A Cargill registrou prejuízo contábil líquido de R$ 1,7 bilhão em 2024 no Brasil, revertendo o lucro de R$ 2,5 bilhões obtido no ano anterior. Em contrapartida, o resultado operacional (Ebit) cresceu de R$ 2,3 bilhões para R$ 4,1 bilhões no mesmo período, atingindo o maior patamar da história da empresa no país. A empresa manteve investimentos de R$ 1,7 bilhão no país durante o ano passado.
“O nosso prejuízo do exercício foi contábil e não operacional”, afirmou Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil, em entrevista ao Broadcast Agro, sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado.
O executivo explicou que a perda decorreu especificamente da diferença de 28% no câmbio entre 31 de dezembro de 2023 e 31 de dezembro de 2024, que impactou os empréstimos externos da companhia.
“Nós somos uma empresa naturalmente exportadora, então nós temos receita em dólar. 80% das nossas receitas são dolarizadas”, disse Sousa. “O nosso funding, o nosso financiamento, também é dolarizado.”
Segundo ele, a Cargill não faz hedge contábil por ter o que considera um “hedge natural” com suas operações predominantemente em moeda estrangeira. “Isso causa um prejuízo contábil, sem efeito caixa”, ressaltou.
Um dos fatores que mais afetou o resultado foi o custo do “take or pay” em contratos ferroviários. A empresa havia se comprometido com volumes de frete que não se materializaram devido às quebras de safra.
O volume total de produtos originados, processados e comercializados caiu de 51 milhões de toneladas em 2023 para 45 milhões em 2024.
De acordo com Sousa, a redução reflete as quebras de safra ocorridas no período. “Em termos de volume total ele foi menor que 2023, porque nós tivemos a frustração de safra no ano passado, uma não, duas. A safra de verão teve um problema, a soja em Mato Grosso, depois pra frente a safrinha deu problema pra quase todo lugar”, explicou.
Em paralelo, o frete rodoviário ficou mais barato que o ferroviário, invertendo a lógica habitual do mercado. “Nós tivemos um cenário, no ano passado, que o frete rodoviário foi muito mais barato do que o frete ferroviário. Normalmente tem que ser o contrário”, observou.
“Nós estávamos comprados em frete ferroviário, imaginando a safra cheia, tivemos a redução na safra de verão e depois redução na safra de inverno”, detalhou o executivo.
A situação foi agravada pela retenção de produto por parte dos produtores, especialmente em Mato Grosso, que esperavam alta nos preços internacionais que não se concretizou. “O produtor rural mato-grossense perdeu o ritmo de comercialização, segurou o produto, porque perdeu mesmo. Tinha menos produção. O mercado não subiu”, disse Sousa.
Em paralelo, o frete rodoviário ficou mais barato que o ferroviário, invertendo a lógica habitual do mercado. “Nós tivemos um cenário, no ano passado, que o frete rodoviário foi muito mais barato do que o frete ferroviário. Normalmente tem que ser o contrário”, observou.
Para 2025, a estratégia de contratação logística foi redesenhada após o cenário adverso de 2024, embora o executivo tenha evitado detalhar as mudanças específicas.
O cenário contrasta fortemente com 2023, quando a Cargill registrou resultados recordes. Naquele ano, Sousa caracterizou o Brasil como um país “sem concorrência” no mercado internacional de soja, beneficiado por um “bônus climático” enquanto a Argentina enfrentava uma “tragédia climática” com quebra de mais de 50% de sua safra.
Nos últimos cinco anos, a empresa aplicou R$ 8,1 bilhões no Brasil, onde opera 29 fábricas, 75 armazéns, sete terminais portuários e diversas outras instalações. Em 2024, a Cargill avançou na integração das três plantas de biodiesel e quatro armazéns adquiridos da Granol e concluiu os testes no novo terminal de Porto Velho (RO).
Para 2025, Sousa se mostra otimista com a recuperação das safras. “Temos regiões do oeste do Paraná, Rio Grande do Sul, que tivemos problemas na safra de verão, mas, em compensação, nós estamos praticamente em todo o Brasil com um cenário muito bom, recorde esse ano, e vamos ter, tudo leva a crer, uma safrinha muito boa”, avaliou.
O executivo destacou ainda a melhora na situação financeira dos produtores. “Estamos vendo casos de produtores que tiveram que renegociar dívidas no ano passado, estão saldando, estão melhorando o perfil de endividamento deles de uma maneira bem significativa”, afirmou, ressaltando também o bom desempenho do setor de carnes.
“Frango, suíno, todos estão com uma lucratividade muito boa também, e isso fortalece a qualidade da demanda do mercado doméstico de milho”, completou.
Excesso de crédito e erros de financiadores
A Cargill afirma que sua exposição ao aumento de recuperações judiciais no agronegócio brasileiro em 2024 foi limitada. Segundo o presidente da companhia no Brasil, Paulo Sousa, embora a empresa tenha enfrentado alguns casos, a maioria foi resolvida por meio de renegociações diretas com os produtores. “Não, não é tão grande assim”, disse o executivo. “Estamos nesse negócio por um longo prazo. Talvez uma ruptura da cadeia gere um problema”, disse ao Broadcast Agro.
O número de recuperações judiciais no agro cresceu 138% no ano passado, segundo a Serasa Experian, alcançando 1.272 pedidos. A alta foi puxada principalmente por produtores pessoa física, que registraram aumento de quase 350% nas solicitações, para 566 casos. Entre pessoas jurídicas, produtores de soja lideraram, com 222 processos.
Sousa relatou que, apesar dos desafios, a Cargill evitou danos maiores ao negociar fora do âmbito judicial. “Negociamos com muita gente no ano passado sem recuperação judicial. A vida seguiu”, disse. “Claro, é um problema. Não escapamos ilesos, mas, pelo nosso perfil e pelo perfil do nosso produtor, temos participação muito pequena em relação ao tamanho do problema que tem aí.”
O executivo atribuiu a crise à combinação de excesso de oferta de crédito e a entrada de financiadores sem experiência no setor. “Geralmente o problema é excesso de crédito. Houve fartura de crédito, crédito barato, que deixou de existir, e também novos entrantes financiando, que não são tão do ramo”, afirmou. “O mercado agrícola tem um ou dois eventos de liquidez, que são as safras. Se não deu certo agora, vai ter outro evento de liquidez daqui a seis meses ou daqui a um ano.”
Para Sousa, o entendimento inadequado do ciclo de liquidez do agronegócio prejudicou o sistema de crédito. “Essa dinâmica do financiamento agrícola geralmente tem que ser quem é especializado para poder, perdão a palavra, ter estômago, saber lidar com isso”, disse. “Houve muitos novos entrantes no mercado de crédito, nem todos estão dispostos a isso. Novas ferramentas de crédito, muito boas, mas às vezes foram utilizadas com um pouco de descuido, e gerou um problema.”
No caso específico do Grupo Montesanto Tavares (GMT), exportador de café que entrou em recuperação judicial para reestruturar dívidas de R$ 2,13 bilhões, Sousa explicou que a exposição da Cargill não está relacionada ao financiamento de produção. “No caso específico da empresa de café, nós não estamos mais no mercado físico de café há algum tempo”, disse. “O problema deles foi relacionado à variação do mercado futuro de café, chamado Margin Call, e o nosso negócio com eles foi uma ferramenta de gerenciamento de risco.”
O executivo reiterou que a relação comercial foi distinta de operações tradicionais de crédito. “Outra linha do produto nosso, mas não foi em relação a financiamento para produção, nem financiamento, nem pré-pagamento de exportação, nada assim”, afirmou.
Em março, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais rejeitou um recurso apresentado pela Cargill, que pedia a revogação da proteção judicial concedida ao GMT em dezembro de 2024. A companhia tentava derrubar o “stay period”, que impede cobranças e execuções contra o grupo enquanto negocia seu plano de recuperação.
Com a decisão, o GMT manteve a blindagem temporária. Segundo a lista de credores apresentada no processo, a Cargill tem a receber cerca de R$ 106,5 milhões do grupo, sendo a maior credora entre as empresas comerciais. Mais de 90% da dívida total do GMT está concentrada em bancos.
Sousa reforçou a necessidade de adaptação do setor financeiro às particularidades do agronegócio. “O mercado agrícola não comporta execução agressiva”, afirmou.
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Este conteúdo foi originalmente publicado em Cargill tem prejuízo contábil de R$ 1,7 bi em 2024 por variação cambial no site CNN Brasil.
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