Enquanto as negociações do clima dependem de um acordo dos 198 países da Convenção da ONU, “a agenda de ação já está bem estruturada, nas mãos da presidência da COP e é de todos nós”, disse o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, durante lançamento de um plano ambicioso para descarbonização do setor de transportes — hoje responsável por aproximadamente 11% das emisssões nacionais.
Nesta segunda-feira, 12, a Coalizão para a Descarbonização dos Transportes, apresentou um documento ao governo federal em Brasília com os caminhos para o setor reduzir em até 70% as emissões de gases de efeito estufa até 2050 e atrair mais de R$ 600 bilhões em investimentos verdes para o país.
Entre as propostas, está a expansão de veículos elétricos ou híbridos, maior participação dos modais ferroviários e hidroviários e ampliação do uso de biocombustíveis.
“É uma oportunidade extraordinária de pegarmos o ‘trem’ de combate à mudança do clima o mais rápido possível e encontramos um novo modelo de desenvolvimento“, disse o diplomata Corrêa do Lago, que lidera a grande conferência climática em Belém com Ana Toni como CEO executiva.
Rumo à COP30 no Brasil, a implementação é o norte que irá guiar se o grande evento global do clima será bem-sucedido e precisa envolver todos os atores.
A primeira carta publicada pela COP em março convocou um “mutirão” e citou cinco setores-chave da economia para apresentar soluções: agropecuária, agricultura, energia, floresta e transportes. Já a segunda, foi mais incisiva ainda e trouxe uma visão ampliada de “mobilização multilateral” e envolvimento de atores não-estatais.
Todos são fundamentais para chegarmos preparados em Belém e cumprimos a meta climática brasileira (NDC) de redução de até 67% das emissões até 2035, mas o setor de transportes, é o mais avançado, segundo Corrêa do Lago.
O documento apresenta 90 ações concretas para consolidar o Brasil como protagonista global em mobilidade sustentável. A iniciativa visa subsidiar a formulação do Plano Nacional sobre Mudança do Clima, que será colocado na mesa na COP30.
A Coalizão reúne mais de 50 associações setoriais, empresas e instituições acadêmicas, com liderança da Motiva (novo nome do Grupo CCR), do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e do Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável do Insper. Em 2024, o movimento investiu R$ 300 milhões para ações ambientais.
Marina Grossi, presidente do CEBDS, destacou o tempo recorde da articulação do plano.
“Estamos na década da implementação e unir forças é essencial. A coalizão mostra que é possível alinhar diferentes atores em torno de uma agenda comum, com foco nos desafios e oportunidades do setor no Brasil”, afirmou.
Cenário atual e projeções
Atualmente, o setor de transportes é responsável por 11% das emissões nacionais, o equivalente a 260 milhões de toneladas de gás carbônico (MtCO₂e). Em um cenário sem medidas de descarbonização, o número poderia chegar a 424 MtCO₂e até 2050.
Com a implementação das propostas do novo plano, seria possível reduzir esse volume para 137 MtCO₂e, evitando o lançamento de 287 MtCO₂e na atmosfera – o equivalente ao plantio de 13,67 bilhões de árvores ou à retirada de aproximadamente 62,4 milhões de veículos de passeio das ruas.
“A emergência climática exige uma atuação articulada entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil. É um desafio que deverá mobilizar a todos”, complementou Miguel Setas, CEO da Motiva.
Três propostas para a descarbonização
O plano identifica três iniciativas principais que, juntas, permitiriam reduzir em 60% as emissões do setor em comparação com o cenário de inação projetado para 2050.
- Eletrificação da frota: A ampliação de veículos elétricos e/ou híbridos tem potencial para eliminar 145 MtCO₂e. O cenário prevê a eletrificação de 50% dos carros de passeio e de 300 mil ônibus até 2050. Para viabilizar essa transição, serão necessários investimentos de cerca de R$ 40 bilhões na instalação de 990 mil a 1,9 milhão de pontos de recarga.
- Rebalanceamento da matriz de transporte: O aumento da participação dos modais ferroviários e hidroviários dos atuais 31% para 55% até 2050 poderá evitar a emissão de 65 MtCO₂e. Para o setor ferroviário, o plano projeta a duplicação de sua participação na matriz de transportes, dos atuais 16% para 32%, o que demandará investimentos superiores a R$ 270 bilhões.
- Ampliação do uso de biocombustíveis: A expansão do uso de etanol, diesel verde, biometano, combustível sustentável de aviação (SAF) e combustíveis sintéticos poderia evitar a emissão de 45 MtCO₂e. Para isso, a demanda por biocombustíveis precisaria aumentar dos atuais 30 bilhões de litros para 55 bilhões até 2050, atraindo potenciais R$ 225 bilhões em investimentos.
“A transição energética no transporte exige uma abordagem multifacetada, que respeite as realidades locais e assegure a viabilidade técnica de cada solução”, destacou Vander Costa, presidente da CNT.
Mobilidade sustentável
O plano também apresenta 21 ações específicas para a mobilidade urbana, que representa 45% das emissões nas cidades. As propostas estão organizadas em três frentes:
- Evitar grandes deslocamentos com soluções como adensamento urbano e otimização de rotas.
- Estimular a migração para modais mais sustentáveis, como transporte coletivo, bicicletas e metrô.
- Melhorar a eficiência energética dos serviços, com eletrificação da frota, integração tarifária e criação de zonas de baixa emissão.
Para promover um sistema de mobilidade urbana mais sustentável, está previsto um investimento de R$ 53 bilhões, conforme o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC).
Fonte: Exame