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“Precisamos encontrar o caminho da economicidade”

Dan Ioschpe tem um desafio complexo pela frente: traduzir a linguagem hermética das negociações climáticas para o vocabulário pragmático dos balanços empresariais.

Nomeado “Climate Champion” da COP30 pelo presidente Lula em abril deste ano, quando finalmente se formou a tríade do alto escalão do Brasil na cúpula, o empresário gaúcho, que construiu sólida carreira no setor automotivo, se tornou peça-chave para conectar o mundo corporativo às metas ambientais brasileiras em Belém.

“Nunca estive em uma COP”, admite com transparência nesta entrevista que concedeu para a EXAME, ao recordar a ligação-convite de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, explicando sobre a importância do papel.

Antes de aceitar, conversou também com o embaixador André Corrêa do Lago e com Ana Toni, respectivamente presidente e CEO da COP30. Em suas palavras,

“A relevância para o Brasil e a chance única de contribuir” foram determinantes na decisão de assumir o posto, que inclui coordenar uma equipe de 80 pessoas espalhadas pelo mundo nos próximos dois anos.

A escolha de seu nome não foi aleatória. Criada há dez anos durante a COP21, em Paris, a posição de Climate Champion exige construir pontes entre decisões intergovernamentais e atores não estatais, como corporações, universidades, ONGs e governos locais.

A primeira a ocupar o cargo foi Laurence Tubiana, diplomata francesa que teve papel fundamental na estruturação do emblemático Acordo de Paris.

E, nesta quase uma década, os demais Champions mobilizaram mais de 40.000 instituições globais por meio de campanhas para financiar necessárias ações de enfrentamento às mudanças climáticas.

A trajetória do executivo de 58 anos, hoje presidente do conselho da Iochpe-Maxion, líder mundial na produção de rodas automotivas, inclui passagens pelos conselhos de administração da WEG, Marcopolo e Embraer, além da vice-presidência da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) — credenciais que o posicionam muito bem no epicentro do poder empresarial brasileiro.

Como Climate Champion, Ioschpe assume o mandato em um momento delicado. A diplomacia ambiental enfrenta ventos contrários significativos, da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos ao aparente enfraquecimento dos compromissos globais sobre combustíveis fósseis. Nesse cenário, o executivo aposta no papel catalisador do setor privado para acelerar soluções concretas.

É na experiência como líder do diálogo entre mais de 470 corporações globais e governos no B20, o braço empresarial do G20, que fundamenta essa estratégia.

“A urgência da crise ambiental é o desafio mais relevante da humanidade, não há nenhuma dúvida”, afirma, demonstrando consciência da magnitude da tarefa.

Contudo, é preciso lembrar que, paradoxalmente, o próprio G20 frustrou expectativas ao acontecer no Rio de Janeiro, simultaneamente à COP29, e não mencionar explicitamente a necessidade de transição energética em sua declaração final.

Como o “campeão do clima” brasileiro, Dan Ioschpe terá cerca de dois anos, período de mandato da função, para demonstrar e convencer que é possível — e economicamente viável — conciliar desenvolvimento socioeconômico com descarbonização acelerada.

“Precisamos encontrar o caminho da economicidade”

Aposta: após uma COP29 sem avanços em combustíveis fósseis, o Brasil acredita em implementação (Leandro Fonseca /Exame)

O que representa assumir esse cargo em um momento de aparente enfraquecimento dos compromissos sobre combustíveis fósseis?

Vejo empresas de todos os setores buscando alternativas concretas especificamente sobre combustíveis fósseis. O desafio não é mais tecnológico — é encontrar o caminho da economicidade para escalar essas soluções rapidamente. E aí, em relação aos atores não governamentais, que são o centro da atuação do Climate Champions Team, acredito que devemos buscar o máximo engajamento possível para acelerar a ação climática em todo o mundo. O que já começou com o conceito de “Mutirão Global”, apresentado pela presidência brasileira, que tem despertado interesse genuíno dos agentes econômicos.

Como o senhor pretende construir essas pontes, considerando os interesses corporativos e a necessidade de ambição nas metas climáticas, em setores intensivos em carbono?

Observo interesse genuíno por soluções em praticamente todos os setores. No automotivo, onde atuo há décadas, já existe um movimento consolidado sobre eletrificação e combustíveis alternativos. Na aviação, o SAF [combustível sustentável de aviação] representa uma oportunidade transformadora. Na navegação, metanol verde e hidrogênio despontam como alternativas viáveis. O fundamental agora é acelerar a curva de aprendizado e a redução de custos. Cada vez que uma solução atinge economicidade, ela ganha independência e escala naturalmente no mercado.

E quanto aos setores considerados mais desafiadores para a descarbonização, os chamados hard-to-abate sectors, como siderurgia, cimento e petroquímica?

A mitigação é tecnicamente mais complexa. A questão central que permanece é como tornar essas soluções economicamente competitivas no menor prazo possível. Nesse sentido, minha abordagem será pragmática, buscando identificar as ações com maior potencial de impacto e trabalhar para destravá-las.

Mas será possível conciliar verdadeiramente as necessidades de desenvolvimento socioeconômico do Sul Global com as urgentes metas climáticas?

Não vejo contradição fundamental entre esses objetivos. A expansão das cadeias de valor pode e deve acontecer com neutralidade ou até positividade de carbono. No Brasil, somos exportadores de commodities básicas, mas podemos agregar tremendo valor por meio da sustentabilidade. Isso demanda energia limpa abundante — o que já temos. Então há uma oportunidade econômica extraordinária que pode acelerar nosso desenvolvimento enquanto, paralelamente, contribuímos para as metas globais.

Qual é a sua avaliação a respeito dos avanços nos mercados de carbono, especialmente depois da aprovação das diretrizes do artigo 6o do Acordo de Paris, durante a COP29?

O acordo foi histórico, mas agora precisamos garantir integridade, transparência e escala. O carbono não reconhece fronteiras; 1 tonelada mitigada no Brasil vale o mesmo para a atmosfera global. Se conseguirmos precificar adequadamente e criar fluxos financeiros robustos, destravaremos investimentos massivos em soluções climáticas. E o Brasil pode se beneficiar enormemente disso, dada nossa capacidade de sequestro e nossas vantagens em energia limpa. O governo brasileiro — e também o empresariado — tem reforçado muito as vantagens do Brasil na transição energética global, com mais ênfase a partir da COP29 e nas comunicações oficiais que tem feito ultimamente. Nosso potencial é único. A matriz energética brasileira já é majoritariamente renovável. Temos sol, vento, biomassa, hidráulica em abundância. A questão estratégica é como acelerar ainda mais essa vantagem competitiva. Como posicionar o Brasil globalmente como potência de mitigação climática? Para isso, precisamos desenvolver mecanismos econômicos inteligentes, como mercados de carbono robustos, financiamento verde acessível e, claro, políticas públicas que incentivem a inovação.

Qual é o papel específico da indústria brasileira nessa transição?

Durante minha experiência no B20, testemunhei interesse genuíno de empresas globais em soluções brasileiras. Acredito que podemos liderar em bioeconomia, energias renováveis, agricultura regenerativa, tecnologias florestais. O desafio é pensar sistemicamente, mas agir com foco cirúrgico na implementação. Cada setor tem suas particularidades, mas todos podem contribuir significativamente.

22 de maio de 2025 - 18:24

Dan Ioshpe: “A COP30 em Belém demonstrará que conservação vale mais que destruição” (Leandro Fonseca /Exame)

Quais aprendizados você trouxe da liderança do B20 para a cadeira de Climate Champion?

Aprendi que existe apetite real por ação climática no setor privado, mas faltam coordenação eficaz e mecanismos para acelerar a implementação. A experiência de liderar o diálogo entre 475 empresas globais e governos do G20 mostrou que temos tecnologias, recursos e crescente vontade política. O gargalo está na orquestração, em como fazer todos esses elementos convergirem para ações concretas e mensuráveis.

Como pretende engajar cidades e governos subnacionais, que têm um papel essencial nesta implementação?

Precisamos criar mecanismos para potencializar e escalar essas ações locais, e a atuação do Climate Champions Team é vital para essa articulação. Muitas soluções climáticas se materializam em nível local, como mobilidade urbana sustentável, gestão inteligente de resí­duos e eficiência energética em edificações. E prefeitos e governadores frequentemente conseguem implementar mudanças mais rapidamente que governos nacionais.

É mais complexo tratar com organizações da sociedade civil e movimentos ambientais, com quem o seu time também precisa dialogar?

Esses são atores que trazem perspectivas essenciais sobre justiça social, direitos humanos, proteção ambiental, equidade intergeracional. E a transição climática precisa ser justa e inclusiva. Não adianta desenvolver soluções tecnológicas sofisticadas se não considerarmos os impactos sociais, culturais e econômicos nas comunidades. Meu papel inclui garantir que todas as vozes sejam ouvidas e consideradas, em um diálogo permanente e respeitoso.

Como equilibrar o otimismo sobre soluções tecnológicas com a urgência da crise climática?

Sou simultaneamente otimista e realista. Otimista porque vejo soluções proliferando em velocidade impressionante. O custo da energia solar caiu 90% em uma década, por exemplo. Mas também sou racional sobre a magnitude do desafio. A ciência é clara: a repetição do padrão de desenvolvimento atual pode literalmente descarrilar nosso progresso civilizacional. Não teremos atividade socioeconômica normal em um planeta com aquecimento descontrolado. Por isso a urgência em que cada mês e cada décimo de grau importam.

O financiamento climático será tema central da COP30. Como destravar recursos na escala necessária?

É o grande desafio. Sem o financiamento adequado, países em desenvolvimento não conseguirão fazer a transição na velocidade requerida pela ciência climática. Precisamos ser criativos, mobilizar capital privado em escala sem precedentes, desenvolver instrumentos de blended finance eficazes, engajar bancos multilaterais de desenvolvimento de forma mais agressiva. É questão simultaneamente de justiça climática, como também de pragmatismo econômico. O capital está disponível globalmente. Falta direcioná-lo para onde é mais necessário para poder gerar maior impacto.

A Amazônia será o cenário da COP30. Como valorizar economicamente a floresta em pé?

A Amazônia é nosso maior ativo climático e repositório incomparável de biodiversidade. Porém, precisamos urgentemente criar modelos econômicos que tornem a conservação mais valiosa que a destruição. Bioeconomia avançada, pagamento robusto por serviços ecossistêmicos, tecnologias de monitoramento e rastreabilidade, turismo sustentável, existe aí um universo de oportunidades. A COP30 em Belém pode ser catalisadora para demonstrar ao mundo que desenvolvimento sustentável na Amazônia não é apenas possível, mas economicamente superior ao modelo predatório.

O senhor se reuniu com alguns Climate Champions anteriores. Que conselhos recebeu?

Tive conversas por videoconferência com Gonzalo Muñoz [COP25], Nigel Topping [COP26] e a atual Champion, Nigar Arpadarai [COP29]. Todos enfatizaram dois pontos: primeiro, manter alinhamento estreito entre o Climate Champions Team, a UNFCCC e a presidência da COP30. Segundo, focar obsessivamente a implementação, priorizando temas e soluções de maior impacto potencial. Topping e Muñoz virão ao Brasil em junho para uma semana de trabalho conjunto. A continuidade e o aprendizado com experiências anteriores são fundamentais.

Qual é sua mensagem para o setor empresarial brasileiro às vésperas da COP30?

Este é nosso momento histórico. A COP30 em Belém será conhecida como “a COP da implementação”. Temos todas as peças do quebra-cabeça. Tecnologias maduras, recursos disponíveis, vontade política crescente, vantagens competitivas únicas. Agora precisamos executar com velocidade, escala e propósito. O Brasil pode liderar pelo exemplo, demonstrando que desenvolvimento próspero e sustentabilidade ambiental não apenas coexistem, mas se reforçam mutuamente. É nossa oportunidade de redefinir o que significa progresso no século 21.

O que o senhor espera alcançar para considerar sua gestão como Climate Champion bem-sucedida?

O sucesso dependerá de resultados concretos e mensuráveis. Quantas empresas brasileiras e globais assumiram compromissos net zero verificáveis? Quantos projetos saíram do papel para implementação real? Quanto investimento foi efetivamente mobilizado? Quantas soluções atingiram a viabilidade econômica e começaram a escalar? O teste definitivo não são promessas ou declarações. É ação implementada, emissões evitadas e resiliência construída. 

Fonte: Exame

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