Chernobyl é um dos lugares mais marcados pela tragédia nuclear de 1986.
A região é cercada pela chamada Zona de Exclusão, um território de cerca de 2.700 km² onde o acesso humano é severamente restrito devido à contaminação radioativa. Mas, após décadas do desastre, a natureza mostra uma surpreendente capacidade de recuperação, com florestas regeneradas, rios e lagos biodiversos, e uma fauna adaptada, incluindo aves, mamíferos e o cavalo de Przewalski.
A presença desses animais revela uma importante faceta da resiliência da vida selvagem. No entanto, é na existência dos cães de Chernobyl que os cientistas observam um reflexo direto das consequências da radiação na vida animal.
A história dos cães de Chernobyl
Após a evacuação da cidade de Pripyat e das áreas ao redor da usina nuclear, muitos animais, incluindo cães, foram abandonados quando os moradores foram forçados a deixar suas casas devido à radiação. Além dos cães abandonados, muitos outros foram levados por trabalhadores que permaneceram na região.
Hoje, cerca de 800 cães vivem na Zona de Exclusão, com algumas populações habitando áreas próximas ao reator, outras mais afastadas, como a cidade de Slavutych, e algumas ainda na própria usina de Chernobyl.
Esses cães têm características genéticas distintas, dependendo da proximidade com a usina nuclear. Cães que vivem perto do reator apresentam maior endogamia e características únicas, como a predominância de raças como o pastor alemão. Já os cães mais distantes, em áreas menos contaminadas, têm uma genética mais mista, com raças como o rottweiler e o boxer.
Qual o impacto da radiação nos cães?
Os cientistas que estudam os cães de Chernobyl lideram pesquisas para entender como a radiação ionizante de baixa dose afeta o DNA desses animais, que vivem e se reproduzem em um ambiente radioativo há mais de 35 anos.
As mutações causadas pela exposição constante à radiação têm sido acompanhadas ao longo de 15 gerações de cães. Estudos genéticos revelam alterações que podem afetar a saúde dos cães, como a predisposição a cânceres e outros problemas relacionados à radiação, mas também indicam possíveis vantagens adaptativas, como maior resistência a doenças.
Estes cães oferecem uma oportunidade única para estudar os efeitos da radiação em mamíferos de grande porte. A radiação pode causar mutações genéticas que alteram o comportamento e a saúde dos animais, afetando o metabolismo, o envelhecimento e até mesmo a capacidade de reparo do DNA.
Essas mudanças podem ter implicações diretas para o estudo de como seres vivos, incluindo os seres humanos, podem responder a ambientes contaminados.
Por que os cães são importantes para os estudos sobre radiação?
O estudo dos cães de Chernobyl se torna um experimento natural crucial para os cientistas, pois eles sobreviveram e se reproduziram em uma área altamente contaminada por radiação.
Diferente de outros animais em ambientes controlados ou modelos de laboratório, esses cães têm uma exposição constante e prolongada a níveis elevados de radiação. Ao estudar suas mutações genéticas, os cientistas podem identificar quais variações genéticas permitiram que esses animais sobrevivessem.
A pesquisa é valiosa, pois pode ajudar a identificar genes que conferem resistência à radiação e a doenças, como o câncer. Além disso, pode fornecer dados sobre como o corpo de um mamífero responde a danos genéticos causados por radiação, algo que pode ser extrapolado para entender como os seres humanos podem reagir a exposições semelhantes.
Por exemplo, a análise genética dos cães de Chernobyl pode revelar quais mutações podem aumentar a resistência ao câncer, como alguns dos cães têm demonstrado resistência maior a tumores e linfomas, doenças relacionadas à exposição à radiação. Esses dados podem levar a novas abordagens terapêuticas e de prevenção para humanos expostos a radiações.
Desafios da sobrevivência
Um dos aspectos mais fascinantes do estudo dos cães de Chernobyl é seu relativo isolamento genético. Eles vivem em uma região onde as interações com outros cães são limitadas, o que facilita o estudo das mutações causadas pela radiação. Essa falta de mistura genética com cães de outras regiões contribui para um quadro mais claro do impacto da radiação na evolução genética dos animais.
Os cães próximos ao reator sofrem uma exposição radiante muito mais intensa do que os animais em áreas mais distantes. Por isso, é possível observar um nível de radiação milhares ou até dezenas de milhares de vezes maior do que os níveis normais.
A intensidade de radiação afeta a longevidade dos cães, que costumam viver de três a quatro anos, enquanto o normal para cães dessa espécie seria de 10 a 12 anos.
O trabalho de campo realizado por veterinários e cientistas tem revelado informações cruciais sobre a saúde dos cães e as mudanças que ocorrem em seu DNA. A equipe utiliza equipamentos como dosímetros para medir a radiação nos cães e monitorar os níveis de exposição ao longo do tempo.
O processo inclui captura, castração, vacinação e controle da população de cães, para garantir que eles possam viver o mais saudável possível na Zona de Exclusão.
Ir para o conteúdo original: https://exame.com/ciencia/caes-de-chernobyl-como-sobrevivencia-de-cachorros-abandonados-pode-revelar-os-efeitos-da-radiacao/