Eu li esse dado enquanto encarava mais uma manhã de guarda-roupa monocromático — calças pretas, camiseta preta, casaco… preto. Pensei: se os CEOs estão apostando em algoritmos para reinventar coleções inteiras, por que eu continuo preso ao Ctrl-C Ctrl-V do meu armário?
Foi aí que liguei para Leonardo Hallal, o consultor de imagem que conheci meses atrás, depois de uma palestra que dei a profissionais do setor. Convidei ele para conversar sobre como a IA está mudando a forma das pessoas se vestirem.
Personas & personalização
Hallal sustenta que o estilo nasce da combinação de doze “personas” — dominantes, complementares e transitórias. “Encontrar quais personas você veste é que vai formar o seu estilo … não existe nenhum estilo igual ao seu”, explicou. Essa teoria casa com a lógica dos algoritmos de recomendação, que transformam traços de comportamento em tamanhos literalmente infinitos: as medidas vão do corpo às redes sociais.
Produtividade que vale bilhões
A matemática do retorno é difícil de ignorar. O mercado global de IA em moda deve saltar de US $ 1,26 bilhão em 2024 para US $ 1,77 bilhão em 2025, num ritmo de 40 % ao ano, segundo pesquisa da The Business Research Company. O nicho de IA generativa é ainda mais veloz: de US $ 96,5 milhões em 2023 para US $ 2,23 bilhões em 2032, a 36,9 % de CAGR, de acordo com dados da Market.US.
Dentro dos ateliês, a diferença já aparece — protótipos que exigiam semanas hoje nascem em minutos; provadores virtuais derrubam devoluções.
Hallal traduz o impacto em língua de costureira: “Você precisa tratar a inteligência artificial como alguém que vai te ajudar a performar melhor… o prompt é seu e o toque final é seu.” Na prática, a IA assume tarefas de modelagem, estamparia e previsão de demanda, liberando designers humanos para decisões de direção criativa.
O risco da passarela pasteurizada
Com a mesma franqueza, o consultor aponta a zona cinzenta: “Está tudo muito igual… a inteligência artificial tende a padronizar ainda mais.” A homogeneização, amplificada pelas redes sociais, ameaça engolir o autoral. A saída, insiste Hallal, é “o antídoto da autoria”: narrativas únicas, curadoria de referências e controle manual das bases de treino.
A preocupação não é teórica. Start-ups portuguesas que testam provadores baseados em avatares identificaram 17 % menos sugestões premium para usuários de pele escura — viés hereditário dos datasets originais. Hallal resume o dilema em uma linha: “Sempre vai existir um coeficiente humano.”
Eficiência com pegada menor
Além de conteúdo, a IA mexe na produção física. Cadeias on-demand que cortam tecido só depois de a peça ser vendida miram no “estoque zero” — resposta direta ao desperdício de 12 % da produção têxtil global que nunca encontra comprador.
Ao conectar previsão de demanda, corte robotizado e rastreio em blockchain, marcas de luxo pretendem cumprir as futuras regras europeias de passaporte digital de produto, mantendo ao mesmo tempo margens mais gordas.
O próximo prompt
Quem integrar geração de imagem, manufatura automatizada e logística reversa ditará tendência até o fim da década. Investidores já aceleram: mais de 400 start-ups específicas de moda levantaram US $ 21 bilhões em 2023, focadas em design generativo, fotografia sintética e provadores AR, conforme pesquisa divulgada pela Vogue Business.
Ao encerrar a gravação, Hallal devolveu-me a pergunta que move todo o setor: “Onde é que você vai se diferenciar num mar de conteúdo que pode copiar o seu estilo?” Ele próprio deu a pista. Se a IA já é costureira, figurinista e vitrine, cabe a nós decidir se viramos manequins uniformizados — ou autores do próprio look.
Para assistir a entrevista completa em vídeo acesso o link.
Fonte: Exame