Em meio a um cenário de crescente incerteza econômica global, o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela agência Moody’s e a polêmica sobre o IOF no Brasil dominaram as discussões recentes no mercado financeiro. Os temas foram debatidos em profundidade durante o episódio 160 do programa Outliers InfoMoney, que contou com a participação de André Raduan, sócio da Genoa Capital, uma das gestoras mais respeitadas do mercado brasileiro.
A apresentadora Clara Sodré, analista de fundos na XP, e Fabiano Sintra, head de Análise de Fundos da XP, conduziram a conversa que abordou as implicações dessas turbulências para investidores brasileiros e internacionais.
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Rebaixamento histórico
O fato que abalou o mercado global foi o rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos pela Moody’s, que reduziu a classificação de AAA para AA1. “A maior economia do mundo, o melhor pagador do mundo tomou um downgrade“, destacou Fabiano Sintra durante a abertura do programa, ressaltando a preocupação crescente com o déficit fiscal americano e os custos elevados de refinanciamento da dívida, que já ultrapassou os US$ 36 trilhões, representando mais de 120% do PIB americano.
Questionado sobre a gravidade da situação, André Raduan foi enfático ao separar sua análise em duas dimensões: “Os Estados Unidos vão quebrar? Não. Não existe essa possibilidade, porque ela é uma moeda forte. Precisa ter um rearrangement global, de tornar o dólar não uma moeda de safe haven. Isso aí, eu acho que estamos longe ainda”, afirmou o especialista.
No entanto, Raduan demonstrou preocupação quanto à capacidade de financiamento da dívida americana: “Quanto vai ser necessário para os Estados Unidos se financiar? Quanto ele vai precisar fazer as emissões? E, sim, aí preocupa bastante, se está numa trajetória de dívida insustentável”.
O gestor explicou que, desde a pandemia de Covid-19, houve uma mudança significativa na direção fiscal americana. “A gente entrou no cenário, no governo Trump, imaginando um cenário fiscal mais contracionista, principalmente ajudado pela arrecadação das tarifas. Com a lei que agora está passando, parece que está ficando mais cara de neutro. E o neutro nesse ponto é ruim, porque você está com uma dinâmica de dívida ruim”, analisou.
Segundo estimativas da Genoa Capital, seria necessário melhorar o superávit e o déficit como um todo em 2,5 a 3 pontos percentuais para começar a encontrar estabilidade. Raduan destacou que a situação já era preocupante há alguns anos, mas havia expectativa de correção de rota, o que não está acontecendo. “Pelo menos até o final do governo Trump não parece que vai acontecer”, previu.
Realocação de recursos
Um fator adicional que tem pressionado os títulos americanos é a realocação de recursos para fora dos EUA. “Os Estados Unidos passaram os últimos anos atraindo muito capital, tanto na parte de renda variável, como na renda fixa”, comentou.
O especialista acredita que essa tendência de realocação para fora dos Estados Unidos deve continuar, ainda que de forma gradual. “Eu acho que ela não vai ser aguda, como se as pessoas fossem simplesmente realocar todo o seu portfólio, mas acho que o fluxo será marginal e até alguma realocação vai acontecer”, afirmou.
Raduan destacou que o governo Trump está quebrando quase todos os acordos globais existentes, tanto de segurança quanto de comércio e diplomacia. “Antes a gente vivia um mundo sobre o guarda-chuva americano. Hoje, cada um tem que olhar um pouco para o seu amigo”, observou.
Essa incerteza tem levado investidores a questionar suas alocações em dólar. “Será que eu preciso ter 80% dos fundos alocados em dólar? Será que eu não preciso ter um pouquinho menos agora?”, questionou o gestor, prevendo um dólar mais fraco e juros mais altos globalmente.
Impacto das tarifas
Clara Sodré questionou sobre o impacto das tarifas impostas pelo governo Trump, que ameaçou a União Europeia com uma tarifa de 50% a partir de 1º de junho. Raduan criticou a abordagem errática do governo americano: “Se ele tivesse feito isso tudo no momento 1, de botar tarifa de 10% para todo mundo e China 30%, legal! Ia ser um choque para o mercado, mas acabou, a gente entendeu a regra. Agora vai, bota cento e tanto não sei aonde, aí volta, aí bota México, bota Canadá, aí tira. Aí, como é que você faz? Aí vai, volta, desfaz.”
O gestor reconheceu que essa pode ser uma tática de negociação de Trump, mas alertou para as consequências: “Quando se está em um país, você gera incentivos, expectativas de todos os agentes econômicos, que não se desfaz. Mesmo que seja um blefe, se desfez (as expectativas). É aquela máxima: uma vez que se puxou a arma, já era. Se não atira, você vai guardar ela, mas você pode puxar de novo.”
Crise do IOF no Brasil
No cenário doméstico, o episódio do IOF (imposto sobre operações financeiras) no Brasil também foi tema de destaque na conversa. Fabiano Sintra mencionou que teve uma “semana muito emocionante” e até pediu desculpas pela voz, atribuindo ao “tanto nervoso que eu passei com a notícia do IOF”. Ele destacou que, no final, houve uma reviravolta com os anúncios do Ministério da Fazenda, revogando em parte a medida que tinha sido anunciada anteriormente.
Quando questionado sobre como passou a noite de quinta-feira após o anúncio do IOF, André Raduan foi direto: “Bem mal dormida. Na verdade, depois que saiu o recuo, a gente já tranquilizou um pouco, mas ia ser uma pancada difícil de recuperar. Ainda bem que houve esse recuo, sensibilizou o Ministério da Fazenda para fazer esse recuo. Mas foram momentos estressantes, bastante estressantes.”
Clara Sodré complementou que, apesar da turbulência causada pelo IOF, “o fator de maior pressão sobre as ações específico aqui no Brasil seguiu sendo o cenário internacional, com as voltas das preocupações contra a sustentabilidade fiscal americana”. Ela mencionou a forte alta nas treasuries e a decepção dos investidores com as propostas orçamentárias do governo americano.
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Fonte: InfoMoney