Vishwash Kumar Ramesh, de 40 anos, é o único sobrevivente da queda de um avião na Índia, que matou todas as outras 241 pessoas que estavam a bordo. Entre as vítimas, estava seu irmão, Ajay Kumar Ramesh, de 45 anos. Ambos moravam no Reino Unido, mas haviam viajado ao país para visitar familiares.
Vishwash diz não “acreditar” como conseguiu sair vivo do acidente e muitos se perguntam qual é o impacto psicológico de sobreviver a um desastre em massa como este? Em artigo publicado no The Conversation, Erin Smith, professora associada e líder disciplinar paramédica na Universidade La Trobe, na Austrália, explica que pesquisas mostram que sobreviventes de desastres podem vivenciar uma gama intensa de emoções, desde tristeza e ansiedade até sentimentos de perda e incerteza.
Entre as principais condições que essas pessoas correm maior risco de vivenciar estão “culpa do sobrevivente”, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), estresse agudo, depressão e transtornos de ansiedade.

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De acordo com o psicólogo Christian Kristensen, professor titular da PUC do Rio Grande do Sul, a “culpa do sobrevivente”, um fenômeno que surge após uma pessoa sobreviver a um evento trágico, geralmente quando outros morrem ou sofrem perdas significativas. Esse sentimento foi inicialmente observado em veteranos de guerra, mas, posteriormente, também em pessoas que passam por outras condições, como sobreviver a um acidente aéreo em massa ou outros eventos trágicos.
— Isso acaba trazendo muito sofrimento. Pessoas com “culpa do sobrevivente” não sentem alívio ao sobreviver, mas um imenso sofrimento e uma imensa carga de culpa. Pode haver até uma diminuiçãoda sua capacidade de experienciar emoções positivas.
Isso tende a aparecer de semana a meses após o evento em si e pode tanto fazer parte de um TEPT ou aparecer em pessoas que não se enquadram na definição de TEPT.
Alguns fatores que predispõem a pessoa a experienciar a “culpa do sobrevivente” são eventos com alto número de fatalidades e um baixíssimo número de sobreviventes; fatores do indivíduo em si, como ele ter um conjunto de crenças muito fortes sobre justiça e um senso de justiça e o sentido do mundo, questionamentos sobre se podia ter feito algo para salvar alguém e não conseguiu; esforços para tentar reparar o que aconteceu; e a presença de familiares e amigos entre as vítimas.
A partir do momento que esse sofrimento passa a interferir nas atividades do dia a dia da pessoa, é hora de procurar ajuda. Embora não tenha um tratamento específico para a “culpa do sobrevivente”, dado que não se trata de uma doença ou transtorno em si, terapia psicológica, em especial a terapia cognitivo-comportamental pode ajudar o indivíduo a mudar seu padrão de pensamento e diminuir esse sofrimento.
A outra condição a que pessoas que sobrevivem a esse tipo de evento correm um risco aumentado é o transtorno de estresse pós-traumático ou simplesmente TEPT. Esse transtorno normalmente se instala após um evento que é um grande estressor e representa uma ameaça à vida, à integridade física do indivíduo. Esse evento pode acontecer com ele mesmo ou ele pode testemunhar ou tomar conhecimento de algo que aconteceu com outra pessoa.
Após esse evento estressor, o indivíduo começa a desenvolver um conjunto de problemas, como pensamentos intrusivos, memórias indesejáveis associadas ao evento, tem pesadelos, sente um grande desconforto psicológico; evita lugares, pessoas ou coisas que a façam lembrar daquele evento; passa a se auto responsabilizar pela causa do evento ou ter crenças negativas sobre si mesmo, dificuldade de concentração, hipervigilância, resposta de sobressalto, dificuldade para dormir, irritabilidade, raiva ou comportamentos autodestrutivos.
— Se isso permanece presente no indivíduo por mais do que 30 dias, e produz sofrimento e prejuízo na vida da pessoa, é um quadro de estresse pós-traumático — explica Kristensen.
Não é comum a realização de estudos científicos com sobreviventes de acidentes aéreos. O principal fator para isso é que, em geral, esse tipo de acidente não tende a ter sobreviventes. No entanto, existem alguns.
Um trabalho de 2015 com sobreviventes de um acidente aéreo na Holanda analisou a probabilidade de TEPT e depressão. Os resultados mostraram que entre 121 sobreviventes adultos entrevistados poucos meses após o acidente de 2009, o grau de sintomas de saúde mental experimentados pelos sobreviventes não estava relacionado à gravidade de seus ferimentos físicos.
Outro estudo de 2015, com cerca de 100 pessoas que sobreviveram a um pouso de emergência de avião, constatou que mulheres e pessoas com menor escolaridade eram mais propensas a apresentar sintomas mais graves de estresse pós-traumático, como memórias intrusivas, ansiedade e desconforto.
O estudo também constatou que os sintomas mudaram consideravelmente nos primeiros quatro meses após o evento e gradualmente se tornaram menos graves ou mais previsíveis ao longo dos 19 anos seguintes.
Estudos com militares que sobreviveram a acidentes de avião entre as décadas de 1970 e 1990 descobriram que os eventos levaram a sintomas psicológicos nos sobreviventes, seus cônjuges, membros do esquadrão, socorristas e testemunhas. Dessas pessoas, 68% tiveram pensamentos intrusivos sobre o acidente, 40% experimentaram depressão e ansiedade e 51% apresentaram sintomas de TEPT posteriormente.
No entanto, é preciso ressaltar que embora um evento como esse tenha muito fatores que podem levar ao desenvolvimento destes, não necessariamente isso irá ocorrer.
— Por mais absurdo que possa ser, o evento em si não é traumatogênico — diz o psicanalista João Felipe Domiciano, doutor em psicologia clínica pela USP. — Por isso tem pessoas que passam por eventos grandiosos como a queda de um avião e seguem a vida normalmente, e tem pessoas que passam por situações cotidianas que ganham uma coloração traumática.
Segundo Domiciano, o trauma é acompanhado de como que esse evento vai ser integrado numa narrativa coletiva e individual.
— Em quais são as histórias que vão ser contadas, quais são os lugares que esse evento pode ter na vida individual desse sobrevivente e na vida da sociedade.
Entre os fatores que protetivos, que ajudam a evitar que um sobrevivente de um acidente aéreo ou outro evento trágico em massa desenvolva condições como TEPT ou “culpa do sobrevivente” estão receber cuidados de saúde mental não só logo após o evento, como por alguns meses; retomar as atividades de rotina; se reconectar aos seus grupos de apoio; monitorar a qualidade do sono e praticar atividade física.
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Fonte: InfoMoney