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Brain rot nas empresas: como a distração está afetando a decisão, a inovação e a saúde da liderança

*Por Rubens Harb Bollos

Vivemos uma era marcada pelo excesso: de dados, de demandas, de distrações. Como antecipou Herbert A. Simon, Prêmio Nobel de Economia, “a riqueza de informação cria pobreza de atenção” — e atenção é o novo capital estratégico nas organizações. E, paradoxalmente, essa hiperconectividade está nos tornando menos atentos, menos inovadores, menos estratégicos. Tempo e atenção tornaram-se os verdadeiros artigos de luxo — o novo capital do nosso tempo.

No coração das organizações, um novo desafio cognitivo silencioso emerge: a deterioração mental funcional conhecida como ‘brain rot‘ (em tradução livre, apodrecimento cerebral). O termo ganhou visibilidade ao ser escolhido como palavra do ano de 2024 pela Oxford University Press, refletindo a preocupação crescente com os efeitos da sobrecarga digital e da superficialidade no funcionamento mental e social.

O que é o ‘brain rot’, afinal?

Ao contrário do que sugere o nome, não se trata de uma doença neurodegenerativa. A palavra ‘rot’, em inglês, significa deterioração ou apodrecimento, remetendo à perda orgânica e progressiva de vitalidade. No contexto semiótico-pragmático, simboliza o declínio silencioso da cognição diante do excesso de estímulos e da falta de pausas. Assim, o termo brain rot descreve metaforicamente um colapso funcional induzido por excesso de informação, estímulos dispersivos e ausência de pausas restauradoras.

Em seu livro Sociedade do Cansaço, o filósofo Byung-Chul Han já alertava que a cultura da performance e da positividade compulsória leva ao esgotamento psíquico e à perda da escuta interior. O resultado? Uma espiral de distração, impulsividade, ansiedade e enfraquecimento dos vínculos interpessoais e o adoecimento de pessoas e organizações.

A neurociência comprova: o cérebro precisa de períodos de silêncio, sono de qualidade e conexões humanas genuínas para funcionar plenamente — condições essenciais para restaurar suas capacidades estratégicas e relacionais.

A ausência desses fatores, em ambientes digitais superestimulantes, compromete nossas habilidades executivas — com reflexos diretos no desempenho das empresas. Nicholas Carr, em A Geração Superficial, mostra como o uso constante da internet reconfigura o cérebro, enfraquecendo a concentração, a empatia e o pensamento crítico.

Quando o excesso afeta a liderança

Empresas impactadas pelo ‘brain rot’ mostram sinais evidentes: decisões apressadas, lideranças reativas, retrabalho frequente, queda de criatividade e ambientes emocionalmente tensos.

A inovação — por essência — requer tempo de maturação, foco e diálogo profundo. Sem esses pilares, ideias se repetem e o potencial criativo se esgota.

Além disso, a empatia se reduz quando o cérebro opera em modo defensivo. Como mostram estudos de neurociência social, esse estado ativa mecanismos de autopreservação, inibindo a capacidade de escuta, colaboração e conexão emocional. A escuta se torna superficial, o diálogo se quebra, e os conflitos aumentam.

Se há fadiga persistente, reatividade, decisões apressadas ou desconexão entre propósitos e práticas, é hora de parar e cuidar. Como? Começando por práticas simples e restauradoras — como as estratégias de higiene cognitiva, desintoxicação e minimalismo digital, por exemplo.

Higiene cognitiva, desintoxicação e minimalismo digital: práticas que ganham espaço

Cada vez mais estudos apontam os benefícios de práticas simples e acessíveis para preservar a saúde mental em tempos de hiperconectividade. A chamada higiene cognitiva envolve um conjunto de estratégias que ajudam a proteger, restaurar e otimizar funções mentais como atenção, foco, memória e discernimento. Assim como cuidamos da higiene física para evitar doenças, a higiene mental previne a sobrecarga causada por estímulos incessantes e fragmentados.

Entre as principais práticas estão:

  • Redução consciente de telas e notificações
  • Revisão periódica de agendas e demandas recorrentes
  • Incentivo à monotarefa e ao foco profundo
  • Inserção de pausas intencionais e momentos de silêncio
  • Exercícios de respiração e escuta ativa

Essas estratégias são respaldadas por autores e cientistas contemporâneos. Cal Newport, professor de Ciência da Computação na Universidade de Georgetown e autor de Minimalismo Digital e Deep Work, defende o trabalho profundo e o uso intencional da tecnologia como caminhos para foco, criatividade e performance sustentável.

Sherry Turkle, psicóloga do MIT, em Reclaiming Conversation, denuncia o empobrecimento das relações humanas frente à hiperconectividade e a perda da escuta profunda. Já o “Shabat digital” — proposto pela cineasta Tiffany Shlain em seu livro 24/6: O Poder de Desconectar um Dia por Semana— sugere um dia por semana sem tecnologia para restaurar foco e presença, prática também respaldada por pesquisadores da UC Berkeley, que destacam os benefícios das pausas para a saúde emocional e cognitiva.

A desintoxicação digital rompe o ciclo de hiperestimulação e ansiedade. O minimalismo digital, por sua vez, promove escolhas conscientes no uso da tecnologia, favorecendo mais atenção, mais profundidade, mais valor.

Em tempos de brain rot, essas práticas não são complementares — ferramentas fundamentais para restaurar a lucidez, o foco e a humanidade nas decisões.

Quando a liderança escuta: um caso real e transformador

Um caso vivido em minha prática como mentor envolveu a CEO de uma empresa de tecnologia com cerca de 500 colaboradores. Embora os resultados financeiros fossem positivos, ela identificou sinais claros de desgaste emocional e queda na criatividade do time. A cultura vigente — marcada por hiperdisponibilidade, sobrecarga de reuniões e estímulos incessantes — estava enfraquecendo a capacidade estratégica e os vínculos humanos dentro da empresa.

Durante o processo de mentoria, estratégias foram sendo debatidas e ajustadas junto à liderança e à equipe de confiança. As ações implementadas incluíram: quartas-feiras livres de telas, revisão da agenda executiva, pausas conscientes, escuta ativa e valorização do tempo de reflexão. Em paralelo, a executiva também revisou aspectos de sua vida pessoal — melhorando a qualidade do sono, retomando caminhadas e treinos físicos sempre que possível, e incorporando eventos familiares híbridos à sua agenda.

Para ela, manter a família unida passou a ser também uma prática de saúde organizacional e uma forma concreta de alinhar seus papéis como CEO, mãe e esposa com coerência pessoal e ética relacional. Esse alinhamento entre ética pessoal e cultura organizacional revelou-se uma força transformadora. Em cerca de um ano, a empresa viu ganhos significativos em clima interno, inovação e bem-estar. Como ela mesma resumiu: “Foi como desintoxicar o cérebro da empresa. As pessoas voltaram a pensar com propósito e colaboração.”

Esse caso de sucesso também dialoga com movimentos observados em empresas como Nestlé, Sanofi, Google, Adidas, Deloitte, Unilever e Coca-Cola — que apostam em práticas de personalização do desenvolvimento, bem-estar integral, flexibilidade, saúde mental, pausas sabáticas, liderança humanizada e ambientes que favorecem a criatividade e o equilíbrio como base para a inovação sustentável.

Quando a rigidez compromete a escuta: o custo da inflexibilidade

Acompanhei também o caso de um CEO que insistia obsessivamente em centralizar toda a operação no ponto de equilíbrio financeiro da empresa. Embora a produtividade aparente tenha aumentado no curto prazo, o desgaste humano e cognitivo foi imenso.

Aspectos fundamentais da saúde foram negligenciados — e, mesmo diante de orientações expressas, hábitos prejudiciais foram mantidos: a qualidade do sono permaneceu comprometida, os hábitos alimentares não foram revistos e o consumo de álcool nos finais de semana continuou elevado. A rotina era marcada por eventos sociais excessivos, festas e compromissos contínuos, que ocupavam os momentos dedicados ao descanso e comprometiam por completo os períodos de regeneração e desintoxicação cognitiva. Sem pausa, não há discernimento.

A dependência exclusiva de medicações como anteparo emocional, sem suporte relacional ou estratégias de autogerenciamento, mostrou-se insuficiente — como já demonstrado pela literatura científica. A ausência de autorregulação emocional agravou o quadro, revelando um traço comum entre líderes em colapso: a crença na própria infalibilidade.

A figura do CEO messiânico, centralizador, insubstituível e avesso à escuta, ainda é cultivada em muitos ambientes — até que não seja mais sustentável. Foi o que se viu aqui. Ignorando sinais de exaustão da equipe e alertas internos, ele alcançou a meta estipulada, mas à custa de um impacto negativo duradouro sobre o time. O desgaste humano e relacional comprometeu a confiança e a coesão da equipe, levando à sua saída da posição de liderança. Um desfecho que evidenciou o alto custo de decisões tomadas sem escuta, pausa e consciência relacional.

Aqui cabe uma reflexão trazida por Jared Diamond, biólogo evolucionista e professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), em sua obra Colapso, ao analisar sociedades que entraram em decadência por decisões coletivas disfuncionais — como o caso da Ilha de Páscoa, onde a miopia estratégica levou ao esgotamento dos recursos e ao colapso cultural. Essa perspectiva ilumina como lideranças que ignoram sinais de alerta e insistem em metas imediatas, mesmo diante do desgaste evidente, podem comprometer não apenas o presente, mas a sustentabilidade futura.

A lição é clara: sem saúde relacional, ética emocional e massa cognitiva viva, nenhuma produtividade se sustenta por muito tempo.

No fundo, tudo se resume à qualidade das escolhas que fazemos — e ao grau de disponibilidade interna para nos revermos. Se a motivação for apenas um bônus ou resultado imediato, a mudança será frágil. A reputação e a longevidade — tanto da vida quanto da trajetória profissional — estão em jogo.

Buscar ajuda externa é necessário, mas não suficiente. É preciso abertura real à escuta e ao tempo de reflexão. Rever-se exige humildade: significa escutar mais, acolher mais, integrar mais. E, sobretudo, reconhecer os sinais do ‘brain rot’ em si e no ambiente.

Para onde vamos?

O brain rot vai além da distração: trata-se de um empobrecimento orgânico e progressivo da criatividade, da escuta e da profundidade de pensamento. Quando a mente perde a capacidade de gerar ideias novas, de sustentar atenção plena e de integrar sentimentos com clareza, o próprio tecido da cultura organizacional começa a se deteriorar. A lucidez cede lugar à impulsividade; o diálogo, à defensividade; a inovação, à repetição. O preço desse colapso silencioso é a perda da vitalidade humana — e, com ela, do potencial criativo das organizações.

Theodor Adorno, em Educação após Auschwitz, defendia o pensamento crítico como única vacina contra a repetição de horrores históricos — uma convocação à consciência diante do risco da automatização e da alienação moral, inclusive no mundo dos negócios.

Baruch Spinoza compreendia a mente como potência ativa e via a ética como um caminho de alinhamento entre razão e liberdade. Paulo Freire valorizava a escuta, o diálogo e a consciência crítica como práticas libertadoras — fundamentos também da liderança transformadora.

No mundo dos negócios, isso se traduz em organizações reativas, superficiais e incapazes de se reinventar — e em lideranças que colapsam justamente por não cultivarem tempo de escuta, pausa e revisão.

Conectar a ética pessoal à saúde organizacional tornou-se imperativo: não é mais apenas uma questão de estilo, mas de sustentabilidade humana e inovação real.

Cuidar da qualidade cognitiva de lideranças e equipes não é um preciosismo — é uma decisão estratégica, um compromisso com a longevidade do negócio e o bem-estar coletivo. Em tempos de ruído constante, liderar com presença, discernimento e escuta profunda será o verdadeiro diferencial competitivo.

A pergunta que fica é dupla: no plano coletivo, liderança lúcida ou reatividade automática — qual das duas está moldando o futuro da sua organização? E, no plano individual, você está escolhendo com consciência — ou apenas reagindo ao barulho?

  • *Rubens Harb Bollos é médico, mentor e palestrante. Mestre e Doutor (Ph.D) em ciências pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e pós-doutorado em biologia do desenvolvimento (USP/ICB). Pesquisador nas áreas de imunologia, epigenética, salutogênese e cultura de paz com foco no estudo de indicadores de êxito em saúde. É presidente-fundador da ABMPP.org (Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão)

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