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COP30: “Paris é o ponto de partida e Belém deve ser o de virada”, diz Natalie Unterstell

O que a COP30 no Brasil precisa para ser um sucesso? A resposta e as soluções, o mundo já conhece: acelerar a implementação de ações alinhadas com o limite de 1.5ºC de aquecimento estabelecido pelo Acordo de Paris e endereçar recursos suficientes rumo à transição para uma economia de baixo carbono e proteção de populações mais vulneráveis aos efeitos da crise climática.

Em coletiva de imprensa, Natalie Unterstell, presidente do Talanoa, disse que há 10 itens mandatados para esta edição da COP e dois são muito relevantes para a arquitetura do regime: alcançar o objetivo global de adaptação climática e garantir o fluxo de investimentos compatíveis frente ao tamanho do desafio.

“O mínimo que a COP precisa é não ser um momento de celebração, mas sim de implementação. Devemos considerar Paris como partida e Belém como ponto de virada”, destacou.

Na última edição em Baku, no Azerbaijão, o desenrolar do acordo final frustrou e os países desenvolvidos concordaram em alcançar apenas US$ 300 bi para financiamento climático, em meio a uma necessidade estimada na casa de trilhões de dólares.

Outra proposta do Brasil neste ano é criar um “círculo de presidências” que pode marcar uma nova fase de governança climática e a possibilidade de estabelecer uma espécie de “Conselho do Clima”, assim como o de Direitos Humanos da ONU, complementou Unterstell

No país sede, o presidente designado da COP é o embaixador André Corrêa do Lago, que atua conjuntamente com a CEO executiva Ana Toni e a Ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.

A janela é pequena, mas o otimismo é grande

A menos de 200 dias da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) na capital paraense, especialistas reunidos pelo Instituto Clima e Sociedade (ICs) apontam que “a janela de ação é pequena e se fecha rapidamente” e o maior evento de clima do mundo deve superar desafios estruturais e geopolíticos bastante complexos, como o próprio impacto global das medidas de Trump.

Thelma Krug, cientista renomada que acumula 13 anos como negociadora na Convenção do Clima como vice-presidente do IPCC, destaca que “desde a década de 80, batemos recordes de emissões” e que “ainda não tivemos um momento de inflexão”, o que representa motivo de grande preocupação na comunidade científica.

Por outro lado, o otimismo prevalece e se torna unanimidade a importância de se ver “o copo meio cheio”, além dos avanços já conquistados.

Krug ressalta que os preparativos em Belém avançam, com o Brasil adotando uma abordagem inovadora.

“Estamos com uma estrutura estabelecida de forma significativa. Consultas muito profundas estão sendo feitas e círculos estão sendo formados para a parte de tecnologia, financiamento climático e superação dos desafios”, explicou ela.

A presidente do Talanoa também ressalta o diferencial desta edição: a mobilização social. “A COP de Belém levará as pessoas às ruas e os movimentos sociais irão trazer suas demandas. Por isso, é essencial escutá-las”.

COP da implementação

A COP30 ocorre em um momento crucial para a ação. Com eventos extremos cada vez mais frequentes e intensos, a crise do clima traz uma série de efeitos dramáticos para populações em todo mundo.

Segundo Krug, “agora saímos da fase de construção das regras e estamos voltados para a implementação”, uma transição que o Brasil tem demonstrado liderar “fortemente apoiado pela ciência“. Esta abordagem, segundo ela, “traz esperança de que o Brasil possa trazer essa virada que o mundo espera”.

A especialista também reconhece que embora tenhamos temporariamente ultrapassado o limite de 1,5°C em 2024, isso não significa necessariamente que a meta do Acordo de Paris  deva ser abandonada, pois a medição científica do IPCC relacionada à temperatura global considera médias de longo prazo — de 20 a 30 anos.

Por outro lado, não restam dúvidas de que estamos seguindo em uma trajetória perigosa que aumenta os riscos climáticos e traz alguns impactos já irreversíveis.

Natalie Unterstell reforça a mesma perspectiva, mas disse temer o risco de que “Belém normalize a lentidão, enquanto o planeta ferve”, se referindo ao aquecimento global.

Ciência e economia a serviço do clima

Os especialistas são unânimes em destacar o papel da ciência na orientação das políticas climáticas. Krug enfatiza que “a ciência alimenta as decisões políticas” e lembra que, segundo o IPCC, “não estamos numa trajetória de limitar a temperatura média global no nível que realmente minimize os impactos da mudança climática”.

O cenário atual é alarmante: “Chegamos a quase 1,6°C [de aquecimento global] em 2024”, observa Krug, embora ressalte que “isso não invalida a possibilidade de chegarmos a 1,5°C” como meta.

Já Jorge Abache, professor de economia da Universidade de Brasília, traz a perspectiva econômica para a mesa e ressalta que o clima vai afetar todos os setores da economia.

Em fevereiro deste ano, um estudo do Boston Consulting Group (BCG) e da Alliance of CEO Climate Leaders do Fórum Econômico Mundial (WEF) apontou que os desastres relacionados à mudança climática causaram mais de US$ 3,6 trilhões (cerca de R$ 21 trilhões) em prejuízos econômicos desde o início dos anos 2000 e a inação pode gerar perdas de até 22% no PIB. 

Para o especialista, a economia vai ajudar o clima. “Uma das formas de acelerar a descarbonização a nível global é fazer com que os investimentos verdes sejam rentáveis e entreguem benefícios para a agenda climática e também social”, disse Abache.

No caso do Brasil, há uma série de vantagens competitivas: matriz energética renovável e abundância de soluções baseadas na natureza e outras que podem ser “uma forma potente de descarbonizar via negócios mais atrativos”.

Segundo Abache, a China é um bom exemplo de país que transformou a agenda em negócio e se tornou líder em carros elétricos e tecnologias renováveis. “O pragmatismo chinês demonstra que o sacrifício é muito menor do que parece, eles ganham dinheiro com isso e estão fazendo bem a lição de casa”, destacou.

Desafios geopolíticos e ausência dos EUA

Um dos desafios significativos para a COP30 serão as tensões geopolíticas, segundo os especialistas. Abache alerta que “mesmo que a Europa e China sigam empurrando a pauta climática, o congelamento dos EUA frente às medidas de Trump traz impactos muito negativos” e com “repercussão na cadeia de negócios e na economia verde“.

No dia de sua posse, o presidente americano já saiu do Acordo de Paris e mostrou “ao que veio” com uma série de ações anti-clima. Atualmente, os EUA são o maior emissor do mundo e sua retaliação da mesa de negociações da ONU causou forte temor devido aos possíveis reflexos .

Neste cenário desafiador e complexo, Abache prevê uma necessária mudança de narrativa: “A agenda ESG deve passar por um novo posicionamento, com foco em questões como segurança nacional e economia, com uma reclassificação de várias medidas associadas ao clima“, concluiu.

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