Com a renda fixa como o motor do mercado de capitais nos últimos anos, um instrumento vem assumindo cada vez mais protagonismo em volume e atratividade: os FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios). De 2023 para 2024, o volume captado por eles cresceu 89,6% e a classe se consolidou como a segunda mais relevante em volume no mercado de capitais— em 2025, já foram R$ 30,3 bilhões captados, atrás apenas das debêntures —, superando instrumentos como CRIs, CRAs, ações e fundos imobiliários.
Esses fundos operam comprando dívidas que as empresas têm a receber. Para as companhias, a vantagem é antecipar o que receberiam no futuro com contratos de aluguel, operações de cartão de crédito e outros recebíveis. Já os fundos podem lucrar com as operações ao cobrar das empresas um prêmio em cima do valor a receber por antecipar o pagamento e assumir o risco de inadimplência.
Elogiados pela pulverização de riscos, estruturas bem amarradas e possibilidade de retornos mais altos em tempos de spreads amassados em debêntures, eles vêm fazendo sucesso e se tornando, inclusive, opção para gestores de fundos de crédito privado.
O sucesso, porém, ainda é amplamente restrito aos investidores qualificados — quem têm mais de R$ 1 milhão em investimentos — e profissionais — pessoas físicas com patrimônio superior a R$ 10 milhões, fundos de investimento, administradores de carteira e outras instituições. Em abril, os FIDCs administravam R$ 690,53 bilhões distribuídos em 3.299 fundos. Mas apenas seis (0,18%) fundos de recebíveis são abertos ao investidor de varejo. Os dados foram levantados pela Uqbar.
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“Não há entrave relevante”
Parte do motivo para a falta de acesso do público geral ao instrumento está no histórico. Os FIDCs foram criados em 2001, mas foi apenas em outubro de 2023 que passou a valer uma resolução da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) que libera o investimento do público geral na classe.
Oito meses depois, em junho do ano passado, a Solis Investimentos lançou o primeiro FIDC aberto ao varejo: o Solis Antares Pioneiro. O FIC de FIDC — fundo de investimento que compra cotas de outros FIDCs —, que fez seu primeiro aniversário recentemente, entregou retorno de 116,36% do CDI aos cotistas até dezembro.
Para Ricardo Binelli, sócio-diretor da Solis, “não há um entrave relevante” para a adaptação de FIDCs para o público geral. Ele diz enxergar um movimento mais relevante na indústria na direção do varejo daqui para frente: “estruturadores agora estão percebendo que abrir um FIDC para o varejo não atrapalha o original e pode ser uma ferramenta de barganha”.
Binelli se refere à visão de parte da indústria de que o público geral, por geralmente entender menos do instrumento e ser mais volátil nas decisões, atrapalharia a gestão dos FIDCs. Esses fundos captam dinheiro dos investidores para comprar o direito de receber pagamentos no futuro e podem sofrer com resgates em massa.
Mas há uma solução para esse problema: na Solis, o jeito foi colocar no regulamento a obrigação de ter 30% da carteira alocada em ativos liquidáveis até o prazo de resgate (60 dias). Nos fundos fechados para qualificados e profissionais da casa, a proporção geralmente é de 15%. A ideia é se proteger de um possível comportamento volátil dos investidores de varejo em tempos de estresse.
Porém, mesmo lidando com 5.683 cotistas (de acordo com dados da Uqbar até abril), a gestora ainda não percebeu diferença alguma no comportamento do investidor de varejo na comparação com qualificados, segundo Binelli. Ele ainda argumenta que “o mercado estruturado não quer pessoas físicas porque não sabe como vão se comportar, mas, por falta de costume, não se atenta para o fato de que podem ter um veículo com o público geral e ainda fazer ofertas só para profissionais”.
Abertura ao varejo pode ser “moeda de troca”
As falas de Binelli e Delano Macêdo, também sócio-diretor da Solis, ao InfoMoney mostram que a casa não apenas não enxerga “entraves relevantes” para a abertura ao varejo, mas ainda considera ter um fundo voltado a esse público uma vantagem competitiva para a gestora.
“Muitas vezes nos deparávamos com operações muito seguras, mas com prêmios baixos e nem perdíamos tempo para tentar colocar em pé porque não tínhamos perfil de investidor para aquele preço”, conta Macêdo.
Ele lembra que, ao liberar o acesso ao investidor de varejo, a CVM se preocupou em diminuir o risco, permitindo, entre outras regras, a ele apenas a compra de cotas seniores —que têm prioridade no recebimento — e ao fundo apenas a compra de ativos performados — quando a prestação de serviço ou entrega de produto já aconteceu.
Logo, por característica, um FIDC aberto ao público geral opera com ativos menos arriscados, que, apesar de ainda vantajosos, poderiam ser ignorados pelos gestores. Portanto, a entrada do público geral é benéfica para aumentar a área de atuação dos fundos de recebíveis e “casar ativos com o público que faz mais sentido”.
Os FIDCs abertos para o varejo ainda podem funcionar como uma “moeda de troca para baratear operações”, segundo Binelli. Isso porque, ao atuar “em todo espectro de perfil de deals”, dá aos gestores poder de barganha, argumenta.
Parte relevante do público que acessa os fundos de recebíveis abertos já queria investir nesses instrumentos quando eles eram fechados a qualificados, segundo Macêdo, o que mostra que, mesmo no varejo, há investidores mais comprometidos com o longo prazo e com conhecimento para esse tipo de alocação. “Não era incomum ouvirmos de assessores de investimentos que era uma pena que seus clientes não podiam investir em FIDCs.”
Ele também conta que, ao estruturar o Solis Pioneiro, a demanda surpreendeu e superou em três vezes a projeção da gestora, que hoje precisa fazer um rodízio entre as plataformas para evitar captar mais do que pode alocar com qualidade.
“Maior receio é com aventureiros”
Ao projetar o futuro da participação do publico geral nos fundos e do setor em geral, a Solis mistura otimismo com uma preocupação. Na ponta otimista está o fato de que “parte do bom retorno dos FIDCs vem de uma grande ineficiência do mercado de crédito, que é escasso e caro”, segundo Binelli. Com isso, a classe ainda tem “matéria-prima” para continuar gerando retornos acima do CDI consistentemente.
Os líderes da gestora admitem que a entrada do varejo pode impactar negativamente a rentabilidade, algo facilmente explicado pela lei da oferta e demanda. Porém, Binelli diz que a posição dos FIDCs na comparação com classes como debêntures e CDBs “tende a se manter”. Para Delano Macêdo, a capacidade de originação das gestoras também conta e ainda é possível encontrar bons ativos de crédito para entregar retornos robustos.
Por outro lado, o maior receio da Solis com mais investidores de varejo chegando está em “aventureiros que queiram surfar essa onda, mas não têm o conhecimento necessário para participar do mercado”, diz Macêdo. A definição vale para gestoras que, para se destacar e chamar atenção de pequenos investidores com promessas de retornos altos, podem “começar a colocar ofertas de operações não tão bem estruturadas e gerar um problema de mercado”.
Segundo os especialistas, momentos de otimismo, como o que vive o mercado de FIDCs, são propícios para o surgimento de participantes inexperientes e, em caso de problema com algum fundo aberto para o público geral, os investidores“ misturam o joio com o trigo” e até boas gestoras podem sofrer com a desconfiança do mercado.
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Fonte: InfoMoney