Se, nas últimas décadas, a China cumpriu um papel relevante de provedora de capital, multiplicando os investimentos em dezenas de nações mais pobres, o jogo agora virou e o gigante asiático se tornou um grande cobrador de dívidas. A conclusão está num estudo do think tank Lowy Institute, que atribuiu o novo posicionamento às crescentes pressões domésticas para recuperar esses créditos.
Segundo o estudo, em 2025, os países mais pobres e vulneráveis do mundo farão pagamentos recordes de dívidas à China, totalizando US$ 22 bilhões. Assim, Pequim passou de provedora de capital para um dreno financeiro líquido nos orçamentos dos países em desenvolvimento, já que os custos de serviço da dívida dos projetos da Iniciativa do Cinturão e Rota da década de 2010 agora superam em muito os novos desembolsos de empréstimos.
A China até continua financiando parceiros estratégicos e críticos em recursos, apesar do colapso mais amplo de seus empréstimos globais. Só que os maiores destinatários de novos empréstimos incluem vizinhos imediatos, como Paquistão, Cazaquistão e Mongólia, além de países em desenvolvimento que são exportadores de minerais críticos ou metais para baterias, como Argentina, Brasil, República Democrática do Congo e Indonésia.
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Esse recuo estratégico chinês não tem sido aproveitado por outros países desenvolvidos do Ocidente, uma vez que o refluxo na ajuda e no comércio ocidentais está agravando as dificuldades para os países em desenvolvimento, desperdiçando qualquer vantagem geopolítica que pudesse surgir.
Pagamento máximo
Os países em desenvolvimento enfrentam agora uma onda de pagamentos de dívidas e custos de juros devidos à China. Os fluxos de serviço da dívida para a China totalizarão US$ 35 bilhões neste ano e devem permanecer elevados pelo resto desta década, segundo o estudo.
A maior parte desse serviço da dívida, cerca de US$ 22 bilhões, é devida por 75 dos países mais pobres.
O diagnóstico é que a pressão dos empréstimos estatais chineses, juntamente com o aumento dos pagamentos a diversos credores privados internacionais, estão impondo enorme tensão financeira às economias em desenvolvimento. O resultado é o aumento da vulnerabilidade da dívida e o comprometimento de prioridades críticas de gastos, como saúde, educação, redução da pobreza e adaptação climática.
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O estudo destaca que que o colapso dos novos empréstimos desde 2016 resultou em uma forte redução nos desembolsos de empréstimos chineses, justamente quando os pagamentos da dívida aumentaram acentuadamente.
Os compromissos de novos empréstimos chineses estabilizaram-se em cerca de US$ 7 bilhões por ano desde o fim da pandemia em 2023, retornando a níveis não vistos desde o final dos anos 2000, e apenas um quarto do que foi durante a década de 2010, quando a Iniciativa do Cinturão e Rota estava em pleno andamento.
Como resultado, a posição líquida de empréstimos da China mudou rapidamente, passando de provedora líquida de financiamento — quando emprestava mais do que recebia em pagamentos — para um dreno líquido, com os pagamentos agora superando os desembolsos.
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Por que agora?
O boom anterior dos empréstimos da China, combinado com a estrutura dos empréstimos, tornou inevitável o aumento dos custos de serviço da dívida. Os termos padronizados oferecidos pelos bancos chineses geralmente incluem um período de carência de 3 a 5 anos para os pagamentos e prazo de maturidade de 15 a 20 anos.
Como o pico dos empréstimos da Iniciativa do Cinturão e Rota ocorreu em meados da década de 2010, esses períodos de carência começaram a expirar no início dos anos 2020.
Apesar da queda dos empréstimos líquidos da China no mundo em desenvolvimento, dois grupos de destinatários permanecem alinhados com as prioridades de Pequim e têm recebido empréstimos resilientes: países vizinhos estrategicamente importantes e economias exportadoras de minerais críticos ou metais para baterias.
Segundo os autores, o alto fardo da dívida enfrentado pelos países em desenvolvimento dificultará a redução da pobreza e retardará o progresso do desenvolvimento, ao mesmo tempo em que aumentará os riscos de instabilidade econômica e política.
Mais da metade dos países mais pobres e vulneráveis do mundo são classificados pelo FMI como estando em alto risco ou já em situação de estresse da dívida.
O futuro engajamento da China com a arquitetura internacional da dívida desempenhará papel central na formação de sua reputação global e nas perspectivas para as economias em desenvolvimento altamente endividadas.
A China enfrenta um dilema: pressionar demais para o pagamento pode prejudicar os laços bilaterais e minar seus objetivos diplomáticos, enquanto suas instituições de crédito enfrentam pressão para recuperar dívidas pendentes.
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Fonte: InfoMoney