O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, pautou para esta quarta-feira (4) a retomada do julgamento do Marco Civil da Internet, que havia sido suspenso em razão de um pedido de vista — mais tempo para análise — do ministro André Mendonça, em dezembro do ano passado.
O julgamento gira em torno da responsabilidade das plataformas digitais por conteúdos ilícitos publicados por usuários, como discursos de ódio, desinformação, incitação à violência e crimes contra crianças e adolescentes.
Atualmente, a atuação das redes no Brasil é regida pelo Marco Civil da Internet (2014), cujo artigo 19 só permite responsabilização judicial das empresas em caso de descumprimento de ordem judicial para remoção de conteúdo.
Segundo o advogado Paulo Lilla, especialista em direito digital, o principal ponto do julgamento será definir se essa exigência de ordem judicial para responsabilização deve ser mantida.
De acordo com Lilla, há duas visões diferentes sobre a responsabilização das plataformas por conteúdos de terceiros.
“Os que defendem a inconstitucionalidade do artigo 19 argumentam que ele blinda as plataformas e impõe entraves burocráticos à remoção de conteúdos ilegais. Já os defensores do artigo sustentam que a regra é essencial para garantir a liberdade de expressão e evitar censura prévia”, afirma Lilla.
Diante desse cenário de julgamento, especialistas ouvidos pela CNN avaliam que o julgamento pode causar tensão entre os poderes já que o Congresso Nacional ainda não tomou uma decisão sobre a regulamentação das redes sociais no Brasil.
STF x Congresso
A retomada do julgamento ocorre em um momento de tensão entre o Judiciário e o Congresso, principalmente por conta do arquivamento do chamado PL das Fake News em 2023. Alguns parlamentares interpretam a movimentação do STF como uma tentativa de legislar sobre um tema que, na avaliação deles, deve ser tratado pelo Legislativo.
Alguns parlamentares também enxergam o julgamento do tema como uma investida do STF. À CNN, após assumir a cadeira, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB) disse que “não legislar também é uma posição” e considerou um “erro” o STF decidir sobre o assunto.
Apesar disso, a especialista em Direito Digital e Proteção de Dados Pessoais Larissa Pigão aponta que o STF está agindo dentro de suas atribuições constitucionais ao julgar casos concretos. No entanto, a marcação do julgamento ocorre em um momento delicado na dinâmica entre os Poderes.
“Embora o Supremo esteja agindo dentro de sua competência constitucional ao julgar casos concretos, é importante reconhecer que há uma linha tênue entre interpretar a lei e, na prática, estabelecer parâmetros com efeitos quase regulatórios”, afirmou Larissa.
Ela explica que, embora o julgamento não configure uma regulamentação formal, as decisões do STF em ações com repercussão geral têm força vinculante e servem como orientação para o restante do Judiciário — afetando diretamente a conduta das plataformas.
“Uma decisão do STF tem força vinculante e pode estabelecer parâmetros interpretativos que, na prática, orientam a atuação de todo o Judiciário e impactam diretamente o comportamento das plataformas digitais”, afirma Larissa.
Para o advogado Marcus Valverde, também especialista na área, a demora do Congresso em regulamentar o tema acabou abrindo espaço para o STF atuar de maneira mais proativa.
“Diante da morosidade do Congresso em avançar com essa pauta, o STF assume um papel proativo para preencher o vácuo regulatório, buscando proteger direitos fundamentais ameaçados pela disseminação de conteúdos ilícitos nas redes sociais”, avalia Valverde.
Ele lembra que, apesar de o STF não ter a função de legislar, suas decisões — ao reinterpretar ou eventualmente declarar a inconstitucionalidade do artigo 19 — podem estabelecer novos parâmetros de responsabilização para as plataformas.
“Isso impactará diretamente a forma como essas empresas operam no Brasil, exigindo delas maior diligência na moderação de conteúdos”, acrescenta.
Atuação do Planalto
A regulamentação das redes também é assunto de discussões no poder Executivo. Na segunda-feira (27), a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma petição ao STF em que requereu a aplicação imediata de medidas judiciais contra episódios de desinformação e omissão das plataformas na remoção de conteúdos ilícitos.
Segundo Paulo Lilla, a manifestação da AGU reflete o posicionamento do governo federal, que defende a revisão do artigo 19 para permitir a responsabilização direta das plataformas, sem necessidade de decisão judicial prévia.
“A politização excessiva desse tema, que é técnico e sensível, prejudica a construção de uma solução democrática e equilibrada. A regulamentação ideal deve vir do Congresso, com transparência e participação popular — como ocorreu na elaboração do próprio Marco Civil”, afirma o advogado.
Segundo apurou a CNN, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está pessoalmente envolvido nas articulações para viabilizar a proposta de regulação. O Palácio do Planalto trabalha para enviar um projeto ao Legislativo ainda neste semestre.
Desafio jurídico e social
Os especialistas concordam que o julgamento do STF pode marcar um novo capítulo na história da regulação da internet no Brasil. O desafio, segundo eles, é equilibrar a proteção de direitos fundamentais, a liberdade de expressão e a responsabilidade das plataformas.
“Estamos diante de uma discussão que ultrapassa os limites do direito: ela impacta a forma como nos informamos, nos comunicamos e exercemos a cidadania no ambiente digital”, resume Larissa Pigão.
Valverde entende ser fundamental que qualquer mudança preserve o equilíbrio entre a liberdade de expressão e a proteção contra abusos, garantindo um ambiente digital seguro e democrático
“A decisão terá impactos significativos na forma como as empresas de tecnologia operam, podendo exigir maior diligência na moderação de conteúdos e na proteção dos direitos dos usuários”, argumenta.
Fonte: CNN Brasil