O mercado de fundos de crédito vive um momento atípico e perigoso. Os spreads — aquele prêmio adicional que deveria compensar o risco de emprestar dinheiro para empresas em vez de aplicar em títulos públicos — estão em níveis tão baixos que, em alguns casos, se tornaram negativos. O alerta foi feito por Guilherme Legatê, gestor da Root Capital, e Marcelo Urbano, sócio-fundador da Vista Capital, em entrevista ao programa Stock Pickers, apresentado por Lucas Collazo.
Segundo os gestores, o excesso de liquidez na indústria de fundos de crédito, especialmente nas estratégias consideradas high grade, distorceu completamente os incentivos. Com tanto dinheiro disponível, os investidores estão aceitando retornos baixos (ou até penalizações) por ativos que antes exigiam uma remuneração adicional — e isso está corroendo a lógica de risco-retorno do mercado.
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Investidor paga para correr risco
“Você tem spreads em muitos ativos que são nulos. Em alguns casos, são negativos”, disse Legatê. Isso quer dizer que, ao investir nesses papéis, o investidor está aceitando um retorno menor do que o de um título público — e, ainda assim, assumindo o risco da empresa privada.
Essa distorção acontece porque muitos desses papéis oferecem isenção de imposto de renda para pessoas físicas. Na prática, o investidor vê um retorno “bruto” atrativo, mas ignora o risco de crédito embutido, acreditando que está fazendo um bom negócio.
Além disso, o fenômeno tem gerado uma falsa sensação de segurança em setores com características muito distintas de resiliência e risco financeiro.
Alavancagem alta
Durante o programa, os gestores fizeram questão de lembrar que nem todos os setores da economia têm a mesma capacidade de lidar com dívidas elevadas. “Infraestrutura é um exemplo clássico de setor que nasce alavancado, mas com dívidas de longo prazo e receitas previsíveis”, explica Legatê. Esses projetos costumam ter margens altas e estabilidade contratual, o que permite assumir mais risco financeiro.
Por outro lado, setores como varejo, telecomunicações e empresas de tecnologia enfrentam competição acirrada, margens apertadas e alta rotatividade de clientes. “O custo de aquisição do cliente está ficando alto, e o cara troca de operadora por R$ 10, R$ 20”, aponta. Nesse cenário, a alavancagem pode se tornar uma armadilha.
As empresas de commodities também precisam carregar caixa em excesso para resistirem aos ciclos de baixa nos preços. “Se o preço da commodity cair, vai sofrer para caramba”, afirma Legatê.
“Apagão” entre papéis
Uma das grandes preocupações apontadas pelos gestores é a quase inexistência de diferenciação entre ativos de crédito no mercado atual. Legatê cita, por exemplo, que empresas ultra sólidas de infraestrutura — com contratos de 30 anos corrigidos pela inflação e margens Ebitda superiores a 80% — estão pagando o mesmo spread que companhias de varejo, que são muito mais vulneráveis a oscilações do PIB e dos juros.
“O spread de empresas como Vibra, Compass ou linhas de transmissão está no mesmo nível de papéis de ISPs (provedor de serviço de internet), que operam num mercado altamente competitivo e com risco muito maior”, alerta.
Esse achatamento dos spreads tem levado até mesmo papéis de empresas do setor de saúde, que passaram a enfrentar inadimplência elevada e dificuldades de repasse, a serem negociados com remunerações próximas das de companhias high grade.
Perigo da reversão de ciclo
O maior risco, segundo os gestores, é que esse cenário se reverta — e os investidores não estejam preparados para isso. Legatê aponta que boa parte desses fundos de crédito estão montados sobre ativos com duration longa (5 a 10 anos), sem nenhum “carrego” significativo.
“Se a NTN-B fecha, é natural que os spreads abram. E aí, o investidor pode tomar um prejuízo grande sem perceber que estava exposto”, explica. A valorização dos papéis até agora se deve à queda das taxas. Mas, se os juros reais recuarem ainda mais e os spreads subirem, os fundos podem sofrer perdas relevantes.
A situação atual, que mistura excesso de liquidez, spreads comprimidos, falta de diferenciação e prêmios negativos, exige atenção redobrada dos investidores. “Hoje, o mercado não está precificando risco de forma adequada. E isso é perigoso”, conclui Urbano.
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Fonte: InfoMoney