VATICANO – Na pequena Cidade do Vaticano, onde a fumaça branca logo anunciará ao mundo o novo líder espiritual de 1,3 bilhão de católicos, uma missão bem menos celestial aguarda o sucessor de Francisco: consertar as finanças da Santa Sé.
Apesar dos avanços institucionais da última década, o Vaticano enfrenta um quadro fiscal preocupante: déficits operacionais, queda nas doações, imóveis ociosos e, principalmente, um rombo bilionário no fundo de pensão de seus funcionários, que ameaça a sustentabilidade financeira do Estado mais simbólico do mundo.

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Um passado de escândalos
No centro da história está o Instituto para as Obras da Religião (IOR), mais conhecido como banco do Vaticano. Criado em 1942 para gerir os recursos da Igreja, o banco tornou-se sinônimo de sigilo, corrupção e má gestão por décadas.
Entre os episódios mais famosos está o caso do Banco Ambrosiano, colapsado em 1982. O Vaticano era acionista da instituição, cujo presidente, Roberto Calvi, foi encontrado enforcado sob a ponte Blackfriars, em Londres, com tijolos nos bolsos e milhares de libras em espécie. A Justiça italiana concluiu que foi assassinato, possivelmente ligado à Máfia e ao desvio de milhões em operações clandestinas com apoio de figuras da Igreja.
Outro personagem, o conselheiro financeiro Michele Sindona, morreu envenenado por cianeto na prisão após arrastar o Vaticano para investimentos fraudulentos nos Estados Unidos. Por décadas, o banco também foi acusado de envolvimento com ouro nazista, lavagem de dinheiro e financiamento ilegal de partidos políticos.
A cruzada de Francisco
Quando assumiu o papado em 2013, Francisco se deparou com um sistema financeiro em ruínas. A reputação do banco era tão ruim que apenas um banco internacional aceitava ser seu correspondente. O Vaticano corria o risco de ser incluído em listas de paraísos fiscais.
A resposta foi uma reforma agressiva. Francisco nomeou como presidente do banco Jean-Baptiste de Franssu, ex-CEO da Invesco Europa, afastando o clero da gestão econômica. Em 2014, milhares de contas inativas ou suspeitas foram fechadas. A partir daquele ano, o banco passou a divulgar relatórios anuais, em linha com padrões internacionais.
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Em 2023, o banco geriu € 5,4 bilhões (R$ 35 bilhões) em ativos de clientes e lucrou mais de € 30 milhões (R$ 195 milhões). Hoje, são mais de 45 bancos correspondentes, e o IOR participa do sistema europeu SEPA de transferências. Em 2021, o Vaticano recebeu a nota máxima da Moneyval em combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo.
Apsa: o fundo soberano do Vaticano
Outro pilar das finanças vaticanas é o Apsa (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica), que funciona como uma espécie de fundo soberano da Santa Sé. Em 2023, o Apsa registrou lucro de € 46 milhões (R$ 299 milhões), administrando cerca de € 3 bilhões (R$ 19,5 bilhões) em ativos, entre eles 5 mil imóveis, títulos de curto prazo e caixa.
No entanto, apenas 30% desses imóveis estão alugados para fins lucrativos, o que limita o potencial de geração de receita. O Apsa também passou a administrar o Óbolo de São Pedro, fundo de doações globais, depois que a Secretaria de Estado perdeu o controle sobre seus investimentos — medida tomada após o escândalo envolvendo a compra de um prédio de luxo em Londres, que gerou um prejuízo estimado em €200 milhões (R$ 1,3 bilhão).
Receitas em queda, despesas em alta
Segundo o Conselho de Economia do Vaticano, 65% da receita anual da Santa Sé vem de instituições como universidades, escolas e hospitais católicos. O restante se divide entre doações específicas (24%), o Óbolo de São Pedro (6%) e os lucros do banco e do turismo.
No entanto, as doações vêm caindo de forma consistente. Entre 2015 e 2019, a queda foi de 23%, refletindo uma perda de confiança dos fiéis na gestão financeira da Igreja. Francisco chegou a cortar salários de cardeais e vender imóveis para conter o rombo.
Ainda assim, o déficit operacional do Vaticano em 2023 foi de € 83 milhões (R$ 540 milhões).
O problema estrutural: o fundo de pensão
O maior desafio financeiro do próximo papa, no entanto, pode estar no fundo de pensão dos funcionários da Santa Sé. Trata-se de um plano de benefício definido que tinha, há uma década, um rombo estimado em € 1,5 bilhão (R$ 9,75 bilhões). Fontes internas indicam que esse número aumentou significativamente desde então.
Em novembro de 2023, o próprio fundo alertou que não conseguirá pagar as aposentadorias no médio prazo, o que coloca em risco os compromissos futuros com milhares de empregados da Igreja.
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Resistência interna
Francisco enfrentou fortíssima resistência dentro da Cúria romana. Em 2017, seu auditor-chefe, Libero Milone, foi afastado após tentar investigar recursos ocultos em contas suíças. Ele acusa o Vaticano de manter centenas de milhões de euros “fora dos livros”.
O episódio expôs uma realidade incômoda: muitos dentro da estrutura da Igreja resistem às reformas por interesse próprio. Como dizem os veteranos da Santa Sé: “Aqui, dinheiro é poder. E ninguém entrega poder facilmente”.
O que o próximo papa terá pela frente
Independentemente de quem seja, o novo papa assumirá um Vaticano com as finanças ainda frágeis e sob risco real de crise de liquidez. Ele terá que reestruturar o fundo de pensão e buscar fontes sustentáveis para cobrir suas obrigações, e de preferência ampliar a rentabilidade dos ativos imobiliários. Além disso, terá que atrair novamente a confiança de fiéis e doadores – tudo isso enquanto enfrenta, como seu antecessor, a resistência interna a mudanças estruturais.
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Fonte: InfoMoney