Há 20 anos, Dijane Clemente, de 58, trabalha como empregada doméstica e vive uma rotina de deslocamentos diários com seis conduções para ir e voltar do trabalho. Apesar de ter carteira assinada, precisa fazer diárias, pois o salário não é suficiente para as despesas de casa, onde mora apenas com uma filha, de 18 anos.
A realidade de Dijane não é um caso isolado. Das 6 milhões de trabalhadoras domésticas remuneradas no país, sete em cada dez se sentem cronicamente cansadas, e 57,1% são chefes de família, aponta um estudo inédito feito pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Além disso, 64,5% ganham menos do que um salário mínimo. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE, divulgada no primeiro trimestre deste ano, a categoria tem um rendimento médio de R$ 1.293, considerando pessoas com e sem carteira assinada.

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— Tem que fazer um extra porque nunca dá. O mês continua e o salário acaba. Meu aluguel custa R$ 600. Tem vezes, aos sábados, em que trabalho até 14 horas no emprego fixo e vou para o extra — diz Dijane.
Do total de trabalhadores domésticos, mais de 90% são mulheres, sendo 66% negras. Carteira assinada não é comum: 25% têm vínculo formal, e 36% contribuem para a Previdência Social. O estudo, diz Laís Wendel Abramo, secretária nacional de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento Social, reflete uma realidade de precarização, informalidade e falta de reconhecimento.
— O cenário é fruto de um processo histórico que remonta à escravidão, no qual o trabalho de cuidado sempre foi imposto às mulheres.
Lei das Domésticas faz 10 anos
No Brasil, três em cada quatro trabalhadoras domésticas não têm vínculo formal, mas essa realidade poderia ser ainda mais grave se não fosse a Lei das Domésticas, que completa dez anos neste mês. A avaliação é de Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal:
— A lei complementar é positiva, e isso é fácil de demonstrar pelo número de trabalhadoras com carteira assinada, que aumentou com a lei.
Apesar disso, Avelino destaca que ainda há o que melhorar, principalmente devido à informalidade e à precariedade enfrentadas por muitas trabalhadoras:
— A lei é boa, mas falta um direito básico: o abono salarial do PIS. É preciso também que o governo melhore a fiscalização. Faltam normas regulamentadoras sobre saúde e segurança do trabalho, pois existem diferenças entre empregadores pessoa jurídica e pessoa física. Por fim, é necessário uma maior divulgação da educação trabalhista.
Sem direito a descanso
Assim como Dijane, Gilmara Gomes, de 41 anos, é mais um exemplo da dura realidade dessa categoria. Atuando como empregada doméstica desde os 16, hoje ela enfrenta um trajeto de no mínimo duas horas para trabalhar quatro dias na semana com carteira assinada.
Nos outros dias, incluindo os domingos, faz diárias extras para dar conta de sustentar a si mesma e a filha, de 7 anos. Até mesmo nesses dias, ela costuma ir para outras cidades e precisa enfrentar, quando não o trânsito, a falta de ônibus, comum nos fins de semana.
— As pessoas perguntam como eu aguento, mas tenho que aguentar, é necessidade. O que a gente queria era poder ter, pelo menos, um plano de saúde, o que seria fora do normal, para ir ao médico. Mas não podemos adoecer. Sinto que não temos esse direito — desabafa.
Valorização e garantias
Diante da pesquisa, que ouviu 665 profissionais de todo o país, reconhecimento, valorização, garantia de direitos e melhores condições de trabalho são as principais demandas dessas mulheres, destaca a secretária nacional de Cuidados e Família:
— Isso significa combater a informalidade, garantir a assinatura da carteira, assegurar acesso à previdência, à qualificação profissional, à saúde e também enfrentar questões como os longos deslocamentos e a sobrecarga de trabalho.
Ter seu trabalho reconhecido e se sentir cuidada é um dos desejos de Dijane, não só para si, mas para toda a categoria:
— O que eu queria é que essas políticas públicas atingissem toda a população de domésticas, porque, infelizmente, a gente cuida, mas não tem quem cuide da gente. A remuneração é muito pouca. A gente vive na precariedade sempre — finaliza.
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Fonte: InfoMoney