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Álcool pode elevar risco cardíaco mesmo em doses baixas, indica pesquisa dos EUA

15 de julho de 2025 - 07:17Uma torneira de cerveja Guinness e uma torneira de cerveja Guinness 0.0 sem álcool são vistas no pub The Devonshire em Soho, Londres, Grã-Bretanha, 10 de outubro de 2024. REUTERS/Hollie Adams

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A ideia de que uma taça de vinho por dia faz bem ao coração pode ter começado a perder sustentação científica. Um relatório da Associação Americana do Coração (AHA), publicado em 9 de junho na revista “Circulation”, conclui que os riscos superam os possíveis benefícios. Enquanto o consumo excessivo está claramente associado a um maior risco de infarto, AVC, fibrilação atrial e outras doenças cardíacas, os efeitos supostamente “protetores” do consumo leve ou moderado são cada vez mais incertos, e não há evidência suficiente para recomendar o álcool como parte de um estilo de vida saudável.

Segundo a AHA, beber uma ou duas doses por dia poderia ter uma relação neutra ou até levemente benéfica em alguns casos, mas os estudos que apoiam essa possibilidade apresentam limitações importantes: são observacionais, não controlados e, portanto, suscetíveis a diversos vieses. Por outro lado, quando se analisa o consumo médio de três ou mais doses diárias, a relação com maior risco cardiovascular é clara e consistente.

O relatório alerta que o consumo de álcool é amplamente disseminado na população geral. Nos Estados Unidos, 85% dos adultos declararam já ter consumido álcool alguma vez na vida, e mais de 60 milhões de pessoas com mais de 12 anos relataram ter tido pelo menos um episódio recente de consumo excessivo.

O início precoce é comum: muitos começam na adolescência e mantêm o hábito até a idade adulta avançada. De fato, 44% dos adultos com mais de 65 anos continuam consumindo álcool. Durante a pandemia de Covid-19, foi registrado um aumento sustentado na frequência e quantidade de consumo, inclusive com casos problemáticos.

Para compreender os riscos, o relatório estabelece uma definição padronizada de dose: nos Estados Unidos, uma unidade equivale a 14 gramas de álcool, o que corresponde a 350 ml de cerveja (5%), 150 ml de vinho (12%) ou 45 ml de destilado (40%). No entanto, essas equivalências não são uniformes no mundo todo, o que dificulta a comparação de dados entre países e populações.

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O documento destaca que não há consenso internacional sobre as recomendações para o consumo de álcool. Enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) sustenta que não existe um nível seguro, as diretrizes alimentares dos Estados Unidos reconhecem a incerteza quanto aos efeitos do consumo leve e não promovem o álcool como parte de uma dieta saudável.

Álcool x pressão arterial, infarto e AVC

Um dos principais focos do relatório é a relação entre álcool e pressão arterial. Em geral, beber uma ou duas doses por dia não parece causar um impacto imediato significativo. Mas a partir de três unidades, a resposta do organismo muda: há uma queda inicial da pressão, seguida por um aumento sustentado que pode durar até 24 horas.

Em estudos controlados, pessoas que consumiam seis doses diárias e reduziram essa quantidade pela metade conseguiram reduções notáveis nos valores da pressão sistólica e diastólica. Além disso, uma metanálise com dados de mais de 600 mil pessoas mostrou que até mesmo uma dose diária pode elevar progressivamente a pressão arterial, sem que se tenha identificado um limite seguro.

A relação entre o consumo de álcool e o infarto do miocárdio apresenta nuances. Segundo o relatório, algumas pesquisas sugerem uma leve redução no risco quando o consumo está dentro dos limites considerados “moderados” (uma dose diária para mulheres, duas para homens). Mas esse efeito desaparece se houver episódios de consumo excessivo.

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Além disso, quando se usam metodologias mais rigorosas, como a randomização mendeliana — que utiliza dados genéticos para evitar erros típicos dos estudos observacionais — não são encontrados benefícios cardiovasculares claros. Realmente, os dados e os estudos de casos e controles agrupados indicam, na melhor das hipóteses, uma redução muito fraca do risco, insuficiente para justificar uma recomendação clínica.

Em relação ao acidente vascular cerebral (AVC), os achados são semelhantes. O consumo de até duas doses por dia poderia estar associado a uma leve redução no risco de AVC isquêmico. No entanto, essa possível proteção desaparece — e até se inverte — quando se ultrapassam as três doses diárias. A partir desse ponto, o risco aumenta tanto para AVCs isquêmicos quanto hemorrágicos. A evidência genética mais recente é contundente: quanto maior o consumo médio de álcool, maior o risco de sofrer qualquer tipo de AVC, tanto em homens quanto em mulheres.

Um dos vínculos mais sólidos identificados na literatura científica, e reafirmado por este relatório, é o existente entre o álcool e a fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca comum que pode aumentar o risco de AVC e de insuficiência cardíaca. Ao contrário de outras doenças, neste caso o risco aumenta mesmo com consumos baixos.

Não há um limite mínimo definido abaixo do qual se possa falar em segurança. Pelo contrário, a abstinência está associada a uma menor carga de fibrilação atrial, e estudos controlados mostraram que pessoas que pararam de beber tiveram uma redução significativa na recorrência do problema.

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Consumo crônico

No caso da miocardiopatia alcoólica, o relatório documenta que o consumo crônico e elevado — entre sete e quinze doses por dia durante mais de cinco anos — pode causar danos estruturais ao coração. Também foram observados sinais de disfunção cardíaca, como alterações na função diastólica, em pessoas que consumiam apenas quatro doses semanais, o que indica que certos indivíduos podem ser especialmente suscetíveis, mesmo com doses baixas.

Com relação à insuficiência cardíaca, o risco aumenta claramente quando se ultrapassam as 21 doses semanais. Abaixo desse limite, não há evidências sólidas de efeito protetor. O relatório ressalta que, além da quantidade consumida, há fatores individuais que influenciam a resposta do organismo, como sexo, idade, genética e estado geral de saúde.

A AHA alerta que as mulheres tendem a alcançar concentrações mais altas de álcool no sangue do que os homens ao consumir a mesma quantidade, devido a diferenças no metabolismo. Essa maior exposição as torna mais vulneráveis a certos efeitos adversos. Também foram identificadas diferenças genéticas conforme a origem étnica: algumas variantes que afetam o metabolismo do álcool são mais frequentes em pessoas de ascendência asiática ou africana, o que pode alterar o risco nesses grupos populacionais.

Em adultos mais velhos, os perigos são agravados pela interação frequente entre o álcool e os medicamentos que costumam usar diariamente. Em adolescentes e adultos jovens, o consumo episódico intenso — ou binge drinking — já está associado a alterações preocupantes: aumento da pressão arterial, disfunção endotelial, arritmias e até risco elevado de AVC.

O relatório também aborda o efeito do álcool em pessoas com diabetes. Embora alguns ensaios clínicos tenham detectado melhorias modestas no colesterol HDL após o consumo de vinho tinto, também foram observados aumentos na pressão sistólica. Outros estudos não encontraram efeitos significativos sobre a glicemia nem sobre a progressão de placas ateroscleróticas. Portanto, as evidências não permitem estabelecer um benefício claro do álcool nesse grupo de pacientes.

O impacto do álcool sobre o sistema cardiovascular não se limita a um único mecanismo. A AHA afirma que sua ação atravessa múltiplas vias: afeta os níveis de lipídios no sangue, altera a coagulação, influencia processos inflamatórios, modifica o metabolismo da glicose e pode alterar o peso corporal. Por exemplo, em alguns casos, observou-se que o álcool aumenta a adiponectina e reduz o fibrinogênio, dois biomarcadores relevantes na saúde cardiovascular. Mas, ao mesmo tempo, pode induzir hipertensão, dificultar a adesão a tratamentos e gerar complicações metabólicas.

Quanto à obesidade, os resultados são inconsistentes. Alguns estudos longitudinais não detectaram uma relação direta entre o consumo de álcool e o ganho de peso. No entanto, outros estudos identificaram maior probabilidade de sobrepeso ou obesidade entre aqueles que consomem grandes quantidades com regularidade.

Diante desse cenário, a conclusão do relatório é categórica: o consumo excessivo e o binge drinking são nocivos ao sistema cardiovascular. As evidências sobre os possíveis benefícios do consumo moderado, por sua vez, são insuficientes, contraditórias e vulneráveis a erros metodológicos. Por isso, a AHA desaconselha que profissionais de saúde recomendem o álcool como ferramenta preventiva. Não existem razões clínicas para sugerir seu consumo em pacientes saudáveis nem naqueles com risco cardiovascular.

Em vez disso, a organização destaca a importância de fortalecer outras estratégias de vida saudável com efeitos comprovados: prática regular de atividade física, alimentação equilibrada, abandono do tabaco, controle do peso e acompanhamento médico. O relatório termina com um alerta claro: é urgente promover mais estudos clínicos controlados que permitam avaliar com precisão o impacto do álcool em diferentes subgrupos da população e ajudar a compreender os mecanismos envolvidos em seus efeitos. Até que isso aconteça, a precaução — e não a taça diária — é a melhor aliada do coração.

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Fonte: InfoMoney

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