A transição para uma economia verde depende da circularidade de recursos e o mundo conecta cada vez mais a agenda com a de clima e descarbonização, pensando em interseções com a COP30 e protagonismo do setor privado.
No mesmo ano em que o Brasil recebe pela primeira vez a grande Conferência de Mudanças Climáticas da ONU, São Paulo sedia de 13 a 16 de maio o Fórum Mundial de Economia Circular (WCEF) pela primeira vez na América Latina e coloca no centro do debate o potencial deste modelo regenerativo para o crescimento sustentável.
O foco deste ano é em bioeconomia, inovação e papel dos negócios, visando “criar um arcabouço mais favorável à transição”.
Um estudo inédito divulgado pelo Instituto Brasileiro de Economia Circular (Ibec) e pela Exchange 4 Change Brasil (E4CB) durante o evento revelou um panorama do país e definiu cinco setores estratégicos para impulsionar o modelo: metais e minerais, plástico, têxtil, eletroeletrônicos e energia.
“É um convite para países e empresas revisarem seus compromissos de redução de emissões, inserirem princípios circulares em suas metas climáticas (NDCs) e olharem para o desenvolvimento justo e sustentável”, disse Beatriz Luz, presidente do Instituto Brasileiro de Economia Circular e diretora da E4CB.
Enquanto no modelo linear se extrai da natureza para se dar vida à produtos que no final acabam sendo descartados e se tornando lixo, a economia circular é um ciclo fechado em que os recursos voltam para a cadeia de forma sustentável por meio de práticas como a reciclagem e reaproveitamento de resíduos.
Neste sentido, o design sustentável é uma prioridade, visando novas práticas de produção regenerativas e que minimizam o impacto no ambiente.
À EXAME, Beatriz destacou que o Brasil está vivendo um momento decisivo na pauta, com a Política Nacional de Economia Circular (PNEC) aprovada pelo Senado em março de 2024. “A medida demonstra o compromisso do país com um modelo de crescimento que não apenas evite a exploração de recursos, mas promova a regeneração“, destacou.
Em seguida, foi a vez da Estratégia Nacional de Economia Circular, da qual deriva o Plano Nacional de Economia Circular, sancionado na última semana, e que traça objetivos ambiciosos para os próximos dez anos para guiar a indústria e os governos para a implementação — de forma colaborativa.
“Mais do que nunca, a agenda se torna um status de política estratégica, para promover crescimento econômico, justiça social e preservação ambiental. O setor privado precisar olhar para o desenvolvimento de negócios de uma nova forma, com foco em definição de valor, integração de atores e em relação de investimento e retorno“, ressaltou Beatriz.
COP30 à vista
Rumo à COP30 no Brasil, em Belém do Pará, a expectativa é que esta seja a “COP da implementação”. Pensando em economia circular, as soluções e tecnologias já existem e é preciso entender quais ações podem ser adotadas em escala.
Nesta equação, é necessário o engajamento das empresas e a inserção de novos modelos econômicos. “É preciso pensar a agenda em desenvolvimento com a transição energética, preservação da Amazônia e o ganho de capital social”, disse Beatriz.
Atualmente, 27% dos países já incluíram a economia circular nas suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Mas o número ainda é muito baixo, acredita Beatriz. Para a COP30, “a circularidade deve não apenas entrar na meta climática de mais nações, como também estar nos planos de ação nacionais, com práticas financiáveis e implementáveis”, sustentou ela.
Por outro lado, há uma oportunidade única de articulação enquanto sociedade, indústria e governo e de inserção de soluções circulares na NDC brasileira, que prevê a redução de até 67% nas emissões de gases estufa até 2035.
“O Fórum Mundial de Economia Circular é um pontapé para darmos maturidade ao tema, engajando diversos atores dispostos a criar um arcabouço mais favorável à transição”, complementou Beatriz.
Desafios e oportunidades
O documento divulgado nesta quarta-feira, 14, é resultado de dez anos de trabalho da E4CB e destaca que mesmo em meio a avanços, há desafios de implementação no Brasil. Os três principais são:
- Letramento: Há necessidade de uma mudança de mentalidade nos negócios para educar e engajar todos os atores envolvidos.
- Estratégias integradas: Existe uma dificuldade em definir estratégias que ultrapassem os limites de uma única empresa ou setor, e a transição exigirá o desenvolvimento de novas competências e indicadores.
- Comportamento de mercado: A adoção de novos valores pela sociedade é essencial para que produtos e serviços circulares sejam valorizados e demandados pelos consumidores.
Segundo Beatriz, a organização é frequentemente procurada por especialistas e investidores internacionais que querem entender o cenário da economia circular no Brasil, além de stakeholders brasileiros que não sabem por onde começar.
Neste sentido, a especialista destaca que é fundamental olhar para além de uma única empresa ou setor, olhando para novas habilidades, competências e indicadores. “O mercado também dita a regra, e é essencial que produtos e serviços circulares sejam valorizados e demandados”, disse.
Ações para destravar a agenda
Para superar esses desafios, o estudo também propõe sete diretrizes essenciais:
- Inserção da economia circular nos currículos educacionais, da educação básica ao ensino superior.
- Criação de um modelo de financiamento circular adaptado à realidade brasileira.
- Letramento das lideranças públicas e privadas.
- Fomento a redes de colaboração para estimular ecossistemas de trocas multissetoriais e internacionais.
- Priorização do design circular para redesenhar produtos e garantir sua reparabilidade.
- Desenvolvimento de roadmaps regionais com metas e prioridades específicas para cada estado.
- Mobilização e conscientização da sociedade por meio de campanhas de sensibilização.
O que é o Fórum Mundial de Economia Circular
O Fórum Mundial de Economia Circular é organizado anualmente pelo Fundo Finlandês de Inovação Sitra e conta com a participação de líderes empresariais, formuladores de políticas públicas e especialistas de diversas partes do mundo. Em sua nona edição, acontece de 13 a 16 de maio no Parque Ibirapuera, na capital paulista. Em 2024, foi sediado em Bruxelas, na Bélgica.
Neste ano em solo brasileiro, visa impulsionar a economia circular para gerar valor, empregos e maior resiliência nas cadeias de suprimentos, ajudando no cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU).
Uma das principais organizações do setor, a Fundação Ellen MacArthur atua com foco em três princípios: eliminar a poluição e resíduos desde o design de produtos, criar materiais com alto valor agregado e regenerar a natureza.
Já o Instituto Brasileiro de Economia Circular faz parte do fórum de especialistas criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) para definir a Estratégia Nacional de Economia Circular e foi a primeira organização brasileira a integrar a Coalizão de Economia Circular para a América Latina e o Caribe, reforçando o protagonismo do país nessa agenda na região.
Fonte: Exame