem competitiva, seja no acesso a dados exclusivos, como no caso do Mercado Livre, ou no desenvolvimento de soluções altamente especializadas para o mercado latino-americano.
Você está no Web Summit para falar sobre o que está acontecendo no mundo da tecnologia e venture capital. O que você está observando aqui no evento? Quais empresas despertam seu interesse?
Eu adoro participar desses eventos, pois são super eficientes. Aqui, conseguimos fazer reuniões a cada meia hora, com vários dos empreendedores do nosso portfólio, outros que queremos conhecer melhor, além de conversas com jornalistas e potenciais parceiros. A conversa de amanhã será mais focada no que está acontecendo no mundo da tecnologia e venture capital. Por um lado, as manchetes mostram um mercado superativo, mas, claro, não com a mesma intensidade de 2021. Ainda assim, a atividade está em níveis similares a 2020, um pouco acima de 2022, e mais do que o que vimos em 2023.
Qual a sua visão sobre o cenário atual das empresas de tecnologia?
O nome da minha palestra é “City of Two Tales” (Cidade de Duas Histórias), porque há duas realidades distintas. Por um lado, para as companhias que ainda não têm um modelo de negócios consolidado, que continuam queimando capital e precisam mais tempo e recursos para alcançar um bom produto viável para o mercado (o Product Market Fit), está muito difícil captar capital. Para essas empresas, seja no estágio Seed ou Série A, que ainda estão vendendo promessas, pode ser mais fácil atrair investidores. No entanto, para empresas em estágios mais avançados, como Série B, C e D, os investidores estão buscando empresas que já tenham um modelo de negócios consolidado, um bom Product Market Fit e unit economics sólidos. Se a empresa não estiver nesse estágio, é difícil captar recursos.
Então, a maioria das empresas ainda enfrenta dificuldades para captar recursos?
Exatamente. Na indústria de tecnologia, você geralmente está “debaixo d’água” até conseguir emergir. Isso significa que a maioria das empresas está encontrando dificuldades nesse momento. Mas, como investidores, vemos uma boa oportunidade, pois dentro desse grande número de empresas que estão enfrentando dificuldades, sempre há algumas que vão encontrar o sucesso e compensar as perdas. Estamos de olho nesse setor, mas é desafiador identificar quais empresas vão ser bem-sucedidas a longo prazo.
Você mencionou a inteligência artificial (IA). Quais são suas perspectivas sobre o impacto da IA no futuro?
A IA é uma realidade que está mudando o mundo. Se há 20 anos falávamos de “internet companies”, no futuro, todas as empresas serão “companies with AI“. A IA vai transformar a maneira como as empresas operam e trabalham. Em termos de investimentos, todo mundo quer estar nessa área. No entanto, é importante destacar que muitas empresas hoje estão sendo inflacionadas em termos de valuation. Embora a IA vá mudar o mundo, muitas empresas que estão recebendo capital podem não entregar o retorno esperado. Porém, algumas vão ter um sucesso excepcional e compensar as perdas.
Qual é o papel da América Latina nesse cenário da IA? O Brasil pode se destacar de alguma forma?
A analogia que gosto de usar é a da internet móvel. Quando a internet móvel surgiu, os principais players foram o Android e o iOS, com o Brasil e o México não tendo um papel importante na camada de plataforma. Contudo, na camada de aplicativos, surgiram muitas empresas de sucesso. O mesmo está acontecendo com a IA. A camada de plataforma está sendo dominada por empresas como OpenAI e Gemini, e esses grandes investimentos estão concentrados em mercados como os Estados Unidos e a China. Porém, na camada de aplicativos, há um enorme potencial para empresas da América Latina, incluindo o Brasil.
O Brasil pode competir na camada de plataforma ou o foco será mesmo na camada de aplicativos?
Acredito que o Brasil e a América Latina têm mais chances de prosperar na camada de aplicativos, onde o custo de capital e de engenharia é mais acessível. A camada de plataforma requer grandes investimentos e é difícil competir com players globais. Mas na camada de aplicativos, temos oportunidades significativas. Empresas que já têm acesso a dados exclusivos ou clientes têm uma vantagem competitiva. Por exemplo, bancos podem usar dados dos seus clientes para oferecer melhores produtos, como crédito, e empresas como Mercado Livre podem usar dados de compras para fazer recomendações mais precisas.
Poderia dar um exemplo de como esses dados podem ser usados para criar vantagens competitivas?
Um exemplo claro é o setor de fintechs e B2B. No Brasil, temos questões muito específicas que não são facilmente abordadas por soluções globais, como impostos e folha de pagamento. O OpenAI poderia criar um modelo que ajudasse a resolver esses problemas, mas seria necessário um foco muito específico, adaptado à realidade local. Para resolver problemas como o sistema tributário brasileiro ou a integração de folha de pagamento com impostos, é necessário um nível de especialização que uma plataforma global dificilmente teria. Essas são oportunidades que podem gerar empresas vencedoras localmente, sem necessariamente dominar o mercado global.
Quais são os maiores desafios para criar unicórnios na América Latina, especialmente com a IA em jogo?
Os empreendedores estão mostrando as grandes oportunidades que existem, especialmente em áreas como infraestrutura e fintech. Mas, ainda assim, existem desafios significativos. O mercado está amadurecendo, e as oportunidades vão além de apenas replicar modelos globais. O que estamos vendo agora são mais iniciativas de nicho, que têm uma chance de criar um vencedor local. O futuro está em identificar essas oportunidades específicas e, com isso, alcançar o sucesso, mesmo sem necessariamente ser um gigante global.
E como vê o cenário macroeconômico, em especial a guerra tarifária entre os EUA e a China, e o impacto disso na América Latina?
Esse é um ponto crucial para entendermos as dinâmicas globais. A guerra comercial entre os EUA e a China gerou uma série de tensões econômicas e tarifárias que afetaram muito o mercado global. Isso criou um ambiente de incerteza, mas, ao mesmo tempo, também trouxe oportunidades para outras regiões, como a América Latina. No contexto da IA, a América Latina pode se beneficiar dessa tensão, pois as empresas da região têm a chance de se posicionar como alternativas mais ágeis e flexíveis em relação aos grandes players globais.
Quais são as oportunidades específicas para as empresas da América Latina nesse cenário?
A América Latina tem várias vantagens para aproveitar. Primeiramente, temos uma infraestrutura de energia relativamente barata e limpa, o que é um atrativo para empresas de tecnologia, especialmente no setor de data centers. Além disso, a localização geográfica estratégica da região, no centro do continente, facilita a conexão com os principais hubs de dados globais. Outro ponto é o talento humano. Nesse contexto, as empresas latino-americanas têm uma excelente oportunidade de se tornar importantes players no ecossistema global de IA, especialmente no setor de aplicativos e soluções especializadas.
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