Ligar a TV às 21h30 para assistir à novela era um ritual familiar brasileiro. Hoje, o cenário mudou. A TV compete com smartphones, redes sociais e streamings pela atenção do público. Neste cenário fragmentado, como uma emissora tradicional pode manter a relevância de seu principal produto?
A reinvenção das narrativas tradicionais
A Globo demonstra, com o remake de Vale Tudo, que entendeu um princípio fundamental do marketing contemporâneo: o conteúdo precisa existir onde o consumidor está. A novela, que originalmente foi um fenômeno de audiência nos anos 1980, retorna em 2025 com uma abordagem transmídia que mantém sua essência enquanto se adapta aos novos hábitos de consumo.
O case mais emblemático dessa estratégia é o perfil do Instagram da personagem Maria de Fátima, interpretada por Bella Campos. Em apenas três dias, a conta ultrapassou 120 mil seguidores e hoje já soma mais de 372 mil. É uma influenciadora fictícia que produz conteúdo real, rompendo as barreiras entre a tela da TV e as redes sociais.
A estratégia multiplataforma como multiplicadora de audiência
Dados da plataforma GloboAds revelam que as novelas permanecem como o gênero mais consumido da programação, alcançando 75% da população brasileira. O diferencial está na distribuição: o conteúdo agora se espalha por múltiplos pontos de contato, criando um ecossistema que atinge diferentes perfis etários e hábitos de consumo.
O segredo está na complementaridade entre as plataformas. Na TV Globo, o público é majoritariamente feminino (64%) e mais maduro (54% acima de 50 anos). Já nas plataformas digitais como Globoplay, a audiência se torna mais jovem, com 32% entre 25-34 anos. No Instagram, 69% dos seguidores estão na faixa de 18-24 anos.
Transformando personagens em ativos de marca
A estratégia de transformar personagens em influenciadores digitais não é nova para a emissora. Em 2019, a personagem Vivi Guedes, de A Dona do Pedaço, alcançou impressionantes 2 milhões de seguidores. A diferença é a velocidade e a sofisticação com que isso agora acontece.
O que testemunhamos é a aplicação prática do que o Marketing chama de narrativa transmídia: uma história que se desenrola através de múltiplas plataformas, com cada meio contribuindo de maneira única para a experiência completa.
Quando a personagem Maria de Fátima publica em tempo real no Instagram a foto polêmica que acabou de fazer na novela, ela não está apenas estendendo o conteúdo – está criando um ponto de interação, que ressoa especialmente com a geração digital que talvez nunca se interessasse pela novela em seu formato tradicional.
O impacto da estratégia transmídia
Esta estratégia da Globo oferece lições valiosas. Três delas merecem destaque:
- Conexão com diferentes públicos: ao distribuir conteúdo em múltiplas plataformas, a novela e as marcas patrocinadoras podem alcançar distintos segmentos demográficos sem diluir sua essência.
- Complementaridade entre canais: cada plataforma tem seu papel específico no funil de engajamento, criando uma experiência integrada onde o digital não compete com o tradicional – eles se reforçam mutuamente.
- Coerência narrativa: apesar de expandir para novos formatos, a narrativa central permanece coesa. A personagem mantém sua personalidade reconhecível em todas as plataformas.
O verdadeiro valor dessa estratégia está no engajamento gerado. Quando fãs, artistas, influenciadores e até marcas comentam no perfil da Maria de Fátima como se ela fosse real, cria-se um nível de envolvimento emocional raramente alcançado pela publicidade tradicional.
E os patrocinadores também ganham destaque! Segundo dados da GloboAds, 67% do público acredita que ações de conteúdo ajudam a conhecer melhor as marcas, e 60,7% passam a considerar mais as marcas que veem na novela nas próximas compras.
O futuro da integração de conteúdos
A estratégia da Globo demonstra que mesmo produtos tradicionais como as novelas podem se reinventar na era digital sem perder sua identidade. O segredo está na visão integrada que entende que o público não se comporta mais de forma linear.
Para marcas e negócios, a lição é clara: não se trata de migrar do físico para o digital, mas de criar um ecossistema onde cada canal tenha seu papel específico, conectando diferentes gerações em torno de uma narrativa convincente que transcende plataformas.
Essa estratégia representa o futuro não apenas para produtos de entretenimento, mas para qualquer marca que busque relevância num mundo onde a atenção é o recurso mais escasso e valioso.
*Kelly Pinheiro é jornalista e especialista em marketing e posicionamento de marcas. Fundadora e CEO da Mclair Comunicação.
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