A menos de 200 dias da COP30 em Belém, o Brasil tenta intensificar esforços diplomáticos para transformar a conferência em um divisor de águas na agenda climática global.
O grande objetivo é superar a fase de compromissos formais para avançar na implementação efetiva das políticas ambientais já acordadas.
“Estamos com uma série de acordos negociados, mas o grande problema é pôr em prática”, explicou João Paulo Capobianco, Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente, em entrevista à Exame.
“O essencial é que a gente de fato consiga fazer aquela que estamos chamando de virada ou de mudança de rota, que é parar de negociar e implementar”.
Da negociação à implementação
A abordagem brasileira busca superar limitações que ficaram mais evidentes na COP29, em Baku, onde, em um contexto de muitos impasses e recuos, o foco principal recaiu sobre a definição de metas financeiras, com resultados considerados insuficientes.
O acordo final do Azerbaijão, que propôs que países ricos desembolssem US$ 300 bilhões anuais para ações climáticas em nações em desenvolvimento, não agradou pelo valor muito abaixo do US$ 1,3 trilhão reivindicado pelo Sul Global.
Além da insatisfação com o montante de financiamento, a conferência anterior também ficou marcada por um retrocesso significativo na questão dos combustíveis fósseis.
Após a COP28 em Dubai ter dado o primeiro sinal histórico para o fim da exploração desses combustíveis, o acordo de Baku sequer mencionou o setor – o que foi atribuído ao bloqueio (e presença massiva) de países produtores de petróleo.
Outro aspecto relevante: enquanto a COP29 enfrentou dificuldades para avançar na implementação de compromissos como o “Consenso dos Emirados Árabes Unidos” sobre transição energética, o Brasil tem agora a missão de estabelecer uma dinâmica diferente em Belém, focando na execução dos acordos anteriormente assumidos.
“Temos um papel muito relevante em colocar temas na convenção pela sua articulação com o clima. O primeiro foi a questão da conservação de florestas“, refletiu Capobianco.
“Agora, a partir das negociações que o Brasil vem liderando, conseguimos incluir o segundo elemento fundamental que são os serviços ecossistêmicos, ou seja, para além do carbono.”
O secretário acredita que esta visão mais abrangente já conquistou reconhecimento em fóruns estratégicos como o G20 e o BRICS, abrindo oportunidades econômicas para nações tropicais detentoras de biodiversidade.
Pragmatismo e ambição nas metas climáticas
Quanto às metas brasileiras de redução de emissões, Capobianco defendeu o pragmatismo adotado pelo governo. O Brasil submeteu uma NDC prevendo redução entre 59% e 67% das emissões até 2035.
“Quando alguém questiona essa meta dizendo que não é ambiciosa, eu discordo duramente. Ela é uma meta entre as mais ambiciosas. Agora, ela tem que ter uma aderência na sociedade e no setor econômico e tem que ter credibilidade”, argumentou.
A estratégia ministerial, segundo o secretário, concentra-se ainda na construção de planos setoriais que orientem a transição econômica brasileira.
“Estamos desenvolvendo sete planos setoriais de mitigação, com o setor assumindo, identificando metas, trajetórias, responsabilidades”, detalhou Capobianco, enfatizando a corresponsabilização dos agentes econômicos.
As metas são elaboradas com base em estudos técnicos conduzidos por metodologias reconhecidas pelas Nações Unidas, em cenários que consideraram projeções de crescimento econômico, compromissos setoriais e a adoção de novas tecnologias, resultando em metas simultaneamente ambiciosas e exequíveis.
Diferentemente de outros países que projetam crescimento de emissões antes de reduções futuras, o Brasil já se comprometeu com uma trajetória descendente imediata.
“Considero que adotamos um caminho inovador ao criar quedas contínuas de emissão. Não são muitos países que fizeram isso e muito menos nações em desenvolvimento”, destacou Capobianco.
Financiamento climático: além das promessas
Um dos principais desafios para a implementação de políticas climáticas é o financiamento.
“O quanto disso tem que ser transferência pra outros países que estão ficando para trás? O Brasil, a COP, os presidentes da COP vão ter que apresentar nesta edição da Conferência um mapa do caminho, um processo pra chegar no US$ 1,3 trilhão”, explicou Capobianco.
O secretário acredita fortemente no apetite do mercado por investimentos sustentáveis. E destaca como caminhos para viabilizar essa transformação, iniciativas do governo brasileiro para ampliar recursos destinados à agenda ambiental, como o lançamento de títulos verdes que proporcionaram aportes significativos ao Fundo Clima.
Outra aposta brasileira está em fomentar e difundir iniciativas como o Leilão Eco Invest, que permite a bancos e outras instituições financeiras ofertar lances para obter linhas de crédito subsidiadas para financiar projetos que visam a sustentabilidade.
Os ministérios da Fazenda, Meio Ambiente e Mudança do Clima, com apoio do Ministério da Agricultura e Pecuária e do BID, anunciarão na próxima segunda-feira, 28, o 2º Leilão Eco Invest.
A expectativa, conforme divulgado previamente pelos ministérios, é mobilizar recursos para recuperar 1 milhão de hectares de terras degradadas no âmbito do Programa Caminho Verde Brasil.
“O que estamos fazendo com programas assim é um mecanismo de blending, onde colocaremos um bilhão de dólares de recurso, chamando o setor bancário para dobrar ou triplicar esse valor”, detalhou o secretário sobre a iniciativa.
O crédito deve ser oferecido para o setor agropecuário, estimulando a conversão de pastagens degradadas.
Mobilização internacional e plataforma para implementação
Na Cúpula Virtual sobre Ambição Climática realizada na última semana e comandada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva e pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, que reuniu 17 chefes de Estado e de governo, o brasileiro cobrou maior responsabilidade dos países desenvolvidos.
“Os países ricos, que foram os maiores beneficiados pela economia baseada em carbono, precisam estar à altura de suas responsabilidades”, disse Lula.
O presidente enfatizou ainda outro aspecto amplamente lembrado pela linha de frente de gestão da COP30 (sobretudo o presidente da COP de Belém, André Corrêa do Lago, e a CEO, Ana Toni): a importância do multilateralismo.
“Negar a crise climática não vai fazê-la desaparecer. Precisamos assegurar que o multilateralismo e a cooperação internacional sigam como pedra angular da resposta global à mudança do clima”, salientou o presidente.
Durante o evento, Lula introduziu também o conceito de “mutirão” para caracterizar o espírito que espera na conferência.
“No Brasil, quando queremos mobilizar esforços em torno de um objetivo comum, utilizamos uma palavra de origem indígena chamada ‘mutirão’. Queremos fazer da COP30 um grande mutirão em prol da implementação dos compromissos climáticos”, afirmou.
A COP no Brasil, e não do Brasil
Enquanto a COP29 em Baku enfrentou dificuldades para avançar na agenda de implementação, a intenção do governo brasileiro é fazer da COP30 o início de uma fase “pós-negociação” do regime climático.
Será preciso tornar a ação mais ágil e reduzir a frustração com a incapacidade das COPs de transformar decisões em medidas concretas.
Nos próximos 200 dias, o Brasil precisará demonstrar capacidade de coordenar a implementação doméstica de suas políticas climáticas enquanto catalisa consensos internacionais transformadores.
O sucesso da COP30 não se medirá apenas pela qualidade dos acordos firmados, mas pela efetividade em convertê-los em modificações estruturais na relação entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.
Não por acaso, o presidente Lula abriu a Cúpula Virtual, que classificou com o início de um amplo movimento rumo à COP30, com “um convite para um diálogo franco, aberto e genuíno sobre o que é preciso fazer para avançar na luta contra a mudança do clima”.
E na sequência, pediu apoio ao Balanço Ético Global; à Aliança Global de Combate à Fome e à Pobreza; à Iniciativa Global pela Integridade das Informações sobre a Mudança do Clima; e ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre.
Na conversa com Exame, João Paulo Capobianco lembrou, contudo, que é necessária uma distinção fundamental entre os papéis do Brasil como anfitrião e como negociador, para gerenciar expectativas quanto aos resultados da conferência.
O secretário reforçou ainda o fato de a COP30, apesar de sediada em território nacional, ter uma agenda internacional pré-estabelecida.
“Do ponto de vista global, a COP tem um valor e uma relevância muito grande para o país como o Brasil. Mas a agenda internacional e a nacional são duas agendas que ocorrem em paralelo. Claro, há interseção, mas têm trajetórias separadas”, explicou.
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