O psicólogo Jan Leonardi explica que, ao contrário de um investimento, em que é possível traçar um perfil de risco e ter previsibilidade, as apostas funcionam como uma armadilha: “Existem aqueles investimentos que eu sei que eu vou ganhar ali talvez 13% no ano com tranquilidade, meu dinheiro não vai desaparecer. E não é o caso das apostas”.
O avanço das apostas online no Brasil, incluindo as bets esportivas e os populares “jogos do tigrinho”, tem gerado preocupações em diferentes áreas. Esse foi o tema do 13º episódio da 3ª temporada do Mapa Mental, do canal GainCast, que contou com a participação de Jan Leonardi, referência no estudo do comportamento humano.
Leonardi é doutor em psicologia clínica pela USP, especialista em terapia comportamental e terapia comportamental dialética. Foi ainda presidente da Associação Brasileira de Psicologia Baseada em Evidências.
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Vício silencioso
Um dos principais mecanismos que mantém os apostadores presos ao ciclo de perdas e tentativas de recuperação é o reforçamento (aumento de probabilidade de comportamento) intermitente. “Se de vez em quando eu der alguma coisinha, mesmo que na soma total ele muito mais perdeu do que ganhou, mantenho ele ali”, explica.
As plataformas usam notificações e bônus para estimular o retorno. “Imagina que o cara perdeu um tanto, ele fala: ‘Ah, não sei, só tô perdendo, não quero mais’. Ele fica lá um tempo sem jogar, de repente chega uma notificação: ‘O jogo tá com saudade de você’ ou fala assim: ‘Ó, se você voltar hoje, tem um bônus que só vale para as próximas 2 horas, hein, R$100,00 de bônus’”, exemplifica.
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Leonardi destaca que o discurso do “dinheiro fácil” promovido nas redes sociais explora um viés cognitivo natural do ser humano.
“Nós, seres humanos, temos basicamente dois tipos de cognição. Um pensamento rápido, muito automático, que é uma espécie de atalho mental, e um pensamento muito mais lento, que serve para situações complexas. Quando alguém diz que existe uma solução mágica, que você pode ganhar muito dinheiro rapidamente, isso ativa o pensamento automático, e a pessoa embarca na promessa sem análise crítica”, explica.
Embora qualquer pessoa possa ser impactada, Leonardi aponta grupos mais vulneráveis. “Primeiro adolescentes. Adolescente ele tem menos controle de impulso, é menos racional, mais reativo, mais impulsivo. Então ele já é automaticamente alguém mais suscetível”, comenta.
Além disso, pessoas com transtornos de ansiedade, déficit de atenção, ou traços de impulsividade estão em maior risco. O impacto, segundo ele, é devastador: “O principal produto de alguém que entrou em jogo, começou a jogar demais e perdeu tudo é depressão. Porque a depressão é um quadro clínico muito comum de ser disparado por perdas grandes”, afirma.
Para quem já se envolveu com apostas ou quer evitar cair na armadilha. “A primeira coisa é olhar para o quanto que ela se preocupa com o jogo, o quanto ela quer jogar, se ela abre mão de outras atividades para jogar. Depois disso, tem o custo financeiro. Eu conheço uma pessoa que aposta todo mês R$ 20,00 em bets. Ele nunca escalonou. Parece que tá tudo bem. A minha questão é: eu nunca arriscaria isso. Porque tem tantos mecanismos previstos e planejados para te fazer apostar mais”, recomenda.
E deixa um recado claro: “Não acredite que você vai conseguir ganhar. Você não vai ganhar. Você sempre vai mais perder do que ganhar numa proporção absurda”.
Para Leonardi, as bets são um mercado imoral. “Não é porque algo é legalizado que algo não é imoral. A escravidão já foi legalizada”, destaca.
Segundo ele, o verdadeiro problema está nos divulgadores. “O verdadeiro imoral são os divulgadores. A esmagadora maioria das pessoas que fazem propaganda de bets e tigrinho não precisam. São pessoas que já têm grana”, conclui.
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Fonte: InfoMoney
