A decisão do presidente americano, Donald Trump, de bombardear o Irã na madrugada deste domingo (noite de sábado em Brasília) “é um marco histórico”, mas não deve destruir o programa nuclear do país nem derrubar seu regime, avaliam especialistas ouvidos pelo O Globo.
Por outro lado, pode levar a uma escalada do conflito entre Israel e a República Islâmica e ainda provocar um desgaste interno para o republicano, já que contraria suas promessas de campanha de não se envolver em conflitos em territórios distantes, afirmam.
— Ainda não temos a dimensão de quão eficazes foram os ataques americanos, mas é certo que os EUA acrescentam à guerra contra o Irã recursos militares dos quais Israel não dispõe, como as bombas MOP, com capacidade de penetrar bunkers profundos, e poder naval para bloquear os portos iranianos no Golfo Pérsico e fechar o estreito de Ormuz, única conexão do golfo com o mar aberto — afirma Mauricio Santoro, colaborador do Centro de Estudos Políticos-Estratégicos da Marinha do Brasil.

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— Se isso de fato ocorrer, será uma escalada significativa no conflito, com impactos globais, pois por Ormuz passam cerca de 25% do comércio mundial de petróleo.
As Forças Armadas dos EUA realizaram um ataque a três instalações nucleares iranianas neste domingo (sábado em Brasília), marcando a entrada oficial de Washington na guerra iniciada por Israel há nove dias. De acordo com Trump, as ações miraram Natanz, Isfahã e a fortaleza subterrânea de Fordow, uma instalação de enriquecimento de urânio considerada o “coração” do programa nuclear de Teerã.
Em sua plataforma Truth Social, o republicano defendeu que o ataque forçará o regime iraniano a acabar com a guerra, indicando que “não há outro exército no mundo que poderia ter feito isso”.
Mas para Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra, a tendência é que o Irã busque retaliar os EUA com os meios que ainda dispõe, uma vez que “encerrar seu programa nuclear representaria a antessala para a mudança do regime”, o que torna sua continuidade uma “questão existencial” para “o legado da Revolução Islâmica de 1979”. Ainda segundo ele, Teerã têm à disposição “sua grande capacidade missilística” e poderia utilizá-la, por exemplo, para forçar uma interrupção do tráfego de petróleo no Estreito de Ormuz.
— É altamente improvável eliminar o programa nuclear iraniano apenas com bombardeios às suas instalações conhecidas. Tampouco haverá um colapso do regime apenas com base na interdição aérea, sem tropas no terreno — avalia Carmona. — O Irã é a principal força militar do Oriente Médio, por isso Israel a considera seu antagonista principal.
Ainda não há informações sobre a dimensão dos danos, mas a imprensa iraniana confirmou que as infraestruturas de fato foram atacadas. Logo após o ataque, a Guarda Revolucionária da República Islâmica, braço mais poderoso das Forças Armadas do país, disse “agora a guerra começou para nós”. Em uma ofensiva no início do dia, Israel disse ter matado três comandantes da força — que já vinha sofrendo baixas importantes na sua alta cúpula desde o início do conflito.
Na opinião de Paulo Filho, coronel da reserva e mestre em Ciências Militares, ainda “é muito cedo para avaliar” as consequências da entrada dos EUA na guerra. Segundo ele, dois fatores são fundamentais para analisar a operação: os danos efetivos e como será a reação dos iranianos.
— Uma eventual destruição de Fordow deve ter deixado algum registro sismográfico, seria uma coisa a investigar — pontuou, questionando qual será o próximo passo da República Islâmica: — A Guarda Revolucionária tuitou “agora entramos na guerra”. O que farão: atacar tropas dos EUA na Síria e no Iraque? Fechar o estreito de Ormuz? Eles ainda têm condições de reagir? E se reagirem, qual será a resposta dos EUA? Há chance de queda do regime?
Nos últimos dias, Washington deu diversos indícios de que entraria oficialmente na guerra.
Mais cedo neste sábado, os EUA enviaram para sua Base Naval de Guam, no Pacífico, seis bombardeiros furtivos B-2 — os únicos com capacidade para transportar bombas do tipo “bunker busters”, de quase 14 toneladas, projetadas para destruir bunkers subterrâneos como a fortaleza nuclear de Fordow. A manobra foi vista como um presságio de um ataque iminente, uma vez que a proximidade da base com o Oriente Médio e seu papel como centro logístico regional a tornam um ponto de partida estratégico para operações na região.
Paralelamente, os EUA já haviam enviado cerca de 30 aviões de abastecimento para a região e deslocado seu maior porta-aviões, o USS Gerald R. Ford, para o leste do Mar Mediterrâneo, perto de Israel, com previsão de chegada na próxima semana. Com capacidade para cerca de 4.600 militares e até 90 aeronaves, ele se juntará a outros dois superporta-aviões americanos que já estão nas proximidades: o USS Nimitz, que estava no sudeste da Ásia, e o USS Carl Vinson, antes em operação no Oceano Índico.
Outro indicio de que Washington foi uma informação revelada mais cedo pela AFP de que Trump, que raramente passa os fins de semana em Washington, retornaria à Casa Branca na noite deste sábado para uma “Reunião de Segurança Nacional” não especificada.
Há dois dias, Trump advertiu que Teerã tinha “no máximo” duas semanas para evitar possíveis ataques aéreos americanos, enquanto Washington avaliava se deveria se juntar à campanha de bombardeios sem precedentes de Israel. No entanto, em uma reportagem da Reuters publicada neste sábado, duas autoridades ouvidas sob condição de anonimato pela agência teriam afirmado que Israel estava pressionando Trump a aproveitar a janela de oportunidade para atacar agora.
Em um discurso à nação na noite deste sábado, o presidente americano voltou a justificar sua ação alegando, de maneira contraditória, que o ataque levaria ao fim das hostilidades — uma decisão que pode ter impactos domésticos para ele, afirmam especialistas.
— Juntar-se aos ataques de Israel ao Irã contraria as promessas de campanha de Trump de deixar EUA de fora de novos conflitos no Oriente Médio — destaca Santoro. — Ele mudou de ideia diante dos bombardeios israelenses bem-sucedidos, que aparentemente enfraqueceram bastante a defesa aérea iraniana. A aposta de Trump é que os EUA farão uma intervenção pontual, rápida, contra alvos estratégicos, como as instalações-chave do programa nuclear, e que ele terá os benefícios da vitória sem o desgaste de uma guerra longa.
Até o momento, porém, o Irã não deu sinais de que baixará a guarda tão facilmente.
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Fonte: InfoMoney