Em camelódromos espalhados pelo Rio, roupas e acessórios de grifes de luxo, além de celulares de última geração vendidos a preços muito abaixo dos praticados no mercado, deixam claro que são produtos falsificados.
Esse comércio paralelo, no entanto, ultrapassa as bancas dos ambulantes e tem enganado consumidores em supermercados e restaurantes do estado. Fica difícil perceber que aquela caixa de sabão em pó de marca conhecida, escolhida na prateleira de uma loja, pode conter um produto de procedência duvidosa. Segundo a Secretaria Estadual de Defesa do Consumidor, mais de 90 toneladas desse tipo de artigo de limpeza pirata foram apreendidas apenas no ano passado.
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Uma indústria criminosa cada vez mais sofisticada também foca em bebidas alcoólicas e alimentos, como café e azeite, cujos preços dispararam nos últimos meses. Além de oferecer riscos à saúde pública, a fraude alimenta organizações criminosas e lesa as marcas copiadas. Só no ano passado, a Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM) apreendeu mais de um milhão de objetos falsificados, entre peças de vestuário, perfumaria, alimentícios, eletrônicos, bebidas e acessórios.
Nos primeiros quatro meses deste ano, mais de 112 mil itens foram encontrados pelos agentes — uma média de 930 por dia.
Crime sofisticado
Assim como em qualquer negócio, o mercado das falsificações está atento à demanda, para aumentar seus lucros. Isso explica o crescente número de apreensões envolvendo pirataria de azeite, café e sabão em pó. A Unilever, responsável pela marca de sabão em pó mais falsificada no Rio, divulgou um informativo com orientações para identificar a autenticidade do produto. Uma das principais recomendações é observar o fechamento das embalagens: as falsificadas são lacradas com cola quente, enquanto as originais têm picotes.
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Além disso, os produtos verdadeiros contam com marcas holográficas do fabricante, visíveis sob luz negra, o que facilita a verificação por órgãos de fiscalização. Ainda assim, as falsificações podem passar despercebidas, e a fabricante tem investido em tecnologias importadas para diferenciar suas embalagens, como uma tinta especial trazida da Alemanha para aplicação nas caixas.
O mesmo desafio é enfrentado pela indústria do café. Com o mercado de produtos paralelos cada vez mais aprimorado, até o selo da Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic) vem sendo reproduzido.
O delegado Victor Tutman, da DRCPIM, destaca que a indústria que falsifica esse tipo de produto investe milhões para imitar as embalagens.
— Uma máquina usada para embalar café custa em torno de R$ 2,5 milhões. O consumidor comum, ao olhar para o pacote, não percebe que é um produto falso. Só mesmo um especialista, mais atento, vê as diferenças. Por fora, o produto se parece muito; por dentro, viola os padrões dos órgãos reguladores — explica Tutman.
Selo holográfico
Christiane Monteiro, coordenadora de projetos da Abic, afirma que o selo falsificado costuma apresentar diferenças no tamanho, mas os criminosos fazem de tudo para imitá-lo. Por essa razão, a entidade disponibiliza um aplicativo, o ABICafé, para que os consumidores verifiquem a autenticidade do selo.
— A falsificação está mais elaborada, com embalagens muito semelhantes às originais. Como o número de casos tem aumentado, é importante que o consumidor verifique a autenticidade do selo por meio do QR code ou do código de barras. É uma forma de garantir que o produto que está sendo comprado é verdadeiro — orienta.
Outro exemplo de produto que é muito falsificado é o azeite. Após a disparada no preço, centenas de litros falsificados foram encontradas à venda no estado. Segundo a polícia, a adulteração pode ocorrer com a mistura de óleos diversos ou com a modificação de embalagens.
No fim do ano passado, agentes da 35ª DP (Campo Grande) descobriram uma fábrica em Guaratiba que retirava os rótulos de azeites proibidos pelo Ministério da Agricultura e os substituía pelos de uma marca inexistente. Posteriormente, os lotes eram vendidos a supermercados.
Só nos primeiros meses de 2025, mais de quatro mil unidades de bebidas alcoólicas falsificadas foram apreendidas no Rio pela Polícia Civil. Em fevereiro, a DRCPIM encontrou um depósito que operava com entregas por aplicativo na Grande Tijuca, na Zona Norte da cidade. O local foi fiscalizado com a ajuda de denúncias de pessoas que passaram mal após consumir os produtos. Foram encontrados indícios de adulteração em milhares de garrafas de cerveja.
Cerveja, alvo preferencial
Cristiane Foja, presidente-executiva da Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe), afirma que a cerveja é o produto mais falsificado no país, por ser amplamente consumido. No entanto, vinhos, espumantes e destilados também são alvos frequentes dessas quadrilhas.
No início de abril, a Secretaria estadual de Defesa do Consumidor encontrou garrafas de uísque falsificado em um restaurante de alto padrão em Ipanema.
Segundo ela, investigações já indicaram que esse tipo de crime é uma das fontes de renda da facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e pode estar financiando organizações criminosas no Rio.
— Fica o alerta: o problema é grave e pode estar sustentando outras atividades criminosas, resultando em perdas irreparáveis, inclusive de vidas. Além disso, o crime organizado não tem ética nem pudor: eles colocam qualquer substância nas bebidas. Já identificamos desde altos níveis de metanol, substância tóxica e extremamente prejudicial à saúde, até solvente de carcaça animal. Há ainda o problema das condições de preparo, que ocorrem muitas vezes em ambientes insalubres, com sérios riscos sanitários — afirma.
A executiva ressalta que os produtos mais falsificados são os comercializados em garrafas de vidro, justamente porque os criminosos reutilizam frascos originais.
— A reciclagem não é apenas uma questão ambiental, mas também uma forma de proteger o consumidor contra a falsificação. Por isso, sempre orientamos que, ao descartar uma garrafa, o consumidor faça a descaracterização do recipiente. Atitudes simples, como rasgar o rótulo, riscar a garrafa ou separar a tampa, já dificultam a ação do mercado ilegal — alerta.
O secretário de Defesa do Consumidor, Gutemberg Fonseca, pede aos consumidores que desconfiarem da originalidade de um produto que façam denúncias pelos canais de atendimento do Fala Consumidor —https://www.rj.gov.br/ sedconsumidor/. Este mês, o órgão promoveu um workshop para ensinar 140 agentes públicos a identificar produtos ilegais e combater a fraude.
— A secretaria está acompanhando esses casos para garantir que encontremos uma solução para o problema — afirmou Fonseca.
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