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Exclusivo: Marcos Troyjo, ex-banco do BRICS, explica estado de “Trumpulência” global

Exclusivo: Marcos Troyjo, ex-banco do BRICS, explica estado de “Trumpulência” global

A era da hiperglobalização, ou globalização profunda, que marcou as últimas décadas, atravessa desde as recentes crises econômicas globais um processo de desconfiança, mas a onda atual de “desglobalização” deve ser encarada mais como uma desaceleração do que como o fim de um período, defende Marcos Troyjo, cientista social, diplomata, escritor e especialista em relações internacionais e comércio exterior.

Convidado dessa semana do programa InfoMoney Entrevista, Troyjo, que presidiu entre 2020 e 2023 o Novo Banco de Desenvolvimento — também conhecido como Banco do BRICS — traça um panorama histórico sobre o comércio global até chegar à nova era protecionista, ilustrada pela segunda gestão de Donald Trump na Casa Branca. Ele também fala do exagero de considerar que instituições internacionais estejam ferindo a soberania das nações e lista alguns possíveis vencedores da conjuntura protecionista atual.

O entrevistado comparou esse período inaugurado pelo presidente americano aos avisos de pilotos de avião quando as condições meteorológicas estão difíceis. O conceito que ele tem chamado de “Trumpulência” carrega três ideias principais: a turbulência propriamente dita causada pelas tarifas, a opulência da economia americana de 30 trilhões de dólares de PIB nominal, e a incoerência de uma gestão defensora da desburocratização, desregulamentação e corte de impostos, mas que escolheu um caminho que pode acabar machucando muito a própria economia dos EUA.

Nesse contexto global mais intrincado, Troyjo acredita que o Brasil tem condições muito especiais apara aproveitar as oportunidades que surgirem, isso se fizer seu dever de casa, continuando com as reformas estruturais. Ele lista potencialidades: “Sobre segurança alimentar, o Brasil diz: presente. É um ator protagônico, com transição energética e diversidade de matrizes energéticas”, afirma.

Veja a entrevista completa no player acima ou confira os principais trechos abaixo:

InfoMoney: Sua trajetória profissional coincide com o avanço do processo de globalização. Qual foi o auge desse período?

Marcos Troyjo: A maioria dos pensadores que traça a trajetória da globalização gosta de identificar aquele período de 1989, com a queda do Muro de Berlim, ou 1991, quando na noite de Nata Mikhail Gorbachev anunciou o desmantelamento da União Soviética, como o início de uma fase de globalização profunda: menos obstáculos ao comércio internacional, menos obstáculos ao fluxo transfronteiriço de investimentos, circulação mais livre de pessoas e ideias. E era um mundo retratado naquela famoso artigo do cientista político nipo-americano, Francis Fukuyama, do “fim da história”. O artigo, na verdade era um pergunta, terminava com um ponto de interrogação. Era um momento particular em que economia de mercado, a democracia representativa, o Estado de Direito pareciam superiores, não tinham uma antítese, então a história teria acabado. Eu acho que esse sentimento prevaleceu, de certa forma, até mais ou menos 2008-2011.

30 de abril de 2025 - 13:02
O ex-presidente do Banco do BRICS Marcos Troyjo, em entrevista ao InfoMoney (Foto: Divulgação/InfoMoney)

InfoMoney: As últimas crises teriam minado a confiança nessa ordem mundial? Estamos assistindo o fim de um modelo ou uma transição para um outro?

Troyjo: Tem gente que argumenta que já houve um abalo em 2001, por conta do 11 de setembro. Em 2008, tem a queda do Lehman Brothers, uma tradicionalíssima casa de investimentos de Wall Street. Isso meio que dá a largada à chamada grande recessão, como os economistas classificam naquele período de grande incerteza econômica, grande depreciação no valor dos ativos que se seguiu à crise dos subprimes. Em 2011, tem a crise da dívida das economias da Europa Mediterrânea e aí tem alguma coisa diferente. É como se, digamos assim, para fazer um grande estoque de tempo, da queda do Muro de Berlim até a queda do Lehman Brothers, nós tivéssemos vivido um período de globalização profunda ou hiperglobalização. O Daniel Rodrik, por exemplo, o economista turco de Harvard, gosta de chamar esse período de hiperglobalização, mas eu gosto mais de “globalização profunda”. De lá para cá, eu acho que encontra-se em operação uma certa força de desglobalização. Aliás, em 2016, eu publiquei um livro, antes do Brexit e antes da primeira vitória do presidente Trump, chamado “Desglobalização”.

Mas não entendendo desglobalização como o contrário da globalização. Entendendo da mesma forma que a gente entende desaceleração. Quando um veículo está desacelerando, não significa que ele parou, significa que, por vezes, ele continua a sua progressão, porque a estrada está muito esburacada ou porque tem muita névoa no ar. Porque existe muita incerteza, o veículo percebe que é uma atmosfera de risco, ele continua a sua progressão, mas, eventualmente, utilizando caminhos alternativos ou, então, numa velocidade um pouco menos pujante, que eu acho que é o que está acontecendo desde então.

Ou seja, ao contrário do que foi um período anterior, em que o comércio internacional cresceu numa curva muito mais íngreme do que o nível mundial, essas coisas agora se aproximaram e, dependendo do ano, até reverteram. Eu acho que, desse período, digamos, de dinâmica globalizadora, você já teve uma série de eventos marcantes: a decisão dos britânicos de sair da União Europeia, a primeira presidência Trump. Durante a segunda presidência Biden ganhou força aquela tese de que o comércio entre as duas grandes potências, Estados Unidos e China, deveria ser marcado por “small yards, high fences” [quintais pequenos, cercas altas, numa tradução livre] ou seja, a identificação de alguns produtos, muitos deles de natureza sensível, de tecnologia, de uso dual, não deveriam constituir campo de troca entre Estados Unidos e China.

Há uma mudança geológica, em certo sentido, as camadas tectônicas estão se movimentando, ainda não está claro o que vem por aí. Agora, é verdade que nós estamos em um ambiente internacional de muito mais risco, de muito mais imprevisibilidade, e que acho que o Brasil, por conta das características dele, se fizer uma ou outra decisão acertada, vai acabar retirando benefícios dessa conjuntura.

InfoMoney: A visão de Donald Trump é muito menos globalista do que a de Joe Biden ou Barack Obama. Ele reduz a importância de organismos internacionais como OMC, OMS, Banco Mundial, ONU, FMI, para não falar da OTAN. Que tipo de consequências isso pode trazer?

Troyjo: Veja, eu tenho utilizado a seguinte imagem. Todo mundo que viaja muito de avião, seguramente já se viu numa situação em que você começa a ouvir uma voz assim: senhoras e senhores, aqui é o comandante, gostaria de pedir a todos que retornassem aos seus assentos, colocassem os assentos na posição vertical e afivelassem os seus cintos, porque nós vamos atravessar uma área de turbulência. Ou seja, o conceito de “trumpulência” que eu tenho utilizado há algum tempo, é alimentado como um jogo de palavras por três ideias. Uma é a ideia de turbulência: os Estados Unidos saem da Organização Mundial da Saúde, marginalizam e escanteiam a Organização Mundial do Comércio, acirram suas disputas com seus dois vizinhos geográficos e sócios, o México e o Canadá. Então, tem muita turbulência.

A segunda delas a ideia de opulência. Muita gente acha que os EUA estão em declínio, no entanto, no início de 2025, os Estados Unidos são uma economia de 30 trilhões de dólares de PIB nominal. Se você pegar a trajetória do PIB chinês ao longo do século 21 e a trajetória do PIB americano, até 2018, 2019, todo mundo apostava que dali a 10 anos haveria um eclipse raríssimo na história econômica, que é quando uma potência ultrapassa a outra na condição de maior economia do mundo. Pela performance recente da China e pela performance recente dos Estados Unidos, aquela distância que vinha se encurtando, voltou a abrir, a boca de jacaré voltou a abrir. Quando começou a crise do Lehman, 2008, o PIB americano per capita era mais ou menos 15% maior do que o PIB per capita na zona do euro. Hoje, é o dobro. O Estado menos rico, ou mais pobre dos EUA, é o estado do Mississipi. Hoje, tem uma renda per capita, nominal, medida em dólar, maior que a renda per capita da Itália, da França, do Reino Unido e do Japão.

Se você olhar pelo market cap [capitalização de mercado] das empresas, (…) das dez maiores do mundo, 20 anos atrás, duas eram japonesas, quatro eram europeias e quatro eram americanas. Hoje, das dez maiores empresas do mundo por market cap, nove são americanas. Então os Estados Unidos estão muito pujantes. Por que isso é relevante para nós? Porque o presidente Trump representa um software que é inserido num hardware muito potente.

E a terceira coisa do conceito de “Trumpulência” é a ideia de incoerência. Porque, por um lado, você tem uma tentativa de desburocratização, desregulamentação, corte de impostos. Você vê o Bernard Arnault [presidente e diretor executivo da empresa de artigos de luxo LVMH], a maior fortuna da Europa, quando ele esteve nos EUA na posse do Trump, ficou fascinado.

Agora, desde 2 de abril, com o anúncio das chamadas medidas de comércio “justo e recíproco”, eu acho que a presidência Trump escolheu um campo para atuar e uma metodologia para atuar que vai acabar machucando muito a própria economia americana.

InfoMoney: Ainda sobre o tema globalização, uma crítica de quem defendia mudar aquela ordem é que a soberania dos Estados tinha sido capturada por esses organismos internacionais. Os EUA realmente foram atingidos por uma interferência muito forte dessas organizações?

Troyjo: Me parece que é exagerada a crítica em relação ao poder dessas instituições. O orçamento regular da ONU representa uma cifra inferior ao orçamento do Corpo de Bombeiros da cidade de Nova York. A Organização Mundial do Comércio, desde que ela foi criada nos anos 90, não gerou um grande pacto internacional. Tem um órgão importante que agora está um pouco também depreciado, que é o órgão de solução de controvérsias, onde os países abriam painéis um contra o outro, tentavam dirimir disputas — os Estados Unidos não dando a bola que merecia ao órgão de solução de controvérsias, ele também ficou um pouco esvaziado. Existe uma ênfase exagerada no poder dessas instituições, mesmo no Banco Mundial. Apenas para ficar nessa questão do financiamento e desenvolvimento, se pegar o Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, CAF, Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, Banco Africano de Desenvolvimento, se pegar todos os organismos multilaterais de financiamento e desenvolvimento, e comparar isso com a necessidade, por exemplo, da alocação de recursos para combater o déficit de infraestrutura no mundo em desenvolvimento, todos esses bancos juntos representam cerca de 5% ou 6%. É um intervalo gigantesco entre necessidade e o poder relativo dessas instituições. O grande tema, acho que da atualidade, não tem como fugir disso, é essa política comercial agressiva que o Donald Trump imprimiu. E era esperado que tivesse retaliação, como está acontecendo por conta da China.

InfoMoney: Nesse teatro de operações dessa guerra comercial, que atores você acha que podem desempenhar o papel de “winners “e “losers” daqui para a frente?

Troyjo: O Goldman Sachs, que é uma instituição que tem muita gente inteligente, há mais ou menos um ano e meio publicou um relatório chamado “A Ascensão dos Países Geopoliticamente Pendulares”. (…) É uma análise interessante, que mostra que alguns países podem se beneficiar um pouco dessa realidade em que você tem um epicentro de poder, influência e riqueza importante na Ásia — e muito em torno da China –, e outro mais em torno dos Estados Unidos. Então, que países são esses? A Arábia Saudita, Singapura, o Brasil também, por algumas dessas características. O Japão é algum desses países.

Agora, eu acho que o Brasil tem condições muito especiais. Eu tenho viajado, participado de muita conversa na Europa, na Ásia, nos Estados Unidos, conversando com diferentes pessoas em diferentes tipos de instituições. Você está falando com um Fundo Soberano ou em uma reunião mais acadêmica e, de repente, começa a ouvir ‘segurança alimentar’, ‘segurança energética’, ‘capex verde’, todo mundo está falando sobre isso. Sobre segurança alimentar, o Brasil diz: presente. É um ator protagônico importante, com transição energética, diversidade de matrizes energéticas, o Brasil é um ator importante. No capex verde, mesma coisa.

Está fazendo exatos 20 anos que foi publicado aquele livro do Thomas Friedman: “O Mundo é Plano”. Se você estivesse em 2005 lendo aquele livro, sabe que o mundo vai ter cada vez menos obstáculos para comércio e investimento. Você olha para a China, a China está crescendo 10%, 11%, o que você vai dizer? Eu vou aumentar a minha alocação de recursos de investimentos para a China. Você olha para a Rússia, o maior país do mundo, recursos naturais espetaculares, recursos humanos também, o percentual da população russa que tem curso superior completo é bastante alto. Você olha para aquilo ali e vai dizer o seguinte: eu vou aumentar a minha exposição à Rússia. Você olha para a União Europeia, que no início dos anos 2000, no seu conjunto, era uma economia maior que os Estados Unidos e uma economia maior que a China e vai dizer: eu vou aumentar a minha exposição, a minha alocação para a Europa.

Ora, todos esses pontos brilhantes de 20 anos atrás, hoje estão piscando com a luz fraca, o que aumenta o diferencial competitivo, a atratividade relativa de uma economia como o Brasil. Não apenas por, digamos assim, diminuição do magnetismo dos outros, mas também porque o Brasil tem características importantes nessas três áreas que eu mencionei: segurança alimentar, segurança energética e o capex verde.

InfoMoney: Já que não dá para mudar tudo no Brasil, se for para criar uma “to do list”, qual você acha que seria a grande prioridade hoje para o país aproveitar essas oportunidades?

Troyjo: Eu acho que a inflexão, enfim, para tudo mais que aconteça, você precisa ter uma inflexão na política econômica. E para você ter uma inflexão na política econômica, você precisa ter uma inflexão na política. Você precisa ter uma mudança de rumo na política dentro do jogo democrático na virada de 2026 para 2027.

InfoMoney: Você presidiu o Banco do BRICS entre 2020 e 2023. E a gente sabe que, muitas vezes, o BRICS é um campo de uma discussão política que desagrada bastante os Estados Unidos. Esse grupo pode se tornar um problema para o Brasil, jogar um holofote num momento que a gente não quer?

Troyjo: Vamos fazer um pouco a cronologia das coisas. Em 2001, 2003, tem aquelas publicações capitaneadas pelo Jim O’Neill, que estava lá com a bola de cristal dele ligada, fazendo projeções sobre o PIB mundial em 2030. E ele consegue ver lá na bola de cristal, nas folhas de chá, que as economias da China, da Índia, da Rússia e do Brasil ocuparão um espaço cada vez maior no PIB mundial. Ele não errou, está certo? Talvez isso tenha sido muito mais o resultado da expansão econômica de Índia e China e menos o resultado de Brasil e Rússia. Mais para o final daquela década, tem representantes governamentais de Brasil, Rússia e Índia e China que começam a dizer o seguinte: em vez do conceito ser definido de fora para dentro, nós mesmos vamos tentar definir o conceito de BRICS. Esses quatro países originais representavam uma espécie de série A, de clube elite, das economias emergentes. Quando colocou a África do Sul, tudo bem, um representante do continente africano, mas já é uma economia comparativamente bem menor do que as outras. Durante o período que eu estive no Ministério da Economia — e também fui presidente do conselho do banco antes de ser presidente executivo do banco — o que a gente olhava e pensava? Bom, esses países são super diferentes, mas eles têm coisas em comum, grande território, grande população, exercem uma influência regional importante.

Agora, por exemplo, alguns são potências nucleares, outros não. Alguns são democracias representativas com sufrágio, outras não. Umas são potências na produção de alimentos, outras não. Você vai vendo ali que tem coisas muito parecidas, e outras são muito diferentes.

Tem uma coisa que todos esses países precisam, que é, por exemplo, mobilizar capital de longo prazo para financiamento da infraestrutura ou do desenvolvimento sustentável. Esse é um ponto comum: vamos tentar construir em cima daquilo que é comum com nós todos. Daí a ideia do banco de desenvolvimento e o tipo de ênfase que a gente deu.

Agora, mais recentemente, a partir da cúpula de Durban de 2023, começou um processo de expansão do grupamento BRICS. Lá no Banco de Desenvolvimento, se você tiver mais sócios, você vai integralizando mais capital, você tem mais recursos com os quais você pode utilizar diferentes plataformas para aumentar recursos disponíveis, para financiamento de energia eólica, energia fotovoltaica, combate a enchentes, ferrovia, muito legal. Agora, do ponto de vista dos BRICS como um todo, você vai agregando esses outros países, o peso político dos sócios originais, como é o caso do Brasil, vai se diluindo também.

Na cúpula de Durban, o Brasil entrou na sala com 20% do capital político, saiu da sala, quando termina a reunião, com menos de 10%. Aí entra quem? Entra o Irã, entra a Etiópia… O Irã é um dos países mais sancionados do mundo. A Etiópia, com PIB per capita baixo, de US$ 1.500. E agora, mais recentemente, Cuba.

Então, eu acho que vai perdendo um pouco, pelo menos daquela ideia original de projeção do futuro da economia global a partir do aumento da presença relativa dos emergentes, para ser algo que pode tender a críticas ao Ocidente, aos Estados Unidos. Enfim, esse outro grupamento, que eu não sei se é uma coisa que realmente interessa a um país como o Brasil. A gente deveria direcionar as atenções, fazer o esforço necessário para que a nossa participação nos BRICS seja uma participação no sentido de entender que os BRICS são um músico numa orquestra, tem outras nações, não é um contra o outro.

InfoMoney: Dentro dos BRICS, a gente está vendo uma ascendência da Índia…

Troyjo: A Índia já é hoje a terceira maior economia do mundo, do ponto de vista do PIB medido pela paridade do poder de compra. Neste ano de 2025, a Índia deve ultrapassar o Japão como segunda maior economia da Ásia e quarta maior economia do mundo, pelo critério do PIB medido pelo dólar nominal. E está crescendo 7% ao ano. Os matemáticos têm aquela fórmula mágica, chamada regra dos 70, com a qual você consegue medir, aproximadamente, quanto tempo leva para um país dobrar sua renda per capita, baseado na sua taxa de crescimento anual.

70, dividido por 7, que é a taxa de crescimento, dá 10. 10 é o número de anos que leva para a Índia dobrar sua renda per capita. Ora, se a Índia dobra sua renda per capita, em 2035, ela está super pujante. Na metade do caminho, em 2030 (…) é um mercado consumidor de 800 milhões de pessoas. São 10 Alemanhas. Para nós, no Brasil, que somos grandes produtores de alimentos, quando você tem uma ascensão tão dramática, tão vertiginosa, num espaço tão curto de tempo e a partir de um patamar de renda tão baixo, a tendência é que essa curva ascendente, quando orientada ao consumo, aumente a demanda por coisas como alimentos, insumos para a infraestrutura, áreas em que o Brasil tem grandes vantagens comparativas.

InfoMoney: Falando sobre o Mercosul. Você esteve à frente das negociações do com a União Europeia. Pareceu ser um grande avanço, mas e a partir daqui?

Troyjo: Vamos dar uma olhada em outros exemplos históricos que nos ajudam a lançar luz sobre o Mercosul. Na Europa você tinha um negócio chamado Comunidade do Carvão e do Aço, depois aquilo se transformou no Benelux, um acordo comercial entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo. Depois, tem a criação do Mercado Comum Europeu, isso se transforma na Comunidade Econômica Europeia e depois nas Comunidades Europeias, e desemboca na União Europeia, que entre outras coisas, gera uma moeda comum, um banco central comum, uma corte comum em Estrasburgo, um parlamento comum em Bruxelas, então você tem essa trajetória. O Mercosul começou com um processo de entendimento, foi fundamental nos anos 80 aquelas conversas entre o Raúl Alfonsin e o presidente Sarney? Diminuíram-se as suspeitas de um ou de outro, vamos começar um processo de integração econômica. Aí, o que deveria fazer? Você deveria começar com uma liberalização setorial, depois isso avança para uma área de livre comércio, quando isso está razoavelmente bem disseminado, você pode pensar em voos mais altos, como por exemplo, uma união aduaneira, mediante o exercício de uma tarifa externa comum.

O Mercosul não cumpriu a fase de área de livre comércio plenamente e já criou uma tarifa externa comum, com um monte de exceções. Hoje é muito mais barato você comprar um bom vinho argentino em Hong Kong do que comprar em São Paulo. Por quê? Porque tem ali as exceções. Veja, por que o acordo do Mercosul e União Europeia é tão importante e quando a gente chegou ao Ministério nós tínhamos esse entusiasmo por concluir o acordo? Porque o Brasil, ao contrário de outros países, ficou muito distante das cadeias globais de valor, ao contrário de outros países tem um percentual de exportações e importações pequeno, como fatia do seu PIB. Se você der uma olhada nos grandes milagres econômicos depois da Segunda Guerra Mundial, Alemanha, Japão, China desde 1978, Coreia do Sul desde 1970, Espanha desde 1982, Israel desde 1985, Chile, em grande medida da segunda metade dos anos 1970 para cá, em todos eles você tem uma presença muito forte do comércio exterior como trampolim do crescimento econômico.

No caso do Brasil não foi assim, vamos correr atrás um pouco do tempo perdido. A gente conseguiu, em junho de 2019, concluir as negociações. Qual que era a nossa expectativa? Agora tem o rito de aprovação parlamentar na Europa, ali você tem um trâmite, tem que ser aprovado pelo Conselho Europeu. Depois, o acordo é assinado, e é remetido para o Parlamento. Uma vez que ele é aprovado o Parlamento Europeu, a ampulheta já começa a rodar, o relógio da desgravação. O setor, por exemplo, de autopeças de automóveis, são 15 anos, sai do atual nível tarifário e cai para zero em 15 anos. Fruta é tarifa zero já, espumantes são, se não me engano, oito anos e meio (…), é um acordo muito abrangente, envolve mais de 90% de toda atividade econômica entre o Mercosul e a União Europeia. Junta os 450 milhões de habitantes da União Europeia, com os 200 milhões do Mercosul (…), cria uma área grande.

Obviamente o comércio é super importante, mas pela experiência histórica, o primeiro choque positivo que esse tipo de associação gera é o fluxo de investimentos, o que é ótimo para a nossa região por conta do investimento infraestrutural e também para a formação de joint ventures. Porque as empresas possam ter acesso a outras fontes de capital, começam a flertar com a possibilidade de ter sócios, criar joint ventures, participantes em equity… É um processo virtuoso, ainda mais no mundo em que tanto nós, na nossa região, quanto os europeus, precisam criar alternativas. Hoje, de cada dois dólares que o Brasil exporta, um vai para a Ásia. Então tudo bem, a Ásia é onde tem a maioria da população, é uma gente que está com fome, é uma gente que precisa também de recursos energéticos, vamos continuar prestando atenção para a Ásia. Mas vamos ter outras alternativas, essa é a importância do Acordo Mercosul e União Europeia.

Eu estou mais entusiasmado agora, porque um dos efeitos colaterais da atual orientação comercial dos Estados Unidos é convidar essa aproximação. Foi só o presidente Trump ser eleito em novembro de 2024 presidente dos Estados Unidos que rapidamente os europeus tiraram o acordo da gaveta, durante a reunião do G20. Fizeram lá uma “reconclusão” do acordo que já tinha sido finalizado em 2019. Ele é um pouco menor do que o que a gente tinha negociado, porque saiu, por exemplo, a parte de compras governamentais, que nós achávamos que era fundamental para eficiência dos gastos, das compras do Estado, para questões de transparência. E também porque a gente tinha essa outra agenda de fazer do Brasil um membro pleno da OCDE, que na nossa visão era um avanço institucional importante. Mas, de qualquer maneira, eu acho que sim, é uma possibilidade maior agora de Mercosul e União Europeia andarem juntos.

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