O Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (21), um projeto de lei que propõe novo marco regulatório para o licenciamento ambiental no Brasil.
A chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental, discutida por mais de 20 anos no Congresso Nacional, volta, agora, à Câmara dos Deputados, uma vez que os senadores modificaram pontos do texto original.
Aprovada sob forte pressão da bancada ruralista e com o apoio de parlamentares ligados ao setor da infraestrutura, a proposta tem, como principal objetivo, simplificar e agilizar os processos de licenciamento ambiental no País.

Contudo, ambientalistas, pesquisadores e entidades da sociedade civil apontam retrocesso nas garantias legais de proteção ambiental e de direitos de povos originários e comunidades tradicionais.
Desburocratização ou flexibilização perigosa?
Segundo defensores do projeto, como a senadora Tereza Cristina (PP-MS), relatora da proposta na Comissão de Agricultura e ex-ministra da Agricultura, o novo marco legal vai promover padronização nacional e reduzir a burocracia, acelerando a liberação de obras e empreendimentos sem abrir mão da proteção ao meio ambiente;
“A proposta busca dar mais clareza e agilidade aos processos, promovendo segurança jurídica para empreendedores, especialmente em obras de infraestrutura”, argumentou a parlamentar;
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), um dos principais grupos articuladores da proposta, sustenta que as regras atuais travaram mais de cinco mil empreendimentos no Brasil, e que a nova legislação é vital para liberar o crescimento econômico;
Na outra ponta, o Ministério do Meio Ambiente, liderado por Marina Silva, reagiu duramente ao projeto, classificando-o como um risco para a integridade ambiental do Brasil. Em nota oficial, a pasta destacou que o texto “afronta o princípio da proibição do retrocesso ambiental”, estabelecido em decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), e compromete décadas de avanços legais na proteção do patrimônio natural.
O Observatório do Clima foi ainda mais enfático, classificando o projeto como a “mãe de todas as boiadas”, em referência à tentativa de afrouxamento das regras ambientais durante a pandemia. Segundo a entidade, a proposta abre caminho para desastres socioambientais, ao dispensar licenciamento para diversas atividades, principalmente do setor agropecuário.
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Pontos polêmicos do novo projeto de licenciamento ambiental
Entre os pontos mais criticados estão:
- Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias: empresas poderão atestar, por meio de autodeclarações, que estão em conformidade com as leis ambientais, sem necessidade de análise prévia dos órgãos reguladores;
- Licença por Adesão e Compromisso (LAC): esse modelo, hoje reservado a atividades de baixo impacto, poderá ser estendido a empreendimentos de médio porte e risco ambiental, como indústrias e minerações. Segundo Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, ao g1, até 90% dos licenciamentos no Brasil poderiam passar a seguir esse regime, incluindo projetos complexos em estados, como Minas Gerais;
- Desvinculação da outorga de uso de recursos hídricos: o licenciamento ambiental poderá ser concedido mesmo sem que a utilização da água no local tenha sido previamente autorizada;
- Criação da Licença Ambiental Especial: proposta por meio de emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União/AP), esse novo tipo de licença seria emitido por decreto, com análise política feita por um Conselho do Governo, composto por membros do Executivo. O licenciamento seria acelerado para projetos considerados “estratégicos”, com prazo máximo de emissão de 12 meses;
- Ambientalistas alertam que a medida politiza os processos técnicos e pode beneficiar grandes obras, como as previstas no novo PAC, inclusive na região sensível da Foz Amazônica.
Outro ponto que provocou reações intensas foi a retirada do status de proteção de Terras Indígenas e Quilombolas que ainda não tiveram sua demarcação oficializada. De acordo com estudo do Instituto Socioambiental (ISA), a medida deixaria desprotegidos cerca de 18 milhões de hectares de floresta, impactando, diretamente, 259 Terras Indígenas e mais de 1,5 mil territórios quilombolas.
Segundo o ISA, o número de áreas protegidas na Amazônia Legal cujos impactos ambientais precisariam ser avaliados cairia de 277 para apenas 102.
A senadora Tereza Cristina rebateu as críticas, afirmando que “não se trata de impedir obras, mas de mitigar riscos”, defendendo a viabilidade de conciliar desenvolvimento com conservação.
A proposta também provocou protestos da Sociedade de Arqueologia Brasileira (SAB). A entidade afirma que o novo texto só obriga a consulta ao IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) quando houver bens já identificados nas áreas a serem exploradas — o que ignora o fato de que muitos sítios arqueológicos ainda estão soterrados e não mapeados.
Segundo a SAB, a exclusão do IPHAN pode permitir destruição irreversível de sítios históricos, como já ocorreu no Vale do Jequitinhonha (MG), onde empreendimentos licenciados sem manifestação do órgão causaram danos a pinturas rupestres milenares.

Próximos passos
Com a aprovação no Senado, o texto retorna, agora, à Câmara dos Deputados, onde deverá ser analisado novamente em razão das modificações introduzidas pelos senadores.
A expectativa é de que a proposta siga para votação final nas próximas semanas, reacendendo o debate sobre qual modelo de desenvolvimento o Brasil pretende adotar diante da emergência climática e da crescente pressão sobre seus recursos naturais.
Enquanto o setor produtivo celebra suposto destravamento da economia, ambientalistas e especialistas alertam para perigoso precedente de flexibilização ambiental em um dos países mais biodiversos do planeta.
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Fonte: Olhar Digital