A proposta de reduzir a carga horária semanal de trabalho no Brasil voltou ao centro das discussões após um pronunciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em rede nacional, no dia 1º de maio, ele defendeu que o país debata a jornada 6×1 — seis dias trabalhados para um de descanso.
“Nós vamos aprofundar o debate sobre a redução da jornada de trabalho vigente no país, em que o trabalhador e a trabalhadora passam seis dias no serviço e têm apenas um dia de descanso. A chamada jornada 6 por 1. Está na hora de o Brasil dar esse passo, ouvindo todos os setores da sociedade, para permitir um equilíbrio entre a vida profissional e o bem-estar de trabalhadores e trabalhadoras”, disse o presidente em pronunciamento nas redes de televisão e rádio.
A fala do presidente se refere a uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada em fevereiro pela deputada Érika Hilton (PSOL-SP), que prevê a redução da jornada semanal de 44 para 36 horas, sem alterar o limite diário de 8 horas. A PEC ainda não começou a tramitar no Congresso.
Como nasceu o Movimento VAT – campanha contra a escala 6×1
O estopim para o movimento popular contra a escala 6×1 veio das redes sociais. Em 13 de setembro de 2023, Rick Azevedo, então balconista de farmácia, publicou um vídeo no TikTok desabafando sobre a falta de qualidade de vida imposta pelo regime de seis dias de trabalho para um de folga.
A repercussão foi imediata. De um desabafo pessoal, Rick viu nascer o Movimento VAT — Vida Além do Trabalho, que mobilizou mais de 1,3 milhão de pessoas por meio de uma petição online. O grupo pediu o fim da escala 6×1 e a adoção de uma jornada mais humana, como o modelo 4×3 (quatro dias de trabalho e três de descanso).
“As pessoas precisam viver além do trabalho. A geração passada foi ensinada a anular a própria vida em nome de uma escala escravagista”, diz Rick.
@rickazzevedo Até quando essa escravidão?? 😡 #clt #escala6x1 #fy
Da internet para as ruas: o avanço da mobilização
Com o crescimento do engajamento digital, Rick estruturou grupos de apoio em diferentes estados e levou a pauta às ruas, com panfletagens em centros urbanos como a Praça da Sé (SP) e a Central do Brasil (RJ). Ele também organizou ações em universidades federais e articula, ainda para 2025, atos na Avenida Paulista e na Praça dos Três Poderes, em Brasília.
Mesmo com ataques de empresários contrários à mudança, o líder do VAT afirma que a luta continuaria – e conseguiu cumprir. “Não é que a gente não quer trabalhar. Só queremos dignidade,” afirma Rick que se tornou vereador eleito em 2024 pelo PSOL-RJ.
Um movimento que reflete mudanças globais
O movimento encabeçado por Rick se conecta a outras tendências internacionais. Países como Islândia, Bélgica e Reino Unido já testaram jornadas reduzidas com resultados positivos em saúde mental, produtividade e bem-estar.
No Brasil, um piloto da semana de 4 dias foi iniciado em 2023 com 22 empresas.
“Essas experiências mostram que é possível trabalhar menos e melhor, sem comprometer o desempenho”, afirma Renata Rivetti, fundadora da Reconnect.
Há espaço para mudança?
Enquanto o Movimento VAT propõe uma jornada 4×3, especialistas divergem sobre a viabilidade do modelo no Brasil. Roberta Rosenburg, da F.Lead, sugere que uma escala 5×2 seria mais realista. Já o advogado trabalhista Rodrigo Chagas Soares relembra que propostas de redução da jornada existem há décadas no país — como a PEC 231/95, que propunha reduzir de 44 para 40 horas semanais.
A diferença atual é que o clamor por mudanças vem da sociedade civil, e não apenas de sindicatos. “A pauta ganhou capilaridade por meio das redes sociais e virou tema de mobilização espontânea”, afirma Soares.
A proposta, porém, encontra resistência entre representantes do setor produtivo. Roberto Mateus Ordine, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), avalia que a economia brasileira ainda não está preparada para um regime 4×3, dada a alta carga tributária e o custo de contratação.
“Com mais folgas, será necessário contratar mais funcionários, o que eleva os custos operacionais das empresas”, diz.
Mais que tendência: uma mudança de era
Para a professora Andrea Deis, especialista em carreira e neurociência, o Movimento VAT faz parte de um contexto maior de transformação do trabalho, impulsionado pela pandemia e por movimentos como o “quiet quitting” e o “lazy job”.
“A nova geração está dando voz a uma insatisfação que já era sentida há muito tempo. O mercado precisa acompanhar essa evolução”, afirma.
Seja por pressão popular, por mudanças culturais ou por razões econômicas, a discussão sobre a escala 6×1 está colocada. A PEC de Érika Hilton ainda precisa vencer muitos obstáculos no Congresso, mas o debate está aberto.
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