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World, projeto de Sam Altman, chega aos EUA: menos mistério, mais WeChat

DE SÃO FRANCISCO* | CAPTCHA, verificação em duas etapas, reconhecimento facial: sobram ferramentas de autenticação, todas com falhas críticas diante do avanço dos algoritmos generativos. Juntas, reforçam o questionamento sobre o equilíbrio entre segurança e privacidade, necessidade de verificação e os riscos distópicos da vigilância virtual.

Existe também a dimensão econômica: segundo um estudo da FGV com a Unico, a ausência de biometria facial por apenas um dia provocaria redução de R$ 4,7 milhões no PIB brasileiro. Mais expressivo ainda são os R$ 115 bilhões em fraudes que foram evitados no último ano graças aos sistemas de identificação biométrica.

Nos últimos anos, as preocupações sobre o assunto cresceram tanto que uma leva de especialistas vem alertando sobre os perigos de sistemas de identidade biométrica em escala global. E este era o dilema de Sam Altman quando ele decidiu criar um projeto paralelo à sua empreitada na OpenAI: a Worldcoin.

Em evento realizado nesta quarta-feira, 30, em São Francisco, a Tools for Humanity, empresa por trás do projeto World (anteriormente Worldcoin), anunciou sua expansão para os Estados Unidos a partir de 1º de maio. O momento marca uma virada na trajetória da empresa, que até então operava principalmente em mercados emergentes – atraindo olhares tanto de entusiastas quanto de críticos.

Durante o evento “At Last“, Altman subiu ao palco com Alex Blania, CEO da startup, para revelar que o ecossistema World será implementado inicialmente em seis cidades americanas: Atlanta, Austin, Los Angeles, Miami, Nashville e San Francisco. “Sou um americano muito orgulhoso, acredito que a América deve liderar a inovação, não combatê-la”, declarou Altman.

A expansão para o mercado americano não acontece por acaso. A mudança da administração federal dos EUA, agora sob o governo Trump, trouxe um cenário regulatório mais favorável às criptomoedas. “Existiram boas razões pelas quais focamos em garantir que o produto funcionasse no mundo inteiro antes de chegar aos Estados Unidos. Algumas delas estão relacionadas às mudanças regulatórias”, explicou Adrian Ludwig, arquiteto-chefe da Tools for Humanity.

A empresa também anunciou o lançamento do Orb Mini, uma versão portátil do dispositivo de escaneamento de íris. Diferente do equipamento original esférico do tamanho de uma bola de basquete, o Mini tem formato semelhante a um smartphone, equipado com dois sensores grandes na parte frontal, projetados para capturar os padrões únicos da íris humana.

World, projeto de Sam Altman, chega aos EUA: menos mistério, mais WeChat

Orb Mini (Tools For Humanity/Reprodução)

Eu não sou robô

O projeto começou quando Altman propôs uma criptomoeda “distribuída de forma justa para o maior número possível de pessoas” — evoluindo para a criação de orbes metálicos que escaneiam íris para verificar humanos únicos. O protocolo World, como foi batizado posteriormente, opera com a dupla promessa: distinguir humanos de bots e distribuir renda universal em um futuro transformado pela IA.

“As íris são extraordinariamente estáveis ao longo da vida e virtualmente impossíveis de falsificar com a tecnologia atual,” explica Damien Kieran, diretor de privacidade da Tools for Humanity, que desenvolve a tecnologia por trás do protocolo. “A estrutura microscópica da íris humana possui uma complexidade que a torna exponencialmente mais segura como identificador biométrico.”

O World ID, “passaporte digital” central do projeto, permite aos usuários provar sua humanidade anonimamente. O projeto introduziu o token WLD, uma criptomoeda para garantir a propriedade da rede, enquanto o World App permite gerenciar ativos digitais e realizar transações.

Durante o evento, a empresa anunciou parcerias estratégicas, incluindo um acordo com a Visa para lançar ainda este ano um cartão físico (e digital) vinculado ao aplicativo World. Este cartão permitirá aos usuários gastar seus ativos digitais em qualquer estabelecimento, convertendo automaticamente criptomoedas no momento da compra.

Outra parceria significativa foi firmada com o Match Group, conglomerado que controla aplicativos de relacionamento como Tinder e Hinge. Um programa piloto será iniciado no Japão para permitir a verificação de identidade dos usuários do Tinder através do World ID, com o objetivo de combater as fraudes em aplicativos de namoro. A empresa também anunciou integração com a Kalshi, plataforma de mercados de previsão, e com a Stripe para facilitar pagamentos digitais.

Para ampliar sua presença física nos EUA, a Tools for Humanity planeja construir até 10.000 orbes para o mercado americano nos próximos 12 meses, aproximadamente cinco vezes sua oferta global atual. Para isso, está estabelecendo uma nova fábrica em Richardson, Texas, para montagem dos dispositivos. Além das lojas próprias batizadas de “World Spaces”, os orbes também estarão disponíveis em lojas Razer.

O aplicativo já operava em mais de cem países e é utilizado por quase 25 milhões de pessoas. Em outubro, foi lançado o World 3.0, um “Super App” semelhante ao WeChat chinês, que inclui uma loja de Mini Apps otimizados para humanos. Recentemente, também foi anunciado um programa piloto de recompensas para desenvolvedores, distribuindo o equivalente a 300 mil dólares mensais em tokens WLD durante três meses.

1 de maio de 2025 - 13:24

World App (Tools For Humanity/Divulgação)

Por que a íris?

O processo, apesar de parecer relativamente simples, representa anos de desenvolvimento em biometria avançada e criptografia. Quando um usuário se posiciona diante do orbe, o dispositivo captura imagens detalhadas de suas íris. Estas imagens são imediatamente convertidas em um código binário — uma sequência única de uns e zeros que representa as características distintivas de cada olho humano.

“Não estamos criando um banco de dados distópico de imagens oculares,” enfatiza Kieran. “O que fazemos é transformar essas características visuais em códigos numéricos abstratos que, por si só, não podem ser revertidos à imagem original.”

Este código, uma vez gerado, passa por um sofisticado processo de fragmentação criptográfica. A empresa divide o código em múltiplas partes, armazenadas separadamente em diferentes repositórios de dados operados por entidades legalmente distintas.

“Sempre penso que ficamos muito surpresos quando os Panama Papers foram invadidos e vazados. Estamos preocupados com esse tipo de situação, então não temos um único lugar que concentre todos os dados sensíveis. Dividimos entre várias empresas e organizações, usando criptografia para mantê-los separados. Seria necessário comprometer todas simultaneamente”, comenta Ludwig.

Com milhões de usuários já cadastrados, os executivos não escondem as aspirações universalistas do projeto. Altman já expressou o desejo de escanear as íris de todos os habitantes do planeta. Para ganhar tração, o projeto já contava com parcerias com o Reddit, Discord e Okta.

World Worldcoin Sam Altman

Barreiras regulatórias

Os defensores do World enxergam nos orbes não apenas uma solução técnica para verificação de identidade, mas um componente fundamental para uma transformação socioeconômica mais ampla. O timing do projeto coincide estrategicamente com o avanço acelerado da IA generativa e a crescente preocupação com seus impactos no mercado de trabalho.

Apesar do entusiasmo de seus criadores e investidores — a empresa arrecadou US$ 115 milhões em financiamento de capital de risco apenas neste ano — o projeto World enfrenta ceticismo e obstáculos regulatórios. As autoridades na França, Alemanha e Quênia já expressaram preocupações sobre as práticas de coleta de dados da empresa.

No Brasil, o projeto enfrenta desafios legais e regulatórios relacionados à sua coleta de dados biométricos e à compensação financeira oferecida aos participantes. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) determinou a suspensão imediata dos pagamentos para as contas World ID no país, alegando que a vantagem econômica oferecida (na forma de criptoativos) poderia comprometer o consentimento livre dos titulares dos dados, um princípio fundamental da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Embora a decisão tenha suspendido os pagamentos, a coleta de dados biométricos para o projeto continua, desde que os participantes não recebam compensações financeiras.

O posicionamento da ANPD levanta um debate sobre o conceito de consentimento na LGPD e a interpretação da autonomia do titular dos dados. Para a autoridade, a oferta de incentivos financeiros pode gerar uma pressão implícita, tornando o consentimento não totalmente livre. No entanto, críticos argumentam que a LGPD não proíbe explicitamente a oferta de incentivos, desde que o titular tenha autonomia real para decidir sobre o uso de seus dados.

A possibilidade de monetização dos dados pessoais seria uma extensão do direito à autodeterminação informativa, defendido pela LGPD, que permite que os indivíduos decidam livremente sobre o uso e compartilhamento de suas informações, sem sofrerem prejuízos. No Brasil, vemos práticas semelhantes, como os programas de fidelidade ou Wi-Fi gratuito em troca de consentimento para o uso de dados.

*A jornalista viajou a convite da Tools For Humanity.

Ir para o conteúdo original: https://exame.com/tecnologia/world-projeto-de-sam-altman-chega-aos-eua-menos-misterio-mais-wechat/

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