Em 2011, o projeto de exploração de petróleo no campo de Papa-Terra, na Bacia de Campos (RJ), parecia irretocável para a Petrobras (PETR4). Mas a suspeita de que os dutos de distribuição passariam por uma área de corais profundos fez com que o Ibama exigisse novos estudos, que comprovaram a existência do impacto. A intervenção do órgão ambiental levou o trajeto a ser refeito, mas não inviabilizou a exploração de petróleo e gás natural, existente até hoje. Em 2022, o campo foi vendido para a 3R Offshore por cerca de 100 milhões de dólares.
Esse foi um dos casos em que a legislação atual que rege o licenciamento ambiental protegeu a biodiversidade. Parlamentares favoráveis ao projeto que flexibiliza as regras, já aprovado no Senado e em tramitação na Câmara dos Deputados, argumentam que haveria um excesso de burocracia, prejudicando o desenvolvimento do país.
Desde 1997, o modelo de licenciamento com três fases obrigou medidas de mitigação de danos, como alteração do desenho de obras ou de compensação, que incluem reassentamentos de moradores afetados, reflorestamentos de áreas degradadas e obras de infraestrutura de áreas vizinhas.
— Esse caso do Papa-Terra foi um exemplo clássico, muito claro, de como o licenciamento ambiental ajudou a impedir o impacto sobre estruturas biológicas importantes, sensíveis e super-raras — afirma Leandro Valentim, funcionário do setor de licenciamento do Ibama.
Valentim acompanhou diversos processos da época do Pré-Sal, quando exigências do licenciamento precisaram ser redimensionadas devido aos portes até então inéditos dos projetos. Em 2014, por exemplo, a Petrobras teve de unir os planos de monitoramento das praias com o de proteção à fauna. O resultado foi a instalação, na costa entre Santa Catarina e Rio, de 17 estruturas entre centros de reabilitação ou bases de apoio para animais vítimas de vazamentos.
— Não foi proposto de início pela Petrobras, mas exigência do licenciamento, num ganho tremendo — avalia Valentim.
‘Vale da morte’
O licenciamento ambiental também foi considerado crucial para a recuperação de Cubatão (SP), município que era conhecido como o “Vale da morte” devido à alta poluição na década de 1980. A legislação permitiu identificar, avaliar e mitigar os impactos negativos das atividades industriais, controlando a emissão de poluentes e garantindo a qualidade da água e do ar, além de promover a recuperação da Mata Atlântica e a preservação da biodiversidade local.
— Antes era o “Vale da morte”, crianças nasciam anencéfalas… Foi o licenciamento corretivo que mudou isso — destaca Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima.
As regras atuais ajudaram ainda a salvar as vidas de milhares de animais no projeto da rodovia BR-158, que vai do Pará ao Rio Grande do Sul. Com o monitoramento de fauna, obrigatório na Licença de Instalação, a segunda das três fases do processo, foi descoberto que a estrada passaria por hotspots, locais com concentração especial de biodiversidade. Por isso, houve alterações no projeto para a instalação de passagens de fauna.
— Posteriormente, o monitoramento comprovou que os animais estavam usando essas passagens, o que significa atropelamentos evitados — afirma Clarisse Guerreiro, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) que trabalhou no licenciamento do projeto.
Já o projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte enfrentou polêmicas e intensos protestos, em especial de indígenas do território do Xingu. Mas a obra teve sua licença de instalação emitida em 2011, cinco anos após o início do processo de análise.
Devido aos danos previstos ao ecossistema local, o Ibama e as demais autoridades exigiram uma série de condicionantes, como reassentamento de moradores afetados, monitoramento de fauna e flora e manutenção da navegabilidade e vazão mínima do Rio Xingu. Também foi demandada a construção de infraestrutura em cidades do entorno, como redes de abastecimento de água e saneamento.
Apesar de parte da comunidade relatar que nem tudo foi concluído, especialistas apontam que o licenciamento ambiental foi essencial para garantir metas e prazos, o que permitiu cobranças judiciais. Em 2016 e 2017, por exemplo, a Justiça Federal chegou a suspender a licença de operação de Belo Monte pela falta de conclusão da rede de saneamento de Altamira (PA), o que precisava ter sido entregue em 2014.
As maiores queixas remanescentes são em relação às medidas de compensação para as populações indígenas afetadas. Segundo Bruna Trindade, assessora jurídica da Associação Araweté, 80% das condicionantes não foram cumpridas. Procurada, a Norte Energia, concessionária responsável por Belo Monte, não quis comentar.
— A maioria das aldeias não tem água potável, não houve construção de escolas, nem revisão do programa de compensação e mitigação dos danos, que não está acompanhando o desenvolvimento e fluxo das comunidades — critica Trindade, reforçando, no entanto, a importância das regras de licenciamento. — Sem esse instrumento, os prejuízos certamente teriam sido ainda mais severos.
Fábio Ishisaki, assessor de políticas públicas do Observatório do Clima (OC), explica que as experiências internacionais demonstram a necessidade de instrumentos como o licenciamento ambiental para controlar atividades humanas de impacto:
— Os gargalos na análise do licenciamento ambiental são, por vezes, relacionados à má qualidade dos relatórios apresentados pelos solicitantes, e não por burocracia. O problema não é querer otimizar os processos, mas sim se avançar com um texto que não resolve, mas sim aprofunda os problemas socioambientais, climáticos, jurídicos e econômicos.
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Fonte: InfoMoney