O dia 1 de julho traz dois marcos importantes para o segmento de veículos elétricos no Brasil. O primeiro é a elevação do imposto de importação sobre híbridos e elétricos: as alíquotas agora vão de 25 a 30%. Esse aumento faz parte de um plano escalonado de aumento do imposto, como uma estratégia para aumentar a produção nacional. O segundo marco, portanto, tem a ver com o primeiro. Também hoje, a gigante chinesa BYD dá o pontapé inicial em sua fabricação nacional de automóveis. Esse capítulo da história começa aqui, em Camaçari, cidade que fica a cerca de 50 quilômetros da capital da Bahia, Salvador, e que ficou mais conhecida nacional a partir da criação de um pólo petroquímico, na decada de 1980 e, posteriormente, com a instalação de uma fábrica da Ford.

A BYD assumiu o sobrou dessa unidade fabril, depois que a montadora norte-americana encerrou sua produção no Brasil, em 2021. Até agora, foram 15 meses de obras – numa verdadeira reconstrução. As linhas de montagem modernas pouco têm a ver com que existia por aqui na época em que a Ford ainda produzia seus carros. Mas, o que se inicia nesse primeiro de Julho ainda é um primeiro estágio. No jargão da indústria, trata-se de uma linha de montagem, baseada em SKDs – do inglês, Semi Knocked Dow. Quer dizer que, na prática, os carros chegam aqui partes, em caixas e contêineres e são apenas montados: as peças são todas fabricadas na China e trazidas para cá, onde os “quebra-cabeças” são completados. Ou seja, ainda não se pode falar de uma linha de fabricação, mas sim de um sistema de montagem. Segundo executivos da empresa, o plano é montar cerca de 50 mil automóveis até o final de 2025 nesse sistema. Os modelos escolhidos são o SUV Song Plus e “popular” Dolphin Mini. O modelo compacto, aliás, também registrou um marco importante mundialmente, ao alcançar 1 milhão de unidades produzidas: a BYD comemorou o feito em sua principal planta, em Xian, na China, com direito a show, pompa e muita chuva.

Pressa, tecnologia e apostas
Já aqui, em Camaçari, o 1 de julho trouxe muito sol e cerca de 500 pessoas, entre autoridades e jornalistas de diferentes partes do Brasil e até da China – uma comitiva de repórteres chineses chegou ao país para registrar o início dos trabalhos por aqui. O primeiro galpão de produção da fábrica chinesa ocupa impressionantes 16 mil metros quadrados (estão previstos pelo menos 2 outros de tamanho similar, para as próximas fases da planta). A construção dessa planta não foi livre de polêmicas, especialmente por conta das denúncias de trabalho análogo à escravidão que ganharam as manchetes no final de 2024 e que mancharam os até então reluzentes planos da BYD brasileira. A necessidade de velocidade nos trabalhos e o orçamentos sempre estreitos foram apontados como os vilões de sempre.
Superada a crise, a planta de Camaçari promete criar cerca de 20.000 postos de trabalho para a região e pretende se colocar como um complexo que vai não apenas fabricar carros de passeio híbridos e elétricos, mas também ônibus e baterias. Quando estiver em plena capacidade, esta será a maior unidade fabril da BYD fora da China e peça importante nos planos de expansão global da montadora – que também está construindo uma fábrica na Hungria, para abastecer o mercado europeu.
Um mercado chinês
Em 2024, o mercado global de carros elétricos registrou 17 milhões de unidades vendidas. Desse total, 11 milhões foram comercializadas apenas na China – os outros 6 milhões se espalharam pelo mundo. Ou seja, estamos falando de um segmento em que não apenas a fabricação, mas também a comercialização encontram-se fortemente concentrados no país oriental. Nos Estados Unidos, a sobretaxação iniciada pelo governo de Joe Biden – e intensificada por Donald Trump – inviabilizam a entrada dos chineses no mercado – por lá, os elétricos orientais enfrentam uma barreira tarifária de 100%. Assim, a América do Sul e a Europa são destinos certos para a expansão chinesa. No velho continente, a BYD cresce a passos largos, ocupando espaços deixados pela Tesla de Elon Musk. A empresa norte-americana sofre com a dificuldade da renovação de seus modelos e também com o desgaste da imagem de Musk, que se associou a grupos de extrema-direita e, com isso, caiu em desgraça justamente com a porção da população europeia mais progressista e mais consciente do horrores do passado associados a esse espectro político.

O crescimento da BYD (e de outras montadoras chinesas) também é parte de uma estratégia política. Em 2015, o governo de Pequim deu início ao projeto Made in China 2025 – um ambicioso plano distribuído em várias frentes que pretende espalhar não apenas produtos chineses pelo mundo, mas também influência, com a participação em inúmeros projetos de infraestrutura em diversos continentes. No Ocidente, essa expansão é recebida com uma mistura sentimentos. Por um lado, países como Brasil vêem a oportunidade de se colocarem com “hubs” de fabricação e de desenvolvimento – uma maneira de embarcar na onda de renovação tecnológica da indústria automobilística. Por outro, governos e montadoras mais tradicionais nos Estados Unidos e na Europa sentem a dificuldade de acompanhar o frenético passo da evolução chinesa. Aí, surgem questionamentos que dizem respeito à tecnologia mas também à geopolítica, com agentes da indústria e até mesmo integrantes de poderes públicos levantando dúvidas sobre a segurança cibernética desse veículos – afinal, um carro moderno coleta quase tantos dados dos seus usuários quanto uma rede social.
A corrida contra os impostos
Ao largo dessa discussões, o projeto brasileiro da fábrica da BYD dá seus primeiros passos com um olho no mercado nacional e também no mercado latino-americano – a planta daqui deve ser ponto de partida para abastecer outros mercados da região, na estratégia chinesa de conquistar continentes. A brincadeira que circulava aqui em Camaçari é que, por enquanto, só o ar dos pneus dos carros é brasileiro – já que tudo ainda é importado para ser montado por aqui. Fugindo da piada, os executivos da empresa repetem que este é apenas o primeiro estágio num projeto de longo prazo. Eles esperam, também, que a linha de montagem baiana livre os Dolphin Mini e os Song Plus das novas alíquotas de importação.
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Fonte: Olhar Digital